Acórdão nº 1009/21.6 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão1009/21.6 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
A. C., devidamente identificado como Requerente nos autos de outros processos cautelares, instaurados contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 5.12.2021 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que, antecipando o juízo da causa principal da acção administrativa tramitada sob o nº 1424/21.5BELSB, julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu a Entidade demandada dos pedidos .
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A) O Recorrente é Guarda de Cavalaria e exercia funções na Companhia de Comando e Serviços da Secretaria-Geral da Guarda Nacional Republicana, encontrando-se atualmente separado de serviço.
B) No âmbito do Processo n.º 569/13.0GDALM, do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, foi emitido o Ofício n.º 13107791 nos termos do qual o Núcleo de Apoio ao JIC deu conta ao Comandante Geral da Guarda da entrada do Recorrente no Estabelecimento Prisional Militar de Tomar, para cumprimento da medida de coação de prisão preventiva que lhe havia sido aplicada, por estar indiciado da prática, em coautoria material, de 5 (cinco) crimes de roubo.
C) Nessa sequência, em 16/07/2014, o Chefe da Secretaria-Geral da Guarda proferiu Despacho, que determinou a instauração do Processo Disciplinar n.º PD467/14CG/SGG ao Recorrente.
D) Em 01/08/2014, o Chefe da Secretaria-Geral da Guarda proferiu Despacho, sob proposta do Instrutor, nos termos o qual determinou a suspensão do processo disciplinar até ao levantamento do segredo de justiça a que estava sujeito o processo-crime supra identificado.
E) Só a 17/09/2018 é que o Instrutor deu por encerrada a fase de instrução e elaborou Acusação.
F) Após realização de algumas das diligências probatórias requeridas pelo Recorrente na defesa que apresentou, e na qual também arguiu a nulidade da acusação, foi elaborado pelo Instrutor, em 06/12/2018, Relatório Final.
G) Em 04/01/2019, o Chefe da Secretaria-Geral da Guarda proferiu Despacho que determinou a anulação da Nota de Acusação e do Relatório Final, com fundamento em nulidades insanáveis, tendo nomeado novo Instrutor, a quem incumbiu de proceder à reformulação da Acusação.
H) Só em 25/01/2019 é que o Instrutor deduziu nova Acusação, tendo o Recorrente apresentado, novamente, Defesa, na qual, mais uma vez, arguiu, entre outros vícios, a nulidade da reformulação da acusação.
I) Findas as diligências de prova, só em 14/09/2020, é que foi elaborado Relatório Final, o qual foi, por determinação superior, reformulado em 28/10/2020.
J) Após parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina e do Comandante-Geral da GNR de 24/11/2020, o processo foi remetido ao Ministro de Administração Interna (MAI), para decisão.
K) Por Despacho, datado de 12/05/2021, o MAI decidiu aplicar ao Recorrente a pena disciplinar de separação de serviço.
L) Inconformado, o Recorrente instaurou o presente procedimento cautelar, bem como a ação de impugnação daquela decisão.
M) Por Sentença proferida nos presentes autos ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPTA, o Tribunal a quo julgou ambas as ações totalmente improcedentes, absolvendo a Recorrida dos pedidos.
N) É com o teor desta Sentença que o Recorrente não se conforma, não só por considerar que subsistem nos presentes autos vícios geradores de nulidade processual, os quais deveriam ter sido tomados em devida consideração pelo Tribunal a quo, por serem suscetíveis de inquinar todo o processado, como também, porque o Tribunal fez uma errada apreciação e valoração dos factos e da prova.
O) Com efeito, estabelece o artigo 94.º, n.º 3 do CPTA, que «[n]a exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes» – negrito e sublinhado nossos.
P) Salvo o devido respeito, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não indica os meios de prova concretamente utilizados nem as razões pelas quais se atribuiu valor probatório aos mesmos, assim como não dá conta dos fundamentos, de facto, e de direito, que conduziram à decisão de improcedência das ações, tendo-se limitado a remeter para os articulados apresentados pelas partes e para os documentos juntos ao processo disciplinar, que reproduziu.
Q) Por outro lado, a fundamentação utilizada assenta em argumentos incompreensíveis e sem qualquer sustentação jurídica.
R) Veja-se, por exemplo, quanto à prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar invocada na petição inicial, que o Tribunal a quo limita-se a referir que o Recorrente incorre em erro ao considerar que a falta da sua constituição como arguido determinaria o regresso do procedimento disciplinar ao seu início, sem, contudo, avançar com uma justificação para este entendimento.
S) O mesmo sucede com a questão da nulidade da decisão de reformulação da primeira acusação e dos atos subsequentes, uma vez que o Tribunal a quo, sem fundamentar, entende não ser aplicável (?) ao procedimento disciplinar o artigo 32.º, n.º 5, da CRP. Ou seja, o Tribunal limitou-se a discordar dos argumentos do Recorrente quanto a esta matéria.
T) Ainda quanto a esta questão, o Tribunal a quo refere-se a «normas aplicáveis» e à «pacífica aceitação jurisprudencial» para fundamentar a possibilidade de retoma do procedimento disciplinar caso este venha a ser judicialmente anulado por vício de forma ou procedimental. Porém, no caso não ocorreu qualquer anulação judicial do PD, sendo que, por outro lado, o Tribunal a quo não concretizou quais as normas que, no seu douto entendimento, são efetivamente aplicáveis, nem procedeu, por maioria de razão, a uma interpretação dessas mesmas normas.
U) Neste contexto, a Sentença recorrida resume-se a meras conclusões, vagas e genéricas, o que tornam a decisão num abstrato discurso de opinião pessoal, o que impossibilita ao Recorrente aferir sobre qual o raciocínio jurídico-dedutivo trilhado pelo Tribunal a quo para ter chegado a uma determinada decisão, e não a qualquer outra.
V) Pelo que, não tendo o Tribunal a quo procedido a uma análise crítica da prova e a uma correta indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, como se lhe impunha, proferiu uma Sentença nula, por falta de fundamentação – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do C. P. C., aplicável por força do que dispõe o artigo 1.º do CPTA.
Sem conceder, mas à cautela,
W) A Sentença recorrida contém erros e contradições entre a matéria dada como provada e a decisão, uma vez que, embora considere provados grande parte dos vícios invocados pelo Recorrente, daí não retira as devidas consequências jurídicas, procedendo, assim, a uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
X) De facto, o Recorrente nunca foi constituído como arguido no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, o que resulta dos factos provados, e é expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo.
Y) Porém, ao contrário do que resulta das normas juridicamente aplicáveis, o Tribunal a quo decidiu que a omissão de tal constituição como arguido não tem qualquer efeito invalidante do procedimento disciplinar, uma vez que que foram cumpridas as formalidades necessárias para dar a conhecer ao recorrente que contra ele foi instaurado um processo disciplinar no qual, necessariamente tem a qualidade de arguido.
Z) Ou seja: o Tribunal a quo admite que tenha ocorrido uma violação ao disposto no artigo 93.º, n.º 3, do RDGNR, mas faz improceder o pedido por considerar que «[…] não tendo o Autor sido ouvido ou prestado declarações, não assume qualquer relevância a eventual falta de “aviso” sobre o não ser obrigado a responder sobre os factos que lhe são imputados».
AA) Mais referindo, pasme-se, que incumbia ao Recorrente explicar o que considera ser, exatamente, a constituição como arguido.
BB) Com o devido respeito, é absolutamente risível que uma autoridade judiciária faça recair sobre o Recorrente o ónus de explicitar no que consiste a sua constituição como arguido, sendo a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo é, neste aspeto, bastante confusa, contraditória e desprovida de razão e de sentido.
CC) Porquanto, apesar de dar como provada a falta de constituição do Recorrente como arguido no âmbito do PD o Tribunal a quo conclui em sentido totalmente oposto, entendendo que a entidade Recorrida cumpriu com todas as formalidades necessárias, o que é manifestamente contraditório e desprovido de sentido lógico/jurídico, pois que, se a entidade Recorrida cumpriu com todas as formalidades, então não faz sentido reconhecer, como fez o Tribunal, pela verificação daqueles vícios.
DD) Nem se afigura possível tal conclusão, porquanto a constituição como arguido, e a advertência (não meros “avisos”, cfr. palavras do Tribunal a quo) prevista no n.º 3, do artigo 93.º, do RDGNR, são formalidades absolutamente essenciais e, por isso, obrigatórias.
EE) Por outro lado, a constituição como arguido não opera automaticamente com a mera instauração do procedimento disciplinar, nem com a audição do visado, não sendo correto afirmar-se que com a instauração de um processo disciplinar ao Recorrente, o mesmo tinha, necessariamente, a qualidade de arguido.
FF) Também não é correto afirmar, como faz o Tribunal, que resulta demonstrado que foram cumpridas as formalidades necessárias a dar conhecer ao Recorrente de que contra ele foi instaurado um processo disciplinar, pois nada foi referido sobre o efetivo visado nesse processo.
GG) A constituição de arguido e a advertência de que o mesmo pode remeter-se ao silêncio, constituem não só deveres da autoridade com competência disciplinar, como verdadeiras...

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