Acórdão nº 101/23.7BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão101/23.7BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Município de Setúbal, entidade requerida nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurados por S… S.A., inconformado, e o Ministério Público, em defesa da legalidade, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida em 19.4.2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que decidiu julgar procedente a presente intimação e consequentemente determinou a passagem da certidão requerida no prazo de 15 dias.
Nas respectivas alegações, o recorrente Município de Setúbal formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1.ª – Os pressupostos de acesso ao direito de informação constantes dos artigos 82.º e 84.º do CPA, e aos dados requeridos pela Recorrida não se encontram preenchidos, ao contrário do entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, que assim incorreu em manifesto erro de julgamento.
2.ª – A certidão requerida pela Recorrida carece de base legal por não integrar o objeto legalmente determinado das certidões a emitir pela Administração Pública, nos termos do artigo 84.º, n.º 1 do CPA.
3.ª – Não constitui dever do Recorrente, no âmbito do direito à informação, a criação de novos documentos para satisfazer as pretensões da Recorrida (cf. artigo 13.º, n.º 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto), o que exigia a Recorrida no caso em apreço.
4.º - A intenção da Recorrida manifesta-se desproporcional na medida em que o exercício dos direitos com que fundamenta a sua pretensão não dependem, em qualquer medida, da passagem da certidão requerida.
5.ª – Dada a qualificação do documento solicitado pela Recorrida como nominativo e a patente desproporcionalidade da sua pretensão, nunca se poderia considerar legítimo o seu acesso às informações solicitadas.
6.ª – Nos termos do Regime Geral da Proteção de Dados e da Lei de Proteção de Dados Pessoais, o Recorrente nunca poderia tratar dados pessoais dos seus funcionários para os efeitos pretendidos pela Recorrida.
7.ª – Face ao acima exposto, é evidente que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar procedente a intimação requerida pela Recorrida, motivo pelo qual deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida.». Nas respectivas alegações, o recorrente Ministério Público formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. A douta sentença, julgando procedente a Intimação, ordenou ao Município a passagem da certidão requerida, com a identificação completa – nome e domicílio - de todos os titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos, designadamente dos departamentos de urbanismo e jurídico, que participaram e executaram a Resolução Fundamentada do Município do processo 845/22.0BEALM, com fundamento no direito da Requerente de propor ações de responsabilidade civil e penal.
B. Fazendo-o, a douta sentença errou, em primeiro lugar, na aplicação do Direito posto que, por duas vezes, fundamenta o decidido com um diploma revogado, a Lei n.º 46/2007, de 24.08.
C. Em segundo lugar, à luz do acesso à informação não procedimental, errou por entender que toda a informação é devida ao privado, mal compreendo, a essa luz, a factualidade em causa e a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, alterada pela Lei n.º 58/2019, pela Lei n.º 33/2020 e pela Lei n.º 68/2021, de 26 de agosto, que a republica e que foi retificada pela Declaração de retificação n.º 31/2021, de 20 de setembro.
D. A Lei n.º 26/2016 prevê o acesso a documentos administrativos existentes, mediante consulta, reprodução ou certidão. Não obriga a entidade pública a agregar, desagregar, tratar, pesquisar informação relativa à sua actividade para a verter num documento, numa lista, numa certidão, em satisfação do interesse do privado.
E. Considerando os termos do pedido - a Resolução Fundamentada do Município na providência cautelar n.º 845/23 - regras elementares de experiência e natureza das coisas levam a julgar que a mobilização das pessoas cujos nomes e domicílios se pedem ocorreu em razão do regular funcionamento e organização do serviço municipal, de relações laborais previamente constituídas ou de contratação de serviços externos previamente celebrados, e não em resultado de um documento ou documentos existentes no Município, que listem nomes e domicílios em razão de uma Resolução Fundamentada e ao qual ou aos quais seja legítimo o acesso.
F. Portanto, no caso concreto, considerando os factos e o Direito, e ao contrário do decidido, não é devida a informação pretendida, não é devida a criação de documento nem a adaptação ou segmentação do que inexiste, não sendo devida a passagem de qualquer certidão, e o Tribunal erra na aplicação do art.º 5º e 13º n.º 6º da Lei n.º 26/2016.
G. Em terceiro lugar, ainda que assim não fosse, a Requerente pede uma lista com dados pessoais de trabalhadores, à luz e para os efeitos do 3º n.º 1 b), do art.º 6º n.º 5 da Lei n.º 26/2016, a conjugar com o Regulamento Geral dos Dados Pessoais (Regulamento UE2016/679) e com a Lei n.º 58/2019, alegando direito ao exercício de ação e então cabe ponderar direitos e princípios de matriz constitucional.
H. De um lado, o Município só pode tratar dados pessoais dos trabalhares com a finalidade de organizar o serviço ou a relação laboral, conforme se extrai do art.º 6º n.º 1 b) do RGPD, e do art.º 28º da Lei n.º 58/2019. A finalidade do tratamento de dados pessoais não pode ser desviada, como prescreve o art.º 5º do RGPD. Ainda, face à Constituição, ao Código do Trabalho e à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, os trabalhadores devem ser protegidos, no sentido em que lhes deve ser propiciado um ambiente de trabalho digno, livre de constrangimentos e desestabilização.
I. De outro lado, considerando a pretensão de Requerente, o direito constitucional a propor ações para exercício da responsabilidade civil ou penal não fica diminuído pelo desconhecimento dos nomes e domicílios pretendidos, bastando demandar o Município, nos termos do art.º 7º do Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e ou apresentar denúncia ao Ministério Público pelos factos que entende criminalmente ilícitos.
J. Também por estas razões, de facto e de Direito, a decisão errou na aplicação ao caso da norma do art.º 6º n.º 5 b9[sic] da Lei n.º...

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