Acórdão nº 1014/23.8 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão1014/23.8 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em sessão do Tribunal Central Administrativo Sul:

L. X., P. Y., L. e X. L., devidamente identificados como requerentes nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 29.5.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou inobservado o requisito da indispensabilidade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, do CPTA, e, em consequência, absolveu o MAI da presente instância.
Nas respectivas alegações, os Recorrentes formularam as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. No despacho liminar, a que alude o artigo 110.º do CPTA, o juiz verifica se é de admitir a petição inicial ou não - por ser manifesta a sua improcedência ou, ocorrer de forma evidente excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer, nos termos do nº 1 do artigo 690º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
B. Por decisão proferida a 30 de março de 2023, foi a intimação admitida liminarmente, ordenando-se a citação da requerida para, querendo, responder, no prazo de 7 dias (cf. art. 110.º, n.º 1 do CPTA).
C. Ao ter concluído pela inexistência de obstáculo a que o processo fosse tramitado como intimação, já não seria possível, na fase de decisão, rejeitar a petição, declarar a verificação da exceção dilatória inominada da indispensabilidade do meio processual, ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir a decisão de mérito.
D. Uma vez que a decisão liminar, de admissão da petição, tendo decidido definitivamente uma questão processual, que não foi impugnada, transitada em julgado, não pode ser modificada por decisão posterior, e, caso suceda, deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão.
E. Donde, a sentença recorrida ao ter julgado inobservado o requisito da indispensabilidade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, após a prolação do despacho de admissão liminar, violou o[sic] as normas ínsitas nos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, ambos do CPTA, conjugados com o artigo 620.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.»
Requerendo,
«Termos em que rogam a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos ao tribunal recorrido para prolação de decisão de mérito».

Notificado para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelos Recorrentes, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida ao ter julgado inobservado o requisito da indispensabilidade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, após a prolação do despacho de admissão liminar, incorreu em erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 109º, nº 1, e 110º, nº 1, do CPTA, conjugados com o artigo 620º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos, pertinentes para a decisão da causa:

«1. Os Requerentes não residem em Portugal (facto confessado, cf. intróito do douto r.i. deduzido).

2. Em data que não foi possível apurar com total exactidão mas que é seguramente anterior a 25.03.2021, o 1.º Requerente apresentou o seu pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento em território nacional junto do SEF (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 29 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. Em data que não foi possível apurar com total exactidão mas que é seguramente anterior a 25.03.2021, os 2.º, 3.º e 4.º Requerentes apresentaram os seus pedidos de reagrupamento familiar junto do SEF (cf. cópias das mensagens electrónicas juntas a fls. 30-32 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

4. Em 29.03.2023, os Requerente apresentaram a juízo o requerimento inicial dos presentes autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (cf. comprovativo de entrega da petição junta a fls. 1-5 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

5. Em 30.03.2023, foi proferido despacho, admitindo liminarmente a intimação a que se alude no ponto anterior e determinando a citação do Requerido (cf. despacho junto a fls. 81 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.»

Da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«(…), o objecto do litígio consiste, em suma, em determinar se os pressupostos processuais para a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias se encontram observados (bem como, instrumentalmente, aferir se o conhecimento desta questão pode ter lugar nesta fase processual) e, em caso de resposta positiva a tal questão, aferir se os Requerentes têm ou não o direito a que lhes sejam indicadas 3 datas alternativas pelo Requerido, sendo estas as questões que ao Tribunal cumpre decidir in casu.
(…)
De acordo com o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
Tal como é reconhecido, de forma consensual, pela jurisprudência e doutrina:
Os pressupostos do pedido de intimação são os seguintes:
- a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
- que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de um acção administrativa normal, seja comum ou especial” (neste sentido, vide, a título exemplificativo, o aresto prolatado pelo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, em 18.11.2004, no âmbito do processo n.º 0978/04).
Conforme, a este respeito, é expendido por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, de forma particularmente impressiva, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4.ª edição, páginas 882 e 883:
Trata-se […] de um processo dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. O n.º 1 faz depender a concessão da intimação do preenchimento de requisitos formulados em termos intencionalmente restritivos e o primeiro deles diz respeito à qualificação das situações jurídicas que são passíveis...

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