Acórdão nº 1002/18.6T8VCT-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17-11-2022
Data de Julgamento | 17 Novembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 1002/18.6T8VCT-C.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACÓRDÃO
Nos autos de execução movida por T. F., na qualidade de Exequente contra L. G., na qualidade de executado, veio a reclamante X - Mobiliário Expositor, Unipessoal, Lda.” (citada nos termos e para os efeitos da al. b) do artigo 786º do CPC) reclamar o seu crédito, no valor de € 76.889,36, alegando para o efeito que no âmbito da sua atividade comercial forneceu à sociedade “C. & V., Lda.”, da qual o executado é sócio gerente, diversos produtos, no montante total faturado de 59.816,05€, que a empresa não pagou, bem como os juros de mora já vencidos, no valor de 17.072,81€, sendo ainda devidos os juros de mora vincendos até integral pagamento.
Mais alega que para garantia de todas as obrigações pecuniárias, assumidas ou a assumir pela referida sociedade “C. & V., Lda.”, decorrente de quaisquer fornecimentos efetuados pela reclamante, até ao montante global de 60.000,00€ e respetivos juros de mora à taxa legal para as operações comerciais em vigor, o executado (sócio e gerente da referida sociedade) constituiu hipoteca sobre a fração autónoma, de que era proprietário, identificada pela letra “G”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº ..., da freguesia de ..., penhorada nos autos de execução.
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O Exequente veio impugnar a reclamação de créditos apresentada, defendendo que a credora reclamante não dispõe de título executivo válido que a legitime a ver reconhecido o seu crédito, designadamente algum dos que vêm elencados, de forma taxativa, no art.º 703.º do CPC.*
Em sede de resposta, veio a reclamante defender cumprir todos os requisitos estipulados no artigo 788º do CPC para que o seu crédito possa ser reconhecido e graduado, designadamente dispondo de título exequível - a escritura pública onde foi constituída a hipoteca (documento autêntico que importa o reconhecimento ou constituição de uma obrigação) -, complementada com as faturas emitidas, documentos que demonstram que foi efetuada a prestação, e constituída a obrigação respetiva.Que com isso se demonstra que a credora/reclamante, para além de gozar de uma garantia real, dispõe de título exequível (não executivo, mas passível de assim se tornar), o que legitima e fundamenta a reclamação de créditos apresentada.
Sem prescindir, e para o caso de assim se não entender, a reclamante juntou com a sua resposta um documento, intitulado “confissão de dívida”, subscrito pela empresa devedora e autenticado (por advogado), que na sua ótica constitui título executivo nos termos do art.º 703º, nº 1, al. b) do CPC.
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Foi então proferido despacho saneador/sentença (com o fundamento de que “os autos habilitam, desde já, a que se conheça do mérito – cfr. art. 595.º, n.º 1, al. b) do Cód. Proc. Civil”) nos seguintes termos:“Em conformidade com o exposto, decide o Tribunal julgar:---
i. totalmente improcedente a reclamação de créditos deduzida por X - Mobiliário Expositor, Unipessoal, Lda.
ii. totalmente procedente a reclamação de créditos deduzida por Banco ..., S.A., termos em que se decide julgar verificado o crédito pelo mesmo reclamado (art. 791º, nº 2 e 4 do Código de Processo Civil), graduando-o para ser pago pelo produto da venda do imóvel penhorado acima identificado (art.796º, nº 2 do Código de Processo Civil), com o crédito exequendo, pela seguinte ordem:---
1º) o crédito reclamado por Banco ..., S.A., garantido por hipoteca;---
2º) o crédito exequendo, garantido por penhora.---
Custas por reclamante vencido e reclamado exequente, na proporção dos respectivos decaimentos…”
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a reclamante interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:“1. A hipoteca (o documento da sua constituição) é um título exequível.
2. legislador não usou a expressão “titulo executivo” quando elencou os requisitos para a reclamação de créditos na execução e não o fez porque não é esse o requisito que se pretende. Um título é exequível quando tem a capacidade de se tornar título executivo. Quando tem a qualidade de ser executável.
3. Os títulos executivos podem ser simples ou complexos consoante o tipo de obrigação que titulem e serão complexos quando a obrigação (exequenda) exija vários documentos para a sua verificação/demonstração, documentos esses que, podendo ser de natureza diversa, se complementam entre si e nos seus conteúdos e levam à demonstração do crédito/obrigação. Exemplo disso é o documento que serve de base à reclamação apresentada, cuja complexidade decorre da própria Lei.
4. Não basta efectivamente a existência da celebração de uma escritura de hipoteca. Necessário se torna que, para além da escritura de hipoteca, o credor demonstre que a prestação foi realizada e que foi constituída uma obrigação, fazendo acompanhar a escritura de hipoteca com os documentos que demonstrem essa prestação e constituição da obrigação.
5. Cumprida tal obrigação e resultando dos factos provados na sentença que o crédito existe, é certo e não foi pago – ou seja, considerando-se provados os factos e elementos constitutivos do crédito e da obrigação -, fica demonstrado que a credora/reclamante, para além de gozar de uma garantia real, dispõe de título exequível, o que legitima e fundamenta a reclamação de créditos apresentada.
6. Não se entendendo assim estaríamos a desvirtuar toda a essência e natureza da hipoteca.
7. Com efeito, se ao credor hipotecário é reconhecido o poder de actuar sobre a coisa que lhe foi afecta, relativamente ao bem sobre o qual incide a sua garantia, sem lhe ser oponível um qualquer outro direito posteriormente constituído e registado, a invocação desse direito e a comprovação da existência de título exequível (o documento autêntico devidamente complementado) é suficiente para se considerar admissível a reclamação apresentada.
8. Não admitir a reclamação de crédito com base na escritura de constituição de hipoteca, por se entender que à mesma falta o requisito de exigibilidade, é ignorar frontalmente a função dessa figura jurídica, tornando aquela que é a principal forma de garantia real numa figura manifestamente inútil enquanto no nosso ordenamento jurídico.
9. Por fim, a sentença ao não se pronunciar sobre a junção aos autos do documento de confissão de dívida, no qual o terceiro devedor reconhece, concretiza e confessa a dívida garantida, demonstra omissão de pronúncia, cuja consequência é a sua nulidade.
10. Ao decidir como decidiu, a sentença proferida violou o disposto nos artigos 686º e seg. do Cod. Civil e artigos 707º, 788º, 792º e 615°, n° 1, al. d), do Cod. Proc. Civil.
TERMOS EM QUE, pelos fundamentos expostos, DEVE a sentença proferida ser revogada, substituindo-se por outra que julgue procedente a reclamação apresentada pela X, decida julgar verificado o crédito, graduando-o para ser pago pelo produto da venda do imóvel penhorado, na ordem que lhe compete.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, deverá a sentença proferida ser declarada nula, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 615°, n° 1, al. d), do Cod. Proc. Civil…”.
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O exequente veio apresentar Resposta ao recurso, na qual pugna pela manutenção da decisão recorrida.*
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:I- A de saber se a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia; e
II - Se o crédito da reclamante estava munido do respetivo título executivo para ser admitido à graduação de créditos.
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Efetivamente, embora a questão da nulidade da decisão venha invocada pela recorrente em segundo lugar, mesmo a título subsidiário, consideramos que a apreciação do recurso deve começar por conhecer dessa questão em primeiro lugar, por ser essa a ordem lógica de conhecimento das questões a decidir no âmbito do recurso.As regras a seguir no tribunal da Relação são, aliás, as de que se aplicam à elaboração do acórdão os preceitos aplicáveis à elaboração da sentença da primeira instância (art.º 663º nº 2 do CPC), nomeadamente o art.º 608º do CPC (Questões a resolver – Ordem do julgamento), o qual prevê no seu nº1 que “Sem prejuízo do disposto no nº 3 do art.º 278º, a sentença conhece em primeiro lugar das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”. E o mesmo entendimento decorre do art.º 665º do CPC que regula a regra da substituição do tribunal da relação ao tribunal recorrido, e no qual se diz que “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”. Ora, parece resultar da conjugação dos preceitos legais citados a ideia de que a ordem lógica do conhecimento das questões suscitadas pelas partes no recurso deve seguir essa ordem, ou seja, começar pela apreciação das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, seguindo-se a questão das nulidades (quer da sentença, quer processuais), e só depois se apreciando o objeto da apelação propriamente dito.
Só assim se respeita, de resto, o princípio, também ele aplicável à segunda instância, de que o tribunal deve conhecer de todas as questões que lhe sejam submetidas pelas partes para apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Seguindo então essa ordem lógica de conhecimento, iniciaremos a nossa apreciação do recurso pelo conhecimento da invocada nulidade da decisão proferida, alegadamente por não se ter apreciado na decisão recorrida um documento (confissão de dívida) junto aos autos pela reclamante na resposta à impugnação.
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Vejamos então a matéria de facto dada como provada na primeira instância e que...Para continuar a ler
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