Acórdão nº 1012/22.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-10-20

Ano2022
Número Acordão1012/22.9BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

T………………intentou no TAC de Lisboa o presente processo cautelar contra o Município de Lisboa e a GEBALIS - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, EM, SA (Gebalis), no qual peticionou a notificação/intimação da “Câmara Municipal de Lisboa e [d]a GEBALIS para se absterem, sob pena de incorrerem no crime de desobediência e de por qualquer forma criarem obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente, grávida de 6 meses e o companheiro tal como Doc. 1 e 2 já juntos, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva) da casa sita no Largo da ……………., Porta ., 4º Esqº, ……… Lisboa, até que lhe seja atribuída uma nova habitação ou fixada uma renda para a atual morada de família”, além de solicitar o decretamento provisório da providência.

Por decisão de 26 de Abril de 2022 do referido Tribunal foi rejeitado liminarmente o requerimento inicial.

Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
A Recorrente encontra-se a habitar na atual habitação desde 2019 por não ter outro sitio para onde ir e há vários anos que a Recorrente aguarda pela, para atribuição de uma casa social mas da Recorrida nunca recebeu qualquer resposta.
A Recorrente, grávida de 6 meses e o seu companheiro tal como Doc. 1 e 2 já juntos não dispõem de qualquer outra habitação
Têm assistido a entregas de chaves a pessoas que não concorreram tal como sucedeu recentemente que um seu conhecido que tendo aceite a casa atribuída por concurso viu a mesma ser-lhe retirada e ocupada (foi entregue sem concurso pelo Presidente da CML) ao que consta por uma distinta senhora que não concorreu e que lhe ficou com a casa por alegadamente ser mulher de um policia municipal.
Por terem sido despejados da antiga habitação e para salvaguardar a saúde da Recorrente, esta viu-se obrigada a encontrar uma solução rápida, e não tendo outra alternativa foi obrigada a encontrar um abrigo na sua atual habitação sem terem capacidade financeira para o arrendamento do mercado livre e a habitação social tem vindo a ser-lhe negada e prejudicarem mais ninguém pois a casa estava devoluta há dois anos, ali permanecem até que os serviços da Recorrida encontrem alguma alternativa. Neste contexto, com a Recorrente e o companheiro desesperados e em puro estado de necessidade, não teve outro remédio senão entrar numa casa que se encontrava abandonada e com a porta aberta.
A Recorrente já tentou que a Recorrida a recebesse para assinar um contrato de arrendamento com uma renda apoiada e de acordo com os rendimentos do agregado familiar mas sempre sem sucesso.
Desde há vários anos atras que a Recorrente tem feito tudo para que junto da Recorrida lhe fosse regularizada a situação visto que pretendia pagar a renda e naturalmente ter recibos na sua posse.
Temendo pela dignidade e integridade da vida da Recorrente e temem pelo eminente despejo tal como outros exemplos da sua família e amigos que foram despejados pelo que logo temeu a iminente entrada daqueles na sua habitação.
Recorde-se que a casa corresponde à residência da Recorrente, grávida de 6 meses, e do companheiro não dispõem de qualquer outra habitação.
A Recorrente apenas aufere o RSI aufere não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
10º
A Recorrente, ao concorrer durante estes anos consecutivos e por estar em situação de desespero por ter não ter outro sitio onde viver, adquiriu a legitima expectativa de ter acesso a uma habitação social pois que está demonstrado que carece da mesma.
11º
A Recorrente não tem qualquer rendimento e apenas tem condições para pagar uma renda de 4 ou 5 euros, o que só é possível numa habitação social.
12º
Com base em estado necessidade o garantir a segurança, a saúde, e até o direito à vida da Recorrente e da bebé com dois anos de idade, faz com que se verifiquem os requisitos objectivos e subjectivos do estado de necessidade não apenas desculpante, mas verdadeiramente dirimente da responsabilidade criminal.
13º
Acresce ainda que tal como resulta do Acórdão do TCAS nº 383/19.9BELSB, estando demonstrada a efectiva carência habitacional tal como a Recorrente alega, a entidade Requerida GEBALIS enquanto entidade de gestora de um parque de habitação social esta obrigada, quando confrontada com o requerimento da providência a averiguar a existência de efectiva carência habitacional e sendo a mesma evidente, deverá ser emitido juízo de prognose favorável por parte do Tribunal se a GEBALIS cumprir a obrigação legal imposta pela lei 32/2016 de 24 do 8, facilmente concluirá que o Recorrente afinal tem direito à atribuição de uma habitação social atenta a fragilidade da sua situação económica sob a forma de atribuição em emergência social.
14º
Em suma, a pretensão da Recorrente com base no estado de necessidade e na situação de emergência social tem direito a que seja previamente ouvida a Recorrida á qual tem a obrigação não apenas de informar mas sobretudo de acompanhar e comunicar ao tribunal se afinal a Recorrente tem ou não carência habitacional em situação de urgência e só depois, eventualmente apos a inquirição das testemunhas se pode concluir pela legalidade ou não do recurso à providência cautelar de abstenção, a qual nos termos legais deveria merecer um despacho judicial no prazo de 48 horas de deferimento relegando-se para a fase posterior à oposição a apreciação do mérito da providência.
15º
Assim, por se afigurar que a Recorrente tem direito ao deferimento provisório da providência e que o momento oportuno para se conhecer da legalidade ou não da pretensão só tem lugar após a apresentação da oposição por parte da entidade requerida, se Requer a Vexa. se digne deferir provisoriamente a mesma.
16ª
Se a Recorrida não se dignar fixar o valor da renda à Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afectada, nomeadamente a vida e o bem esta da filha da Recorrente, grávida de 6 meses, tal como Doc. 1 e 2 já junto.
17ª
Para mais o argumento plasmado pelo Tribunal de 1ª instância no que consta à obrigatoriedade de ter de ser a Requerente ora Recorrente ter de esperar por uma notificação/ordem de despejo da Requerida ora Recorrida para depois sim reagir a esta notificação, tendo em conta a prática comum deste tipo de procedimento, constata-se que estas despejam verbalmente como já fizeram a semana passada vários fogos sem para isso notificar ninguém apenas aparecendo de surpresa com carga policial e colocando os agregados a dormir na rua! Se a Recorrente, grávida de 6 meses, aguardasse estaria sujeita que a qualquer altura ser despejada sem qualquer notificação, pois essa não é a prática normal por já ter a Recorrente constatado isso nos casos da sua vizinhança! Temendo a Requerente ora Recorrente da mesma situação e por ter intenção, como já tem vindo a ter desde 2019 de regularização da situação, passando assim a pagar uma renda à Recorrida, contudo os esforços da Recorrente foram infrutíferos.
18ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
19ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da Recorrida no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
20ª
Efectivamente, ao abrigo da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do artº 28ºnº 6 que os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. Trata-se uma disposição naturalmente imperativa.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser admitido, com efeito suspensivo automático, julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e decretando-se a serem notificadas/intimadas a CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA e a GEBALIS - GESTÃO DO ARRENDAMENTO DA HABITAÇÃO MUNICIPAL DE LISBOA, E.M., S.A para se absterem, sob pena de incorrer no crime de desobediência e de por qualquer forma criarem obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Recorrente, grávida de 6 meses, e o companheiro tal como Doc. 1 e 2 já juntos, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva) da casa sita no Largo da …………………., Porta .., 4º Esqº, ………….. Lisboa até que lhe seja atribuída uma nova habitação ou fixada uma renda para a atual morada de família; Condenando-se as Recorridas em custas e condigna Procuradoria.se fará Justiça!
Como É de JUSTIÇA!».

Citadas as entidades requeridas quer para os termos do recurso quer para os da causa, a Gebalis contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste TCA Sul notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:
«A) Desde 2019 que a Requerente, grávida de 6 meses e o seu agregado familiar (composto por si e o seu companheiro, respetivamente) passaram a ocupar o fogo municipal sito no Largo da ……………………, Porta …., 4.º Esq.º, …….. Lisboa – confissão, cfr. intróito e artigos 1. ° e 2.º, todos do requerimento cautelar);
B) A...

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