Acórdão nº 10296/20.6T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-08

Ano2022
Número Acordão10296/20.6T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação
Processo n.º 10296/20.6T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Cível ... – Juiz ...
Recorrentes – AA e BB.
Recorrida – K..., Ld.ª
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues

I – K..., Ld.ª, com sede no …, intentou no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Cível ..., a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra AA e BB, pedindo que seja considerada válida e eficaz a denúncia do contrato de locação dos autos e serem os réus condenados a despejar o arrendado, entregando-o à autora como o receberam, livre de pessoas e bens.
Alegou para tanto e em síntese que é dona e legítima proprietária de um prédio urbano, composto por 24 casas destinadas à habitação, com área coberta de 1032 m2 e descoberta 1920 m2, descrito na C. R. Predial... sob o n.º ..... – freguesia de ..., por o ter adquirido em 3.07.2019. E por termo de transacção, celebrado em 29.05.2006, homologado por sentença entretanto transitada em julgado, na acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, em que foi autora a então proprietária do prédio, “S... SA”, e réus os agora também réus, que correu termos na ..., da extinta ... Vara Cível ..., sob o n.º …/...., e onde os réus reconheceram a autora nessa acção como legítima dona e proprietária da casa, identificada com o n.º.., do Bairro..., no … e esta, por sua vez, reconheceu os réus como legítimos arrendatários dessa mesma casa. Mais ficou estabelecido que o contrato de arrendamento que regularia a relação entre a proprietária da casa enquanto senhoria e os réus enquanto inquilinos, seria do tipo com termo certo, com início em 25.08.2005 e termo em 24.08.2010 e que esse prazo se renovaria automaticamente por períodos de 3 anos, enquanto nenhuma das partes procedesse à sua denúncia.
Este termo de transacção é o único contrato de arrendamento existente entre a autora e a ante proprietária do prédio e os réus.
A autora é a actual e única senhoria da referida casa .. dos autos e os réus os únicos e actuais arrendatários e após sucessivas actualizações, a renda mensal actual é de €275,00. Uma das renovações do arrendamento dos autos terminou em 25.08.2019 e através de carta enviada aos réus sob registo e com aviso de recepção, a ante proprietária do prédio dos autos opôs-se à renovação automática do referido contrato, reivindicando a devolução do arrendado dos autos livre e devoluto para o dia 25.08.2019. Tal carta foi enviada em 11.02.2019, respeitando o prazo de antecedência legal de aviso para a oposição à renovação automática da vigência contratual do arrendamento dos autos e os réus receberam a mesma em 13.02.2019. Depois de a receberem, os réus transmitiram verbalmente aos representantes da “S...” que se recusavam a sair e até hoje recusam-se a devolver a casa e continuam a ocupá-la.
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Pessoal e regularmente citados, os réus vieram contestar pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, alegaram que receberam a carta da denúncia, mas esta não teve em conta o teor do acordo de renovação do contrato de arrendamento, no qual se refere que deverão ser acordadas as condições de renovação desse contrato. Assim, o contrato passou a ser por tempo indeterminado. Pelo que a autora por carta datada de 15.06.2019, referiu a sua qualidade de senhoria e indicou IBAN para pagamento da renda; as rendas têm sido pagas.
Mais alegaram que existe um contrato de arrendamento por tempo indeterminado, quer por força do acordo de renovação do contrato de arrendamento de 11.04.2011, quer por via do reconhecimento posterior desse contrato de arrendamento demonstrado com a data de 15.07 e os recibos de renda.
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A autora respondeu invocando, em síntese, que à data do envio da carta o contrato encontrava-se em vigor; sendo que os réus não procederam à entrega do locado pelo que estão obrigados ao pagamento da renda até ao momento da restituição.
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Oportunamente procedeu-se à audiência de julgamento, após os que foi proferida sentença de onde consta: “Nesta confluência, julgando procedente a presente acção, decido condenar os réus no pedido, condenando-os a entregar o locado, livre de pessoas e bens.
Custas pelos réus.
Registe e notifique. (…)”.

Inconformados com a tal decisão, dela vieram os réus recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente.
Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
A. A matéria constante do ponto P da matéria de facto provada que se encontra incompleta “Os réus continuaram a pagar a renda de forma ininterrupta e pontual para o IBAN indicado na carta supra”.
Concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa.
B. Os documentos 2 e 3 a 7 juntos com a petição emitidos pela autora e não impugnados por esta e dos quais consta que dizem respeito.
C. O arrendamento relativo aos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2019 e referente à casa ... Tais documentos nos termos do artigo 374.º do C. Civil fazem prova plena, quer da sua emissão pela autora e remessa por esta aos réus, quer do seu conteúdo.
D. Do teor dos mesmos concluise que entre Agosto e Dezembro de 2019 existe um arrendamento relativo à casa .. da Rua ... no … e no qual os réus são os arrendatários e a autora a senhoria
E. Resulta ainda da acta de julgamento provado que os réus continuaram a pagar a renda da casa que ocupam de forma ininterrupta e pontual ate 23 de Abril de 2021, data em que ocorreu a audiência de julgamento.
F. O ponto P da matéria de facto devera passar a ter a seguinte redacção: “Os réus continuaram a pagar a renda pelo arrendamento referente à casa .. da Rua ... no ... de forma ininterrupta e pontual para o IBAN indicado na carta supra” (v. acta e 5 recibos juntos com a contestação).
G. Violou a douta sentença em crise o disposto no artigo 374.º e 236.º, ambos do C. Civil
H. A autora à data em que interpôs a acção (25.06.2020) recebia dos réus, pelo arrendamento da casa .. do prédio sito Bairro... no …, a renda mensal de €275,00.
I. E assim à data da interposição da acção os réus tinham e têm ainda posse de arrendatários sobre a habitação em causa.
J. Tal posse de arrendatário impede a procedência da presente acção com a consequente entrega da habitação livre de pessoas e coisas.
K. No entendimento sufragado pela sentença em crise que o contrato de arrendamento sub judice por força da oposição à sua renovação cessou.
L. Existe um contrato de arrendamento iniciado imediatamente a seguir á cessação do anterior.
M. Pois que a autora recebeu a renda pelo arrendamento da casa número .. do Bairro... como o declara expressamente nos 5 recibos juntos aos autos por si emitidos e remetidos aos réus.
N. Continuando a receber as rendas dos réus pelo arrendamento da casa n.º .. no Bairro... até este momento.
O. E a existência dos recibos juntos prova a existência do arrendamento posterior á oposição á renovação.
P. Os réus utilizam o locado, sem oposição do senhorio desde Agosto de 2019 pelo menos até á data da propositura da acção (25 de Junho de 2020) sempre na convicção que está suportada num arrendamento e,
Q. Entre Agosto de 2019 e Junho de 2020 decorreram mais de 9 meses com os réus a pagarem a renda pelo arrendamento ininterruptamente.
R. Provaram os réus a existência de um contrato de arrendamento que detêm referente à casa .. do Bairro... no ….
S. Pelo que têm título que legitima a ocupação da mesma e impede a procedência da pretensão da autora.
T. Violou a douta sentença em crise o disposto no artigo 1069.º do C Civil.
Mais ainda que assim não fosse e sem prescindir:
U. A autora reconheceu expressamente através dos recibos por si emitidos e entregue aos réus que estes pagam uma quantia pelo arrendamento da casa n.º.. do Bairro... no ….
V. Mais reconheceu que esse pagamento prosseguiu até á propositura da presente acção e se mantém até à presente data.
X. Gerou pois, a convicção nos réus que reconheciam a existência de um contrato de arrendamento referente à casa .. que tinham com os réus e posterior aquele arrendamento que puseram em causa nos autos.
Y. E que jamais invocariam a falta de contrato escrito para que com tal se reconhecesse a nulidade do mesmo com as devidas consequências.
Z. Pelo que entendimento contrário configura um manifesto abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium
AA. Violou a douta sentença em crise entre o mais o disposto nos artigos 1069.º e 334.º do C. Civil

A autora /apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.
II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
A. A autora é dona e legítima proprietária de um prédio urbano, composto por 24 casas destinadas à habitação, com área coberta de 1032 m2 e descoberta 1920 m2, descrito na C.R.Predial... sob o n.º ..... – freguesia de .... (cfr. certidão predial - doc. n.º 1; artigo 1.º da petição inicial – aceite).
B. A autora adquiriu este prédio em 3 de Julho de 2019. (cfr. cópia de Documento Particular Autenticado de Compra – doc. 2 e artigo 2.º da petição inicial – aceite).
C. Através de termo de transacção homologado por sentença, transitada em julgado, num processo judicial, em acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, em que foi autora a então proprietária do prédio, S... SA, e réus os agora também réus, que correu termos na ..., da extinta ... Vara Cível ... sob o n.º …/...., os réus reconheceram a autora nessa acção como legítima dona e proprietária da uma casa, identificada com o número .., do Bairro..., no ... e esta, por sua vez, reconheceu os réus como legítimos arrendatários dessa mesma casa. (cfr. cópia de transacção judicial – doc. 3 e artigo 10.º da petição inicial - aceite).
D. Nessa transacção, celebrada em 29 de Maio de 2006, ficou estabelecido
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