Acórdão nº 10035/21.4T8LSB-B.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão10035/21.4T8LSB-B.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
AS, intentou ação de atribuição da casa de morada de família contra AMS pedindo que lhe seja atribuída a casa de morada de família, com transmissão do contrato de arrendamento.
Foi proferida sentença que homologou o acordo das partes quanto à atribuição da casa de morada de família.
Inconformada, veio a requerente apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
1). Ouvido o menor em sede de regulação das responsabilidades parentais, decidiu o Tribunal que o menor ficaria à guarda da mãe, porque a conversa revelara episódios de violência a que o menor assistira e que o levaram a dizer que embora gostasse do pai não queria dormir em casa deste;
2). Também em sede de responsabilidades parentais o Tribunal que uma pensão de alimentos de 150,00€ era o adequando atendendo a que o progenitor aufere (declarados) como taxista 650,00€, e a progenitora, como empregada de limpeza, a quantia de 300,00€.
3). Mais considerou o Tribunal que esta quantia era a adequada porque o progenitor se ficasse sem a casa de morada de família teria de arranjar uma outra;
4). Porém, uma vez chegados à conferência sobre a atribuição da casa de família, e já na ausência da Senhora Magistrada do Ministério Publico, mercê da intervenção da mandatária do progenitor que o Tribunal entendeu por boas, sem qualquer indagação oficial junto da CML ou da GEBALIS as declarações daquela segundo as quais a Recorrente tinha melhores condições para obter uma nova casa junto da GEBALIS.
5). Exatamente com o argumento de que a Recorrente com dois filhos e com 300,00€ fixos de rendimento teria mais facilidade do que o Requerido.
6). Porém, segundo informação colhida junto da GEBALIS, esta entidade apenas gere os imóveis que são atribuídos por concurso junta da Câmara Municipal, os quais são incertos, e que para o concurso é necessário que os candidatos tenham pelo menos um rendimento de 7.000,00€.
7). Ora quem tem um rendimento anual de 7000,00€ euros é o Recorrido, porque a Recorrente aufere certos 300,00€ como empregada de limpeza.
8). Segundo a GEBALIS ali só tratam da transmissão dos contratos por divórcio não da atribuição de novas casas pelo que as Técnicas ficaram muito surpreendidas com a insólita decisão.
9). Acresce que o argumento de que o contrato estava em nome do Recorrido (mas constando o agregado familiar), como resulta da lei, não obsta que se transmita pelo divorcio.
10). Segundo informação prestada pela CML e pela GEBALIS, a diminuta renda que atualmente é paga resulta do facto de existirem dois filhos no agregado familiar.
11). O Tribunal, repete-se, sem qualquer indagação oficial ou documento, determinou (o acordo foi imposto de forma inusitada) que a Recorrente ficasse a residir com os dois filhos na mesma casa que o Recorrido, até esta obter uma casa da GEBALIS.
12). Não obstante a GEBALIS, ser instituição apenas gere as casas atribuídas por concurso na Câmara Municipal de Lisboa, não tendo poderes para atribuir casas, apenas trata dos contratos de arrendamento, nomeadamente, quando há transmissão da titularidade por divórcio.
13). O Tribunal aliás, fez questão de ignorar e até mandar calar a Recorrente quando esta tentou explicar que já se informara junto da GEBALIS.
14). Contactada a Câmara Municipal de Lisboa foram a Recorrente e a sua mandatária informadas de que a atribuição de casa é realizada através de inscrição nos vários concursos que
vão abrindo, podendo demorar anos.
15). Ora, por clara imposição do Tribunal, que acedeu sem mais aos argumentos da mandatária do Recorrido, ficou no “acordo”, que a Recorrente na verdade não quis nem podia aceitar, que a casa de morada de família ficou atribuída ao progenitor
16). Ficando todos a residir na mesma casa até a Recorrente obter uma casa da GEBALIS, por alegadamente, no entender do Tribunal, sem se informar, que esta teria melhores condições para obter uma nova casa!!!!
17). Mais, o Tribunal o quo entendeu por bem ignorar os relatos que ouviu do menor sobre o ambiente familiar, e que determinaram que este ficasse a residir com a Recorrente;
18). Bem como o facto de quer o menor, a irmã, e ainda a Recorrente, terem Estatuto de Vitimas num processo de Violência Domestica que se encontra em recurso;
19). O Tribunal no âmbito do processo de atribuição da casa de família violou claramente o interesse do menor, em benefício do adulto progenitor, obrigando todos a continuar a viver na mesma casa, quiçá por tempo indefinido, num ambiente de provocação insustentável, como ainda ontem, (dia da conferencia) se verificou frente a testemunhas.
20). O Recorrente no seu estilo habitual e incontrolável, dirigiu provocações ao filho menor e à Recorrente relacionadas com o carro, com a casa e com os horários que o menor tinha de cumprir, sem qualquer sentimento de proteção ou cuidado para com o filho.
21). O acordo é nulo por violar expressamente os direitos do menor consagrados na Convenção dos Direitos da Criança e no Regime Tutelar Cível.
22). Os quais se encontram explanados nos diversos diplomas relativos que, de alguma forma, afetem o seu bem-estar, saúde, crescimento.
23). Como é o caso do artigo 1105º do Código Civil nos termos do qual na falta de acordo (e diria que no caso de acordo também) o Tribunal deve decidir tendo em conta os interesses de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes.
24). Acontece que para além do interesse do menor, e da filha maior estudante, são fatores relevantes o de Recorrente não ter um emprego certo que lhe permite arrendar uma casa onde residir com os dois filhos, ou mesmo candidatar-se a uma casa da Câmara Municipal de Lisboa com facilidade, uma vez que os outros concursos têm burocracias e prazos intermináveis.;
25). Passando a receber do Recorrido uma pensão de alimentos para os dois filhos no montante de 150,00€, valor esse tomando em consideração que o progenitor teria de fazer face a mais despesas para organizar a vida.
26). Em toda esta matéria o Tribunal assumiu como seus os argumentos da Mandatária do Requerido, sem efetuar qualquer diligencia para tomar conhecimento da possibilidade de candidaturas a casas da CML.
27). E com os mesmos, ordenou a atribuição da casa de morada de família ao Recorrido, e que até à obtenção de uma casa da CML a Recorrente e os filhos ficam todos a residir na mesma habitação, com o impacto que podia prever uma vez que ouvira o menor e, com base no descrito atribuiu a residência à mãe!
28). Na verdade, o Tribunal podia prever o ambiente que nesse mesmo dia se instalou e que era previsível para todos, o qual causou uma crise de choro convulsivo no menor por constatar que o ambiente em que esta a viver “nunca mais vai acabar”.
29). O sentimento quer do menor quer da filha de 18 anos é o de que as suas vidas e bem-estar não são protegidos pelo Tribunal, com total descrença na justiça, até porque só ouvem expressões de estupefação de quem tem conhecimento da sua situação.
30). O Tribunal deveria em cumprimento dos artigos 990.º do CPC e do artigo 1793º do Código Civil atribuir a casa de morada de família à Recorrente para esta habitar com os filhos, não só no interesse destes, mas também, pelas circunstancias pessoais e económicas da Recorrente.
Termos em que se requer a V. Exas, Senhores Desembargadores, que com o vosso douto suprimento, seja a sentença proferida revogada e substituída por outra que atribua a casa de morada de família à Recorrente, ou, caso assim se não entenda, prossigam os autos para a produção de prova no processo de atribuição de casa de morada de família.
O requerido não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AS, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber se o tribunal a quo previamente à homologação do acordo deveria averiguar se a parte estaria em condições de obter uma nova casa.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS
1.) As partes acordam, em tentativa de conciliação, que a casa de morada de família ficava atribuída provisoriamente ao Réu, AMS, sob condição da Autora, AS obter por parte da Gebalis uma casa para residir com os seus dois filhos (sendo um menor e a outra filha apesar de maior encontra-se a estudar), sendo apenas nessa data que sairá da casa de morada de família.
2.) Acordo esse que foi logo homologado por sentença.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE O TRIBUNAL A QUO PREVIAMENTE À HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO DEVERIA AVERIGUAR SE A PARTE ESTARIA EM CONDIÇÕES DE OBTER UMA NOVA CASA.
A apelante alegou que “o Tribunal entendeu por boa, sem qualquer indagação oficial junto da CML ou da GEBALIS (senhoria da casa de morada de família) que a Recorrente tinha melhores condições para obter uma nova casa junto da GEBALIS”.
Mais alegou que “por clara imposição do Tribunal, que acedeu sem mais aos argumentos da mandatária do Recorrido, ficou no “acordo”, que a Recorrente na
verdade não quis nem podia aceitar, que a casa de morada de família ficou atribuída ao progenitor”.
Alegou ainda que “O acordo é nulo por violar expressamente os direitos do menor consagrados na Convenção dos Direitos da Criança e no Regime Tutelar Cível, os quais se encontram explanados nos diversos diplomas relativos que, de alguma forma, afetem o seu bem-estar, saúde, crescimento”.
Vejamos as questões.
Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao
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