Acórdão nº 0997/18.4BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-01-24

Ano2024
Número Acordão0997/18.4BEAVR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

[ tramo 1 ]

A... Unipessoal, Lda., …, dirigiu, ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido, nestes autos, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em 27 de abril de 2023, que decidiu negar provimento a recurso jurisdicional, interposto de sentença ( “julgou improcedente a impugnação judicial … deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nºs ...48, ...54 e ...58, e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2016, perfazendo o valor global de € 23.920,05”.) do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro.
Aponta-lhe contradição/oposição, com o decidido no acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 14 de abril de 2015, proferido no processo nº 06525/13.

A recorrente (rte) produziu alegação, onde conclui: «

1) O Recurso foi interposto com fundamento em contradição de Acórdãos, servindo de Acórdão Fundamento o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2º Juízo, datado de 14-04-2015, Processo N° 06525/13, Acto tributário e facto tributário. Noção. IVA. Mecanismo de dedução do IVA, artigo 19°, n° 4 do CIVA - Princípio do direito à dedução do IVA, publicado em www.dgci.pt.

2) A contradição de Acórdãos resulta da existência de soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, ou seja, sobre IVA, ónus da prova e faturas falsas.

3) Enquanto no Acórdão recorrido considerou-se que era à impugnante, ora recorrente, quem tinha de provar que as faturas em causa não eram falsas e que à Autoridade Tributária e Aduaneira basta alegar indícios.

4) No Acórdão fundamento, pelo contrário, é afirmado que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de fazer a prova cabal e absoluta de que o recorrente, ou seja, “o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A.”.

5) Contudo, no Acórdão recorrido essa prova não foi feita

6) Ora, segundo o Acórdão Fundamento, o art°. 19, n° 4, do C.I.V.A., exige que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto.

7) Mais, o princípio da neutralidade do I.V.A. impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objectivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A., matéria cujo ónus da prova compete à A. Fiscal (cfr. art°. 74, n° 1, da L.G.T.) e não resultou minimamente provada.

8) E segundo o Acórdão fundamento, ”O TJUE tem entendido que não é compatível com o regime do direito à dedução previsto na Directiva I.V.A. recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que a operação em causa fazia parte de uma fraude, ou que outra operação na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao I.V.A.

9) Pelo que, no Acórdão recorrido, é patente a insuficiência de fundamentação no que se refere ao alegado conhecimento, por parte do sujeito passivo, da falta de estrutura empresarial dos seus fornecedores, vício que equivale a falta de fundamentação, pelo que deverão ser anulados os actos tributários objecto do presente processo, as Liquidações adicionais de IVA 2016.

10) Reiterando o Acórdão fundamento: “Era a A. Fiscal que tinha o ónus da prova dos pressupostos das correcções em sede de regime de dedução de I.V.A. por si propostas e que fundamentaram as liquidações objecto do presente processo (cfr. art°. 74, n° 1, da L.G.T.), assim não abalando a presunção de verdade e boa fé das declarações periódicas apresentadas pelo impugnante (cfr. art°. 75, n°. 1, da L.G.T.).

11) Por último, sempre se dirá que o Acórdão recorrido efectuou uma errada interpretação e aplicação dos art°s, 19, n° 3 e 4, do C.I.V.A., e artigo 74°, 75° e 77° da L.G.T.

12) Em suma, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento afirma-se a existência da identidade da questão de Direito e da situação de facto e nas duas decisões judiciais em apreço, tais decisões são expressamente opostas sobre a mesma questão fundamental.

Nestes termos, nos melhores de Direito, existindo, assim, identidade da questão de direito e de facto, reafirma-se que têm as decisões proferidas no Acórdão recorrido e no Acórdão Fundamento sentidos opostos, pelo que existe a referida contradição de Acórdãos, que deverá ser superiormente decidida, a bem da JUSTIÇA! »


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito meramente devolutivo.

*

Não houve lugar a contra-alegação.

*

O Exmo. magistrado do Ministério Público, notificado, emitiu parecer que encerra com a conclusão de que “não se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência supra enunciados, atento que a divergência das soluções não assenta na interpretação e aplicação das mesmas regras jurídicas, mas nos juízos de facto formulados em cada um dos arestos, motivo pelo qual se impõe não tomar conhecimento do mérito do recurso”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

[ tramo 2 ]

O acórdão recorrido laborou sobre a seguinte realidade de facto: «

« Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A Impugnante esteve, desde 28.05.2009, registada para o exercício da atividade de “Fabricação de rolhas de cortiça”, tendo como objeto social a “Indústria transformadora de cortiça”, enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal, possuindo contabilidade organizada elaborada informaticamente e com instalações situadas num pavilhão na Rua ..., ..., em ..., e cessou a sua atividade com efeitos a 10.03.2016;

2. Durante o ano de 2016, a Impugnante deduziu os valores de IVA constantes das seguintes faturas, nas quais figura como emitente a sociedade B... Lda:

[IMAGEM]

– cfr. documentos a fls. 421, 423, 425, 426, 428, 429, 440 e 442 do sitaf;

3. Das faturas mencionadas no ponto anterior, resulta a aquisição do total de 9.750 kg de cortiça e 278.600 rolhas, sendo 80.000 de calibre 45x24 e 198.600 de calibre 49x24 – idem;

4. Nos dias 24 e 26 de fevereiro de 2016, a Impugnante declarou ter comprado à sociedade B... Lda um total de 198.600 rolhas de calibre 49x24 e, após essa data, declarou ter vendido 85.500 rolhas desse calibre – cfr. teor dos documentos a fls. 172, 178, 440 e 442 do sitaf;

5. Em todas as faturas mencionadas no ponto 2 foram averbadas as menções de que a mercadoria foi transportada na viatura de matrícula ..-MC-.., com local de carga em ... e local de descarga em ... – ibidem;

6. Com referência às faturas n.ºs ..., ..., ..., ...2 e ...4, mencionadas no ponto 2, foram preenchidas Guias de transporte, dirigidas à Impugnante e nas quais figura como emitente a sociedade B... Lda – cfr. documentos a fls. 422, 424, 427, 441 e 443 do sitaf;

7. Com referência ao ano de 2016, a Impugnante registou contabilisticamente pagamentos à B... Lda, num total de € 165.891,28, todos mediante a emissão de cheques ao portador – cfr. documentos de fls. 420, 430 a 439 e 444 do sitaf;

8. Nos extratos de conta referentes à B... Lda e com referência às datas de 31.12.2015 e 31.03.2016, a Impugnante registou os saldos credores de € 72.774,86 e € 11.006,65, respetivamente – cfr. documentos de fls. 202 a 207 e 420 do sitaf;

9. Em relação ao ano de 2016, a Impugnante declarou os seguintes stocks iniciais e finais, e as seguintes compras e vendas de cortiça e de apara broca:

[IMAGEM]

– cfr. teor dos documentos a fls. 178 e 182 do sitaf;

10. Em relação ao ano de 2016, a Impugnante declarou os seguintes stocks iniciais e finais, e as seguintes compras e vendas de rolhas, por calibre:

[IMAGEM]

– cfr. teor dos documentos a fls. 172, 178 e 182 do sitaf;

11. Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs ...46 e ...47, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, de carácter externo, aos anos de 2015 e 2016 – cfr. documentos de fls. 93 a 100 do sitaf;

12. Mediante comunicação remetida por correio registado com aviso de receção, assinado em 21.12.2017, foi a Impugnante interpelada para proceder à identificação dos reais fornecedores dos bens indicados nas faturas mencionadas no ponto 2 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 574 a 579 do sitaf;

13. Na sequência, a Impugnante remeteu resposta escrita com o seguinte teor:

[…]

[…] todas as faturas levadas à contabilidade […] correspondem a transações comerciais verdadeiras.

Mais se informa que todos os elementos da contabilidade […] já foram exibidos […], designadamente os relacionados com a actividade da empresa e dos terceiros com quem esta mantém relações económicas.

– cfr. documento a fls. 580 do sitaf;

14. Apesar de notificada do projeto de relatório de inspeção, a Impugnante não exerceu o direito de audição;

15. No Relatório final de Inspeção foram propostas correções de natureza meramente aritmética, para além do mais, em sede de IVA para os períodos de janeiro e fevereiro de 2016, no montante total de € 19.470,17, sendo € 14.262,88 referente a janeiro e € 5.207,29 a fevereiro, consubstanciadas na desconsideração do imposto indevidamente deduzido – cfr. teor do Relatório de Inspeção de fls. 93 a 162 do sitaf;

16. No Relatório de Inspeção, para sustentar as referidas correções, foi expressa a seguinte fundamentação:

[…]

II.3.5. Resumo das declarações apresentadas

[…]

Analisando-se os valores declarados nota-se uma enorme quebra entre 2015 e 2016. Tal situação deve-se ao facto da empresa ter cessado a sua atividade em março de 2016, tendo-lhe sucedido em janeiro de 2016 uma nova empresa, a “A. C...,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT