Acórdão nº 1052/21.5T8GRD-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão1052/21.5T8GRD-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA)
Processo n° 1052/21.5T8GRD-A.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Helena Melo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

AA, veio, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe é movida por Banco 1..., S.A., deduzir oposição por meio de embargos de Executado, com os seguintes fundamentos:

I. Ilegitimidade do Exequente

no âmbito das negociações do processo especial de revitalização a que se submeteu a sociedade subscritora da livrança exequenda, o embargante foi informado pelo Banco 1..., S.A. que o crédito exequendo foi vendido/cedido à sociedade H..., pelo que, fruto da cessão de créditos operada, transferiu a sua posição creditícia para esta sociedade, deixando de ter interesse em prosseguir, como exequente a presente execução, sendo, como tal, parte ilegítima.

II. Inexigibilidade. Suspensão da Execução. Caução

O crédito exequendo é inexigível por a declaração de vencimento da obrigação principal – a cargo da subscritora da livrança – ser ilegítima, em consequência da situação pandémica vivida no ano de 2020 até à data em que foi declarado o vencimento antecipado do contrato de financiamento nº ...23, por ser abusiva ao não tomar em consideração uma alteração superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade recíproca de contratar (art. 437º do CC) e também por contrariar expectativas fundadas de que não poria termo ao contrato no momento em que o fez.

III. Alteração das circunstâncias e abuso de direito

Apesar do forte abalo sentido na atividade económica em fruto da situação pandémica que se vive em Portugal e no mundo, e que levou a T..., S.A., a suspender o pagamento das prestações do empréstimo que subjaz à livrança executada, ainda que fosse efetuando pagamentos das prestações até dezembro de 2019, o Banco 1..., S.A. aceitou os atrasos, declarando-se tolerante e compreensivo com a situação, afirmando esperar pela consolidação da retoma da atividade económica para se iniciar o pagamento da dívida;

desde finais de 2019 até maio de 2021 (data da declaração de vencimento antecipado), ocorreram conversações com o Banco 1..., S.A. que criaram fundadas expectativas de que o banco aceitaria reestruturar o contrato de financiamento nº ...23;

expectativas reforçadas por, por várias vezes, durante 2020 e 2021, o Banco 1..., S.A. ter concedido crédito à T..., S.A., (e empresas que o banco qualificava integrar o grupo T..M...) através das linhas de crédito de €.200.000,00 (desconto/adiantamento de cheques pós-datados) e de €.100.000,00 (desconto de letras aceites);

apesar das boas perspetivas de retoma da atividade, das conversações mantidas, da manutenção do apoio de crédito (através das duas linhas atrás faladas) e das expectativas que apontavam para reiniciar-se o pagamento da dívida após a consolidação da retoma da atividade económica, inesperadamente, em maio de 2021, o Banco 1..., S.A. pôs termo ao contrato e preencheu a livrança caução em branco com ele coligada e executou-a;

o que configura uma contradição de vontades, já que o Banco 1..., S.A., depois de aceitar a manutenção dos apoios de crédito e declarar que esperaria pela retoma da atividade da T..., S.A., para recomeçar a pagar o empréstimo, alterou o seu comportamento, inopinadamente, sem esclarecer por que motivo o fez e sem dar qualquer oportunidade da empresa avançar com uma solução – o que configura abuso de direito na forma de venire contra factum proprium e tu quoque;

se a mutuária e o embargante não fossem surpreendidos pela imprevista e surpreendente decisão de exigir o cumprimento antecipado e integral do capital mutuado, teriam legitimidade para requerer a modificação do contrato por alteração das circunstâncias.

III. Impugnação do crédito exequendo

Impugna-se o valor de preenchimento da livrança porque o cálculo dos juros está exagerado, atendendo a que a E3M está negativa desde, pelo menos, novembro de 2015, sendo o spread de 3%, impondo-se que o banco venha esclarecer qual o nominal da Euribor a 3 meses que considerou, em cada momento, mais o spread e sobre que capital fez incidir esse cálculo.

Conclui, pedindo que na procedência dos embargos, se declare:

a) a ilegitimidade do Banco 1..., S.A.;

b) Se assim não se entender, a suspensão da execução, enquanto não são julgados os embargos;

c) Em qualquer circunstância, procedendo os embargos, deve declarar-se extinta a execução.

A Exequente deduziu oposição aos embargos, pugnando pela sua improcedência, alegando, em síntese, que a alegada cessão de créditos não se mostra ainda concretizada, negando, não só, o invocado abuso de direito, como a alegada alteração das circunstâncias, uma vez que o incumprimento já existia antes da situação de pandemia. Quanto ao valor do preenchimento da livrança, o alegado carece de fundamento pois os juros foram calculados com base no reconhecimento do spread de 3%, acrescido de 3% a título de mora, em conformidade com o que resulta das cartas enviadas à sociedade mutuária e avalistas a 7 de junho de 2021.

Entendendo que os autos dispunham de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito, foi proferido Despacho Saneador a julgar improcedentes os embargos, determinando o prosseguimento da execução.


*

Não se conformando com tal decisão, o Embargante/executado interpõe recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. Foi alegado nos embargos que o Banco 1..., S.A. é parte ilegítima.

2. Por requerimento com a ref. ...55, de 17.05.2022, a A... requereu a sua habilitação como cessionária do crédito do Banco 1..., S.A..

3. Por douto despacho com a ref. ...65, de 19.05.2022, o Tribunal considerou demonstrada a cessão de créditos e declarou habilitada A....

4. Assim, à data (02.06.2022) em que foi proferida a decisão que julgou os embargos de executado improcedentes, a A... estava colocada na posição processual (exequente e embargada) do Banco 1..., S.A..

5. Pelo que, smo, a decisão não deveria declarar parte legítima o Banco 1..., S.A. mas sim a A... – a decisão violou o art. 577º, alínea e), 578º do CPC.

Alteração das circunstâncias e abuso de direito

6. Em sede de embargos foi invocada a alteração superveniente das circunstâncias que fundaram a base negocial do financiamento e o comportamento abusivo do banco.

7. O abuso de direito decorre do comportamento contraditório – depois de negociar e criar legítimas expetativas de que aceitaria reestruturar o financiamento à sociedade T..., S.A., inesperadamente, em maio de 2021, declarou o vencimento antecipado do contrato e preencheu a livrança caução em branco que o titula – e

8. Ainda por exigir o cumprimento integral do contrato, num quadro da alteração das circunstâncias, quadro esse que afetou o princípio da igualdade e do equilíbrio contratual, durante a sua execução.

9. O Banco 1..., S.A. ao declarar o vencimento antecipado do empréstimo, ao preencher a livrança e ao executá-la, violou a boa fé contratual – sinalizou que apoiaria a empresa e inopinadamente alterou o seu posicionamento, exigindo, de uma só vez, o cumprimento integral do financiamento, sem dar a oportunidade à devedora principal de retomar o seu cumprimento.

10. O Tribunal decidiu estas duas questões – alteração das circunstâncias e abuso de direito – sem submeter a prova o alegado nos embargos, por entender que o avalista – embargante não pode opor exceções ao preenchimento do título em branco por não estar em relação imediata com o credor/portador da livrança executada.

11. Apesar do aval configurar uma relação jurídica diversa da relação subjacente ou causal (o financiamento entre o banco credor e a devedora), tal não impede que o avalista possa invocar o preenchimento abusivo da livrança, por parte do credor/portador da livrança, desde que tenha intervindo ou participado no pacto de preenchimento da livrança – como é o caso destes autos.

12. Com efeito, o embargante-avalista participou no financiamento (como administrador da subscritora da livrança e prestador de garantia de aval) e no pacto de preenchimento que dele consta (cláusula 18ª das condições gerais - Doc 2 e 3 do r.e.).

13. Atenta a intervenção do embargante no contrato de financiamento, na dupla qualidade de administrador da sociedade subscritora da livrança e de avalista, ficou vinculado ao acordo de preenchimento da livrança, assim como o Banco 1..., S.A. e a sociedade T..., S.A.

14. Tendo-se mantido a livrança em poder do seu portador (o Banco 1..., S.A.), o avalista/embargante tem legitimidade para invocar factos integradores do preenchimento abusivo da livrança - por alteração superveniente das circunstâncias e abuso de direito –, devendo o Tribunal apreciar os factos suscitados, à luz do art 10º da LULL.

15. O contrato de financiamento nº ...23 (DOC 2 do r.e.) e a alteração (DOC 3 do r.e.) são documentos adquiridos para o processo que devem ser tomados em consideração na apreciação dos factos que conduzem à violação do pacto de preenchimento da livrança, por força do art 413º do CPC.

16. A jurisprudência e a doutrina invocada no corpo das alegações confirmam este entendimento.

Impugnação do valor pelo qual foi preenchida a livrança (cobrança de juros acima do convencionado).

17. Também sobre esta questão entendeu a douta sentença que o embargante-avalista não podia invocar em sua defesa o preenchimento abusivo do valor da livrança, por não se encontrar em relação imediata com o portador da livrança.

18. Reproduz-se o alegado antecedentemente – participando o avalista no acordo de preenchimento da livrança bem como o portador do título (Banco 1..., S.A.) tem toda a legitimidade para discutir esta questão, que deve ser submetida a julgamento.

19. A douta sentença violou art.10º LUL.


*

Pela Exequente foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.

Dispensados que foram os vistos...

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