Acórdão nº 1039/20.5T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 29-09-2022

Data de Julgamento29 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão1039/20.5T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 1039/20.5T8PVZ.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – J 1

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida



Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
AA, NIF ..., divorciada, residente na Rua ..., ... Ditº., ... Póvoa de Varzim, propôs ação declarativa comum contra BB e cônjuge, CC, ambos residentes na Rua ..., ..., ... Vila do Conde, alegando, essencialmente, que, tendo celebrado com os RR. dois contratos-promessa de compra e venda, ambos são nulos, por preterição de certificação das assinaturas deles constantes e da existência de licença de construção e de utilização.
Ainda que assim não se entenda, os contratos são nulos, por reserva mental, porquanto o R. marido usou de dolo para enganar a A., assim também enriquecendo sem causa, à custa do empobrecimento dela, por terem recebido o respetivo preço (€250.000,00) e nunca o terem restituído. Acrescem agora os respetivos juros vencidos, no valor de €50.000,00, e vincendos.
A A. fez culminar o seu articulado com o seguinte pedido:
«Nestes termos e nos melhores, de direito, aplicáveis, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e serem declarados nulos os contratos promessa de compra e venda identificados nos artigos 1º e 2º deste articulado e em consequência, serem os réus condenados a pagarem à autora a quantia de 300.000,00€, mais os juros que se vencerem desde a citação até efetivo pagamento.
Mais devem ser condenados em custas e no mais que for de lei.»

Citados, os RR. contestaram a ação. Invocaram a exceção do caso julgado material entre os factos da ação e os que se discutiram numa outra ação que identificaram, negaram a existência de qualquer fundamento de nulidade que possa ser invocado pela A., e excecionaram ainda que esta age em abuso de direito, por ter ela incumprido definitivamente os contratos-promessa em causa já no ano de 2013.
A A. respondeu, mantendo, no essencial, a versão que apresentara no articulado inicial.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção do caso julgado, foi fixado o objeto do litígio, foram especificados factos assentes, sob as al.s a) a m) e foram delineados os temas de prova, tendo-se o tribunal pronunciado também sobre os meios de prova.
Designada audiência prévia a pedido dos RR. a fim de ali apresentarem reclamação do despacho saneador, teve ela lugar com apreciação e deferimento.
Teve lugar a audiência final, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, julga o Tribunal parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) declara a nulidade dos contratos-promessa celebrados entre a A. AA e os Rs. BB e CC, identificados em a) e d) da matéria de facto provada, por preterição das formalidades legais impostas pelo nº 3 art. 410º do C. Civil.
b) Como consequência da declaração da nulidade, condena os Rs. a restituir à A. a quantia que esta pagou de 250.000,00 euros (duzentos e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora civis, à taxa de 4% contabilizados desde a citação, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que seja introduzida a esta taxa de juro enquanto aquela restituição não se verificar.
c) Absolve os Rs. quanto ao pedido relativo a juros de mora vencidos à data da propositura da acção.
Custas pela A. e pelos Rs., na proporção do respectivo decaimento, sendo o decaimento destes quanto ao valor de 50.000,00 euros (art. 527º do C. P. Civil).»
*
Inconformados com aquela decisão os R.R. interpuseram apelação que foi admitida e em cujas alegações expressaram as seguintes CONCLUSÕES:
……………………………………….
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Defenderam a total improcedência da ação, com absolvição dos RR. do pedido e dispensa do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação dos RR., acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil.
Somos chamados a decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2. Nulidade do contrato por falta de certificação das assinaturas dos promitentes e da existência de licença de utilização ou construção das frações prometidas, e abuso de direito da A.;
3. Dispensa do remanescente da taxa de justiça.
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III.
São os seguintes os factos que o tribunal da 1ª instância julgou provados:[1]
Estava já assente que:
a) Com data de 30/08/2012, mas assinado em 04/09/2012 no escritório do R. marido, por documento escrito junto a fls. 8 cujo teor aqui se considera reproduzido, os Rs. declararam prometer vender à A., que por sua vez declarou prometer comprar, pelo preço de 85.000,00 euros, a fracção autónoma identificada pela letra N, tipo t1, 2º andar esquerdo, com uma garagem na cave, identificada pelo ..., com entrada pelo nº..., da travessa..., de um prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na CRP de Vila do Conde sob o nº..., Vila do Conde, inscrito na matriz predial no art. ... e titulado pelo alvará de utilização ....
b) Mais se estabeleceu que a outorga da escritura de compra e venda deveria ser realizada até 30/01/2013.
c) Mais se estabeleceu que os Rs. se comprometiam a devolver a totalidade do valor recebido caso a A. não concretizasse a venda do imóvel sito na Avenida ..., ..., Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... de Vila do Conde, prometido vender à Santa Casa da Misericórdia ... em contrato promessa de compra e venda por motivos alheios à R..
d) Com data de 30/08/2012, mas assinado em 04/09/2012 no escritório do R. marido, por documento escrito junto a fls. 8 verso cujo teor aqui se considera reproduzido, os Rs. declararam prometer vender à A., que por sua vez declarou prometer comprar, pelo preço de 165.000,00 euros, a fracção autónoma identificada pela letra P, tipo t3, 1º andar direito, da segunda entrada, de um prédio a instituir em regime de propriedade horizontal, com o processo camarário .../.., sito na Avenida ... em que a empresa que está a levar a efeito a construção é a “Empreendimentos Imobiliários ....
e) Mais se estabeleceu que a outorga da escritura de compra e venda deveria ser realizada no prazo de 15 dias após a emissão do alvará de utilização.
f) Mais se estabeleceu que os Rs. se comprometiam a devolver a totalidade do valor recebido caso a A. não concretizasse a venda do imóvel sito na Avenida ..., ..., Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... de Vila do Conde, prometido vender à Santa Casa da Misericórdia ... em contrato promessa de compra e venda por motivos alheios à R..
g) O R. requereu a notificação judicial avulsa da A. para comparecer no dia 25 de Setembro de 2013 para a celebração das respectivas escrituras públicas relativas aos acordos referidos.
h) A A. respondeu a esta notificação nos termos que constam da carta de fls. 16, datada de 23/09/2013, e cujo teor integral aqui se considera reproduzido e da qual consta:
(…) “O senhor convoca-me para uma escritura de compra e venda de duas fracções. No entanto, bem sabe que não pretendo fazer a escritura”.
(…) “Assim considero o negócio sem efeito, uma vez que não foi cumprido pela sua parte” (…)
i) A A. não compareceu no Cartório Notarial no dia 25/09/2013.
j) O R. marido respondeu à carta da A. de 23/09/2013 por carta de 16/10/2013 com o seguinte teor:
“Enviou-me uma carta em resposta à minha notificação judicial avulsa de 16/09/2013.
Como bem sabe, nada do que afirma na sua carta corresponde à verdade.
Os contratos são para se cumprir. A notificação judicial avulsa feita interpelou-a ao cumprimento dos mesmos, mas não compareceu, nem de qualquer modo justificou a sua ausência, pelo que foi lavrado competente certificado notarial de não comparência.
Na sequência da aludida notificação judicial avulsa, e nos seus exactos termos, considero definitivamente incumpridos, por sua culpa, os contratos-promessa em causa e, consequentemente meus os sinais prestados, faculdade que decorre do disposto no art. 442º, nº2, do Código Civil”.
k) Os acordos referidos em a) e d) não têm qualquer reconhecimento de assinaturas ou certificação notarial.
l) A A., alegando fazê-lo por si e pelos filhos menores DD e EE, bem como a filha maior FF, declararam prometer vender à S... de Vila do Conde, representada pelo provedor GG, que, por sua vez declarou prometer comprar, o imóvel descrito na CRP de Vila do Conde sob o nº ..., pelo preço de 550.000,00 euros, sendo entregue a título de sinal a quantia de 275.000,00 euros, nos termos que constam do documento de fls. 17, cujo teor aqui se considera reproduzido, estando datado de 04/09/2012.
m) O sinal pago pela Santa Casa à A. foi entregue em três cheques, de 85.000,00 euros, 165.000,00 euros e 25.000,00 euros.
n) Destes, os dois primeiros ficaram para o R., endossados pela A., e o terceiro para a A..
o) Em 02/08/2013, por escritura pública, a A. declarou dar em pagamento a terceiro a sua quota parte no imóvel referido em l).

Realizada a audiência, provou-se ainda que:
p) O R., previamente à assinatura do acordo referido em l), disse ser condição daquele acordo que o preço fosse pago em parte com a permuta de bens e em parte com dinheiro.
q) Os Rs. receberam, pelo endosso referido em n), a quantia de 250.000,00 euros do valor de 275.000,00 euros que a Santa Casa da Misericórdia ... entregou à A. a título de sinal pela celebração do acordo referido em l).
r) A A. assinou os acordos referidos estando sempre assessorada por advogado.
s) Os termos dos acordos assinados pelas partes foram discutidos com o seu advogado que contribuiu para a sua redacção final.
t) O alvará de autorização de utilização
...

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