Acórdão nº 106/21.2T8OLR-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-03-14

Ano2023
Número Acordão106/21.2T8OLR-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - AA, intentou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo:

- Deverão ser demarcadas as estremas do prédio identificado em 1.º da Petição Inicial na parte em que confina o Réu;

- Deverá o Réu ser condenado a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado no art. 1.º da Petição Inicial até à linha delimitadora que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente, de praticar qualquer ato que, de qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o livre exercício do direito da Autora sobre tal prédio até tal linha delimitadora;

- Deverá o Réu ser condenado a demolir e retirar tudo o que, depois de definida a linha delimitadora, estiver a ocupar o prédio da Autora, no prazo de 15 dias, entregando-o à Autora completamente livre e desimpedido;

- Deverá o Réu ser condenado a pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 100,00 por cada dia além dos 15 dias acima referidos, que demorar a demolir, limpar e desimpedir o prédio desta.

Alega, para tanto, e em suma, que é proprietária do prédio urbano que identifica no art 1.º da petição inicial, e que há mais de 30 anos tem fruído e disposto de todas as utilidades e bens que o mesmo lhe proporcionava, enquanto proprietária, respeitando rigorosamente as suas estremas, demarcações e divisórias com total exclusividade e independência, como se de coisa sua se tratasse e se trata efectivamente, fazendo-o de forma pública, pacifica e de boa fé, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja. Alega ainda – art 9º - que «as estremas destes prédios estão definidas há anos, mantendo-se inalteradas quanto à área e confrontações», e que o prédio de que é dona confronta a nascente com o do R., que o adquiriu em 1994, sucedendo que em 2014 este mandou edificar um muro para dividir as propriedades do lado nascente do prédio da A. e poente do R., sendo que esse muro que delimita o prédio do R. «está construído em parcela de terreno pertencente à A., e deste modo o R. ocupa essa parcela, tendo ampliando o seu prédio sobre uma área não determinada da estrema nascente do seu prédio». Mais alega que em 2018 intentou acção de reivindicação nos Julgados de Paz, que foi julgada improcedente. Conclui, em face do alegado, pretender que as estremas do prédio de que é proprietária sejam demarcadas, dado que existe discórdia acerca da estrema nascente, parte em que o referido prédio confina com o do R.

O réu apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Em sede de excepção, invocou a ineptidão da petição inicial, por existir contradição entre os pedidos e os fundamentos que os suportam, invocando também a excepção de caso julgado. Impugna toda a demais matéria alegada pela A. alegando ser proprietário do prédio em causa por via de doação, encontrando-se o muro em causa sobre esse mesmo terreno.

Foi admitida a intervenção principal provocada, como associada do réu, de CC, tendo a mesma apresentado contestação, em que se defendeu nos mesmos termos do que o R.

Notificada para o efeito, a A. respondeu às excepções, mantendo integralmente o alegado.

No despacho saneador foi apreciada a referida excepção da ineptidão da petição inicial, bem como a de caso julgado, tendo-se julgado, uma e outra, improcedentes.

II – Do assim decidido, apelou o R, que concluiu as suas alegações do seguinte modo:

1. A Autora não pode dizer, por um lado, que “as estremas do seu prédio estão definidas há décadas mantendo-se inalteradas, como sucede quanto à área e confrontações”, ou seja, limites, para depois dizer que “existe controvérsia quanto aos limites desses prédios sem que diga em que consiste essa controvérsia e, em sede de pedido, requerer a demarcação de ambos os prédios.

2. Do mesmo modo, a Autora não pode pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre o seu prédio, dizendo simultaneamente que daquele foi ocupada parcela de terreno, com a construção do muro a que se refere o artigo 12º da P.I., que o R. ocupou parte do prédio da A., como em 13º e depois alegar que há controvérsia quanto aos limites de ambos os prédios e por isso peticionar a respetiva demarcação, quando antes em 9º diz que aquele prédio se encontra delimitado e definido há dezenas de anos.

3. Ao fazê-lo, como fez, daí decorre, claramente, que a petição inicial é inepta por manifesta contradição entre a causa de pedir e o pedido.

4. Decidir da exceção dilatória de ineptidão da P.I. suscitada pelo Réu e Chamada só pode e deve ser feito pela análise da referida peça processual e pelos factos e matéria aí vertida, consubstanciando a causa de pedir e a adequação e coerência desta ao ou aos pedidos formulados a final e não pelo que tem vindo a ser decidido pelo Tribunais Superiores sobre a natureza e características da ação de reivindicação e demarcação, como fez o Tribunal “ a quo”.

5. A P.I. é inepta pelo que se alega antes, porquanto, demarcar pressupõe indefinição, incerteza, ausência de limites concretos, o que aqui não é o caso, visto, todos aqueles elementos dos prédios pertença de A e R, segundo a própria Autora, e como esta confessa e reconhece, são certos, concisos, definidos e estabelecidos há décadas, pelo que ao ser pedida demarcação, há contradição entre os pedidos e os fundamentos que os suportam, daí ser inepta a P.I., o que sempre importaria a absolvição da Instância nos termos do disposto ao artº. 576 nºs 1 e 2 do C.P.C.

6. É inepta, porquanto, resulta claramente da P.I. que o pedido assenta em causas de pedir inconciliáveis face aquela que é a natureza da ação de demarcação, para além do que, são formulados pedidos cujos efeitos jurídicos se repelem mutuamente.

7. Os pedidos de reivindicação e de demarcação, assentando em pressupostos perfeitamente balizados e reconhecidos, são substancialmente incompatíveis uma vez que na ação de reivindicação se discutem os títulos de aquisição e, consequentemente, o direito de propriedade, designadamente, se existe e quem é o ou os titulares, enquanto que na ação de demarcação se discute a sua extensão, corpórea, no caso, os limites materiais, pressupondo o domínio sobre os mesmos.

8. E, ou aqueles limites, são inconcretos e objeto de controvérsias entre proprietários, que os ignoram ou não sabem ou não têm elementos localizadores que os identifiquem, face à dúvida material estabelecida e apenas nesta hipótese, o que se compreende, o meio processual próprio para ultrapassar aquele estado de incerteza e indefinição é, obviamente, a ação de demarcação.

9. Pressupostos e elementos aqueles, que de todo se ausentam nesta ação, tal como esta se encontra e é caracterizável, face aos respetivos fundamentos – CAUSA DE PEDIR -, alegados in casu pela A, como lhe cumpria, atento o ónus que sobre si lhe recai, face ao previsto no artº. 5º nº 1 do C.P.C..

10. No caso em apreço, sem margem para dúvidas, a nosso ver, como se demonstrou, a causa de pedir, consubstanciada nos fundamentos alegados pela A., e apenas por esta, de novo se chamando à colação o disposto no citado preceito – artº. 5 nº 1 do C.P.C. – resolve-se e concretiza-se em ação de reivindicação.

11. O que se controverte, diretamente não são os limites dos prédios e particularmente os do prédio urbano propriedade da Autora que esta reconhece, tem conhecimento e sabe onde especialmente se situam, como menciona em 9 da P.I., que se transcreve: “ As estremas dos prédios ali aludidos, estão definidas há décadas, mantendo-se inalteradas quanto à área e confrontações”, mas apenas a propriedade concreta de área de solo, com limites definidos.

12. O que a nosso ver, basta para que não se suscitem duvidas, salvo melhor opinião, que o meio processual próprio a que importaria recorrer e se impunha, era e sempre seria a de reivindicação.

13. A jurisprudência, citada em Douto Despacho pela Mma Juiz do Tribunal “a quo” – Acórdão do TRL de 12.02.2009 Proc. nº 288/2009.6 -, sequer dá conforto àquela decisão, ora objeto de Recurso, porquanto, estando Autora certa quanto aos limites, como afirma em 9º da P.I, não pode requerer providencia demarcatória, mas antes, por via de ação, reivindicar a parcela de terreno que diz ter sido ocupada pelo Réu, no que se não nos oferece dúvidas, salvo melhor opinião.

14. Existindo contradição entre causa de pedir e pedidos formulados pela Autora na P.I., e sendo o processo próprio o de reivindicação, ocorre nulidade processual, atento o disposto ao artº. 576, 577 al. b) por referência ao disposto em artº. 186 nºs 1 e 2 al. b) todos do C.P.C.

15. Nulidade que terá como consequência ser declarada, como se perspetiva, a anulação de douta decisão sob Recurso, sendo a mesma substituída por outra que reconheça os vícios, que se sumariam, com a absolvição do Réu e Chamada.

16. Não é inocente a configuração de ação como de demarcação pela Autora, e não é, porquanto, a de reivindicação está-lhe e estava-lhe vedada, face a antecedente Aresto já proferido, tendo por fundamento a mesma causa.

17. Estava-lhe e está-lhe vedada, por as questões relativas à composição e limites do prédio urbano de que a A. se diz dona e possuidora, haverem já sido discutidas e decididas em ação própria, como a mesma refere, e que correu termos no Julgado de Paz ... sob a forma de revindicação e com o n.º 57/18.

18. Ação na qual, aquela, como fundamento alegou ser dona e proprietária, quer do Prédio Urbano, que também identifica na presente ação, como ainda da parcela de terreno – logradouro/superfície descoberta-, da exata parcela ali, reivindicada, aqui a demarcar.

19. Tendo pois, naquela ação, que correu termos no Julgado de Paz ..., como partes exatamente as mesmas que intervêm no presente processo, a questão ora ajuizada, sido aí decidida, em desfavor da Autora, não pode esta, astuciosamente, pelos...

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