Acórdão nº 1/22.8T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
Ano2022
Número Acordão1/22.8T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1/22.8T8PVZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Póvoa de Varzim, Juízo Central Cível - Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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SUMÁRIO
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I - RELATÓRIO

A..., S. A. e AA instauraram contra Clube Desportivo ... o presente procedimento cautelar de arresto, pedindo que seja:
- «Decretado o arresto urgente de […] Saldo(s) da(s) conta(s) bancária(s) de que o Requerido é titular no Banco ..., SA […] e Banco 1 ..., SA […]»;
- «Subsidiariamente, caso inexista saldo suficiente nestas contas bancárias, o arresto dos créditos detidos pelo Requerido sobre: Câmara Municipal ... […]; IPDJ - Instituto Português do Desporto e Juventude, IP […]; Associação ... […]; Federação Portuguesa ... […]»;
- «Subsidiariamente, se digne notificar as instituições bancárias Banco 2..., SA […]; Banco 3 ... SA […]; para arresto dos saldos existentes»;
- «Subsidiariamente, requer a notificação do Banco de Portugal para que indique demais contas bancárias de que o Requerido possa ser titular, bem como da ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira) para arresto dos eventuais créditos detidos pelo Requerido e ainda o arresto de todos os bens móveis que se encontrem na titularidade ou posse do Requerido, designadamente os bens móveis existentes na sua sede social».
Para substanciar tal pretensão alegam que o requerido, no período compreendido entre 30 de julho de 2020 e 30 de julho de 2021, passou por graves dificuldades económicas e financeiras, com fortes limitações e carências de tesouraria.
Acrescentam que, a solicitação do presidente do requerido, efetuaram, a título de empréstimo, diversos pagamentos de despesas e encargos da responsabilidade do Clube.
Referem ainda que têm procurado, sem sucesso, obter o pagamento dos valores de que são credores, ascendendo o crédito da 1ª requerente ao montante de €28.914,14, enquanto o crédito do 2º requerente se cifra em €30.690,56.
Por último, alegam que “têm receio de perder a garantia patrimonial dos seus créditos, quer pelo tempo entretanto decorrido e transcorrido, quer ainda por se correr o sério risco de o requerido poder vir a perder o seu património, seja onerando-o, seja por poder dissipá-lo”, sendo que “o montante dos créditos, porque manifestamente elevados, constituem per si, facto que torna justo o receio de perda de garantia patrimonial”.
Conclusos os autos foi proferido despacho com o seguinte teor: «Nos arts. 37 e seguintes do articulado inicial, os Requerentes afirmam que “os factos narrados neste requerimento inicial demonstram o justificado receio dos Requerentes na perda do seu direito»; “quer pelo tempo entretanto decorrido e transcorrido”, “quer ainda por se correr o sério risco de o Requerido poder vir a perder o seu património, seja onerando-o, seja por poder dissipá-lo”; e que “o montante dos créditos, porque manifestamente elevados, constituem per si, facto que torna justo o receio de perda de garantia patrimonial e que deve merecer proteção e imediata decisão deste tribunal”. Alegam, também, que “os factos narrados demonstram o justificado receio dos Requerentes na perda do seu direito, pela sucessiva e recorrente manifesta falta de liquidez do Requerido”.
Todavia, entendemos que não assiste razão aos Requerentes, porquanto, analisado o articulado inicial, verificamos que não foram alegados factos que permitam preencher o requisito do periculum in mora, pois, ainda que se provasse toda a factualidade alegada no articulado inicial, tal factualidade seria insuficiente para poder afirmar que há periculum in mora; dito de outro modo, os Requerentes não satisfazem o ónus de alegação de factos suscetíveis de preencherem o requisito do periculum in mora.
Relativamente ao “tempo entretanto decorrido e transcorrido”, a passagem do tempo, ainda que conjugada com o demais alegado no articulado inicial não faz diminuir o património do Requerido. A circunstância de o devedor não cumprir atempadamente as suas obrigações não implica a diminuição do seu património e não basta para fundamentar o arresto do património do devedor.
Foi já referido que, no caso específico do arresto, o periculum in mora consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor. Ora, no presente caso, os Requerentes não alegaram que o Requerido tenha praticado qualquer ato concreto de ocultação, disposição, alienação ou oneração do seu património.
No entender dos Requerentes, os créditos que dizem deter sobre o Requerido são “manifestamente elevados”. Na data da instauração do presente procedimento cautelar, de acordo com o exposto no art. 69 do articulado inicial, os créditos dos Requerentes ascendem a €59.604,70. Este valor, em termos absolutos, não pode ser considerado um valor manifestamente elevado. Além disso, não foi invocado e não resulta do alegado que o valor de €59.604,70, relativo aos créditos dos Requerentes, é manifestamente elevado em relação ao património do Requerido. Sublinhe-se, por um lado que os Requerentes estiveram ligados ao Requerido, segundo alegam entre 30-07-2020 e 30-07-2021, tendo BB, administrador único da Requerente, exercido o cargo de Vice-Presidente do Requerido (Responsável pelo Departamento de Formação do Requerido); e tendo o Requerente AA exercido as funções de Presidente do Conselho Fiscal do Requerido. Quer dizer, o administrador único da Requerente e o Requerente AA exerceram cargos no Requerido que lhes permitiram ter conhecimento sobre o património do Requerido. No entanto, não decorre do alegado que o património do Clube Desportivo ... seja irrisório face aos créditos que os Requerentes afirmam deter sobre este Clube. E, por outro lado, no artigo 35 do articulado inicial, os Requerentes alegam que “o Requerido é ainda credor da verba mensal de €4.000, 00, acrescida de IVA, a qual lhe é devida pela utilização das suas instalações pela SAD do Requerido, a sociedade constituída sob a forma de Sociedade Anónima Desportiva, Clube Desportivo ... , SAD […]”. Ou seja, essa renda de €4.000,00 recebida pelo Requerido indicia que o Requerido dispõe de património imobiliário com valor relevante. Tendo presente que para além do valor da renda (e independentemente do património imobiliário que estará subjacente a tal arrendamento e das quantias que o Requerido poderá ter recebido ou ter a receber de patrocinadores), os Requerentes alegam que o Requerido detém dinheiro em contas bancárias e é credor de várias entidades (embora não refiram qual o valor de tais créditos), entendemos que não pode afirmar-se – i. e., não resulta do alegado no articulado inicial – que os créditos que os Requerentes dizem deter sobre o Requerido são manifestamente elevados.
Quanto à invocada falta de liquidez, daí não decorre perda da garantia patrimonial. Importa referir que os Requerentes – não é demais relembrar que o administrador único da Requerente e o Requerente AA exerceram cargos de relevo no Clube Desportivo ... e que, seguramente, lhes permitiram ter conhecimento sobre o património e a situação financeira do Clube – nada alegaram de concreto quanto a essa falta de liquidez (com ressalva, claro está, para o invocado a propósito dos pagamentos que afirmam terem realizado, a título de empréstimo, ao Requerido), nem alegaram que outros credores tenham encetado diligências no sentido da cobrança coerciva de quaisquer créditos, com a penhora ou o arresto de bens do Requerido.
Face ao alegado no articulado inicial, os Requerentes quando emprestaram dinheiro ao Clube Desportivo ... sabiam que estavam a emprestar dinheiro ao Clube Desportivo ... e sabiam da situação patrimonial e financeira do Clube Desportivo .... I. e., no período compreendido entre 30-07-2020 e 30-07-2021, BB, administrador único da Requerente A..., S. A., exerceu o cargo de Vice-Presidente do Clube Desportivo ... (Responsável pelo Departamento de Formação do Clube Desportivo ...); e o Requerente AA exerceu as funções de Presidente do Clube Desportivo ..., pelo que pelo que os Requerentes tinham conhecimento da situação patrimonial e financeira do Clube Desportivo ... (cfr., nomeadamente, os arts. 8 e 18 do articulado inicial) e, por isso, tinham conhecimento do risco da insatisfação pontual dos seus créditos. Acresce que não foi alegado que, após os empréstimos que afirmam ter realizado e mesmo após as interpelações para pagamento, o Requerido tenha praticado qualquer ato no sentido da ocultação, disposição, alienação ou oneração do seu património, ou seja, no sentido da diminuição da garantia patrimonial do crédito dos Requerentes.
Refira-se, a terminar que os Requerentes estando em condições de ter conhecimento sobre o património do Requerido, seja pelas funções exercidas no Requerido, seja por consulta, nomeadamente, às bases de dados das conservatórias de registo predial, não alegaram que o património do Requerido seja insuficiente, ou que esteja em vias de se tornar insuficiente, para satisfazer os créditos dos Requerentes. Ora, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que “o arresto será injustificado, entre outras, nas seguintes situações […] se o devedor possui no seu património mais bens do que aqueles que foram alegados na petição inicial como sendo os únicos bens conhecidos, não podendo o credor, sem culpa desconhecer a existência de outros bens mediante uma simples consulta às bases de dados (ex. conservatórias de registo predial, automóvel e comercial) (…)”.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar».
Não se conformando com o assim decidido, vieram os requerentes interpor o presente
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