Acórdão nº 1018/21.5T8CVL-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 24-01-2023
Data de Julgamento | 24 Janeiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 1018/21.5T8CVL-A.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Apelação 1018/21.5T8CVL-A.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
Vítor Amaral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Na ação com processo comum movida por S..., S. A., contra AA, para reconhecimento da propriedade e posse da A. sobre duas metades indivisas de um prédio rústico e um prédio urbano, findos os articulados, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo fixou o valor da ação em € 7 578,24, “correspondente a metade do valor dos imóveis em dissídio” (sic).
Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal recorrido errou ao fixar o valor da ação em € 7 587,24, desde logo porque a decisão proferida não se mostra fundamentada, quer do ponto de vista dos factos, quer do ponto de vista do direito, uma vez que, não atendeu aos factos vertidos nos articulados apresentados pelas partes.
2ª - Tal decisão coarta o direito à justiça à recorrente, nomeadamente quanto a um grau de jurisdição, devidamente acautelado pela Ré na reconvenção.
3ª - Acresce que, o despacho que na presente via se põe em crise, viola o disposto no art.º 296º do Código de Processo Civil (CPC) na exata medida em que não respeita a utilidade económica imediata do pedido, enquanto princípio geral a atender na fixação do valor da causa.
4ª - Só no caso de discordância do Tribunal com o valor atribuído à ação pelas partes deveria o despacho a que se responde ter fundamentado adequadamente essa discordância - cf. art.º 308º CPC.
Remata dizendo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que mantenha o valor atribuído, pelas partes, à ação.
Não houve resposta.
A única questão a decidir prende-se com a determinação do valor da causa.
*
II. 1. Releva a seguinte factualidade:
1) Nos presentes autos, veio a A. pedir:
«a) Ser reconhecida a propriedade e posse da Autora sobre os seguintes prédios:
- metade indivisa[1] do prédio urbano, destinado a habitação, sito no local de ..., na União de Freguesias ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...72 (...), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57 da freguesia ...;
- metade indivisa do prédio rústico destinado a cultura arvense de regadio, com a área de 11 880 m2, sito em ..., na União de Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...74 (...);
b) Reconhecer que a propriedade sobre tais bens adveio da escritura pública denominada de “Alienação de Quinhão Hereditário”.
c) Reconhecer que há mais de trinta e cinco anos, de forma pública, pacífica, reiterada, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém que a Autora exerce actos de posse sobre os dois referidos imóveis, pelo que, se outro título não tivesse, também a propriedade da Autora deve ser reconhecida por usucapião, nos termos do disposto nos artigos 1260º e segs e 1287º do C. Civil;
d) Condenar a Ré a respeitar a propriedade da Autora; (...)»
2) Alegou, em síntese, que adquiriu a metade indivisa da propriedade dos mencionados prédios mediante contrato de aquisição do “quinhão hereditário” de BB (após partilha verbal da herança aberta por óbito do mesmo) (cf. doc. n.º 14 e doc. n.º 15 juntos com a petição inicial/p. i.[2]) e, ainda, que sempre a terá adquirido por usucapião (nomeadamente, entre outros atos, “explorando o prédio rústico, para extração de minério”)[3].
3) A Ré, em reconvenção, pediu que a A. seja condenada:
«a) A reconhecer que a R. é dona e legítima possuidora dos imóveis: urbano inscrito sob o art.º ...72, e rústico inscrito sob o art.º ...74 ambos da União de Freguesias ... e ..., por os ter herdado de seus pais, e a apreensão material a seu favor se ter operado há mais de 20 e 30 anos;
b) Reconhecer que a R. adquiriu o direito de propriedade e a posse sobre os identificados imóveis, por usucapião; e
c) a não perturbar a R. no exercício do seu direito de propriedade e na posse.»
4) Invocou, designadamente, que a A. não é titular de “qualquer direito real sobre [os] imóveis” (em causa), que houve renúncia ao “direito sobre o quinhão hereditário” (restituído à Ré, sem qualquer contrapartida) e que as obras/benfeitorias que a Ré tem vindo a fazer nos mesmos imóveis (art.º urbano ...72 e art.º rústico ...74), descritas de 39º a 62º da contestação, são de valor superior a € 28 000 (vinte e oito mil euros).
5) Na réplica, a A. concluiu pela improcedência da matéria de exceção e da reconvenção e como na p. i..
6) A A. fixou à ação o valor de € 30 001; a Ré atribuiu à reconvenção o valor de € 29 500.
7) Por despacho de 27.9.2022, a Mm.ª Juíza do tribunal a quo admitiu a reconvenção por considerar que «a Ré pretende obter, com os pedidos reconvencionais, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a Autora se propõe obter».
8) No mesmo despacho, sob a epígrafe “valor da causa”, decidiu: «Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 306º, do Código de Processo Civil, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, devendo tal fixação realizar-se no despacho saneador, conforme decorre da previsão vertida no n.º 2, do mesmo artigo. / Ora, considerando a natureza e o valor dos pedidos formulados nos autos e ao abrigo do preceituado nos artigos 296º, n.º 1, 297º e 302º, n.º 1 Código de Processo Civil, fixa-se o valor da ação em 7 578,24EUR (15 156,48EUR:2), correspondente a metade do valor dos imóveis em dissídio.»
9) Em sede de Audiência Prévia, realizada a 27.9.2022, a Ré admitiu haver adquirido os “quinhões hereditários” da herança aberta de seu pai BB[4] e de CC, à exceção do herdeiro DD.
Então, ponderou e concluiu a Mm.ª Juíza que «a presente ação deveria ser intentada contra todos os herdeiros da herança, neste caso a Autora[5] e DD – já que quanto aos demais a Autora terá adquirido os correspondentes quinhões hereditários (cf. artigo 2091º, n.º 1, do Código Civil)»; a A. foi convidada a «no prazo de 15 (quinze) dias, querendo suprir a exceção de ilegitimidade [passiva] acima mencionada, mormente requerendo a intervenção principal de DD».
10) Em avaliação datada de 28.10.2008, foi atribuído ao referido prédio urbano (art.º matricial 872; área do terreno e de implantação do edifício de 136,35 m2 e área bruta de construção de 242,9 m2) o valor patrimonial de € 13 023,22.[6]
11) Em avaliação realizada em 1996, foi atribuído ao referido prédio rústico (art.º matricial 374, com a área de 11880 m2, destinado a cultura arvense de regadio) o valor patrimonial de € 2 133,26.[7]
12) Por escritura pública de compra e venda de 01.7.2011, a Ré declarou comprar a EE e FF (GG), pelo preço de € 10 000 (dez mil euros), um quarto indiviso do mencionado prédio urbano (então, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...16).[8]
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido (art.º 296º, n.º 1 do CPC[9]). Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (n.º 2).
Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício (art.º 297º, n.º 1). Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (1ª parte do n.º 2).
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal (art.º 299º, n.º 1). O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530º (n.º 2).[10] O aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção (n.º 3).
Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa (art.º 302º, n.º 1. Tratando-se de outro direito real, atende-se ao seu conteúdo e duração provável (n.º 4).
No articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor (art.º 305º, n.º 1). A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor (n.º 4).
Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes (art.º 306º, n.º 1). O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do art.º 299º e naqueles em que não haja lugar a despacho...
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