Acórdão nº 0975/21.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10-04-2024

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0975/21.6BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo



1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, visando a revogação da sentença de 28-12-2021 daquele Tribunal, que julgou totalmente procedente a impugnação intentada por Z..., SGPS, S.A., melhor sinalizada nos autos, referente ao acto de liquidação de Imposto do Selo (IS) e juros compensatórios com o n.º ...16, relativo ao ano de 2018, no montante total de € 1.054.852,79.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

A. Constitui objeto do presente Recurso a douta sentença proferida nos autos acima melhor identificados, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Impugnante, Z... - SGPS SA, contra o ato tributário de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º ...20 ...16, no valor de 965.011,96 €, e de juros compensatórios, no valor de 89.840,83 €, num montante total a pagar de 1.054.852,79 €, referente ao ano de 2018.
B. No sentenciado considerou-se, em suma, que: “as operações de tesouraria efectuadas em benefício de uma SGPS por uma sociedade sua participada - que também seja SGPS – e que com ela se encontre em relação de domínio ou de grupo, não corresponde a uma operação vedada nos termos conjugados da alínea c), do nº 1 e n.º 3 do artigo 5º do RJSGPS.”.
C. Assim, a Sentença recorrida julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela Impugnante, considerando não assistir razão à Recorrente no que concerne ao entendimento segundo o qual as operações de concessão de crédito efetuadas pela Impugnante a favor da “Y... SGPS, S.A.”, destinadas à cobertura de carências de tesouraria, sob a forma de conta corrente, por um período inferior a um ano, eram operações legalmente vedadas às SGPS’s, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 5º do Decreto-Lei. n.º 495/88, de 30/12 (doravante RJSGPS), uma vez que a entidade concedente do crédito não detinha qualquer participação na entidade utilizadora do mesmo, pelo que estas operações não podiam beneficiar da isenção de IS prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo.
D. Ora com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, existindo erro sobre os pressupostos de direito da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
E. A isenção de Imposto do Selo nos termos exigidos pela al. g) do n.º 1 do art. 7.º do CIS só existiria, se a concessão de crédito para a qual foi invocada não fosse interdita pela al. c) do n.º 1 do art. 5.º do RJSGPS.
F. Havia que averiguar, então, para afirmar que se verificavam os requisitos da isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, se, diante da disciplina legal das SGPS constante do RJSGPS, a concessão de crédito efetuada através dos contratos de conta corrente outorgados era uma operação permitida à sociedade Impugnante ou não, e, assim, determinar se existiam interesses públicos extrafiscais relevantes superiores à tributação, e só em caso afirmativo declarar verificados os requisitos da isenção de imposto.
G. Atendendo a que a entidade cedente de crédito (Z...) é uma SGPS, constitui um elemento de particular importância o cumprimento do previsto no RJSGPS, uma vez que é este decreto que regula especificamente a atividade destas entidades.
H. Esta particular relevância do cumprimento do regime ínsito no RJSGPS, decorre do facto de o art. 5º n.º 1 al. c) daquele diploma ser uma norma de carácter imperativo, significando isto que não pode ser derrogada ou restringida pela vontade das partes.
I. Como refere Almeida Costa (“in” “Direito das Obrigações”, 10ª Edição reelaborada, 2006, Almedina, págs. 241 e 242) estes limites contemplados na lei “(…) visam a tutela de interesses das partes — nomeadamente a correcção e a justiça substancial nas suas relações —, ao lado de valores colectivos — como sejam a salvaguarda de princípios de ordem pública e da facilidade e segurança do comércio jurídico. Postula-se modernamente uma concepção de contrato dominada por imperativos éticos e sociais.”
J. Da leitura ao estatuído na alínea c) do n.º 1 do art. 5.º do RJSGPS, verifica-se que o mesmo veda a concessão de crédito por parte de uma SGPS a favor de qualquer sociedade em que não detenha participação, comportando a alínea c) duas exceções a esta regra e o n.º 2 do mesmo artigo (“sem prejuízo do disposto no número seguinte.”).
K. Ora, é exatamente isto que ocorre no caso em análise, ou seja, nas operações de financiamento descritas, uma participada SGPS (Z...) concede crédito a uma detentora do seu capital (Y...), também uma SGPS, na qual não detém qualquer participação no capital social.
L. A propósito da norma da al. c) do n.º 1 do art. 5.º do RJSGPS, Carlos Osório de Castro e Diogo Lorena de Brito, no artigo “A concessão de crédito por uma SGPS às sociedades estrangeiras por ela dominadas (ou às sociedades nacionais dominadas através de uma sociedade estrangeira) e o art. 481º, nº2, do CSC”, publicado em separata de O Direito, ano 136º, I, referem que este art. 5.º, sob a epígrafe “Operações vedadas”, proíbe o exercício de certas atividades ou a prática de certos atos que não se reconduzam à gestão de participações sociais como forma indireta do exercício de atividades económicas, mas exceciona certas situações em que o exercício de tais atividades ou a prática de tais atos são admissíveis, porque traduzem uma noção ampla de gestão de participações sociais, que não se limita a uma mera detenção e passiva recolha de dividendos, mas são suscetíveis de valorizar as participações detidas e de, por essa via, potenciar o dividendo e eventual mais-valia que estas participações venham a propiciar, representando também essas situações excecionadas uma forma indireta de exercício de atividades económicas.
M. Ora, tendo em conta este enquadramento que a Fazenda Pública defende ser o correto, identificase aqui, sem quebra do respeito devido, um primeiro erro no percurso lógico seguido pela sentença na aplicação do direito aos factos.
N. Também não nos podemos alhear que o n.º 3 do art. 5 do RJSGPS, somente pretende referir que a ter sido concedido o crédito pela SGPS (por exemplo, a uma sociedade em que detenha participação, que não é o caso, como vimos), essa operação não se pode considerar como seja concessão de crédito para os efeitos do regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras.
O. Discorda-se assim do sentenciado, afigurando-se que o mesmo sofre de erro de julgamento, quando considera que: “a proibição de “conceder crédito” prevista na mencionada alínea c) do n.º 1 do artigo 5º do RJSGPS não abrange as operações enunciadas no seu n.º 3, pois tais operações não constituem elas próprias “concessão de crédito”.
P. O disposto no n.º 3 do art.º 5.º do RJSGPS, não tem, nem pode ter, aplicação no caso em apreço, porquanto a única exceção que a alínea c), do nº 1, do referido art.º 5.º comporta é a do n.º 2 do mesmo dispositivo quando determina, no singular, “sem prejuízo do disposto no número seguinte”, e não no plural “… nos números seguintes”, deixando de fora dessa exceção o disposto no invocado n.º 3 do mesmo preceito.
Q. Para além disso, o legislador, no n.º 3 do art.º 5.º do referido diploma legal, quando estabelece no disposto na alínea c) do n.º 1 do mesmo art.º 5, que “as operações a que se refere a alínea c) do nº 1, efetuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efetuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito…” refere-se apenas “…para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro”.
R. Ora, com o n.º 3 do art. 5º do RJSGPS “O legislador pretendeu salvaguardar do conceito de “concessão de crédito” as operações acima definidas, assim como as operações de tesouraria em benefício da SGPS por parte das participadas que estejam em relação de domínio ou de grupo. A não ser feita esta salvaguarda, as SGPS estariam abrangidas pelo regime sancionatório previsto no RGICSF”, nomeadamente ao regime de infrações e também à fiscalização do Banco de Portugal (Júlio Tormenta, “As sociedades gestoras de participações sociais como instrumento de planeamento fiscal e os seus limites”, pág. 118).
S. Por outras palavras, o legislador apenas pretende que não se considere como concessão de crédito as operações de tesouraria em benefício das SGPS´s efetuadas pelas sociedades participadas, para efeitos somente do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e não para efeitos de aplicação do Código do Imposto do Selo.
T. Para além de que, analisados os termos em que as partes declararam celebrar os contratos de conta corrente supra indicados, constata-se que as operações financeiras efetuadas em benefício da sociedade dominante Y... SGPS, SA, pela Impugnante, destinadas à cobertura de carências de tesouraria daquela se enquadram numa concessão de crédito, e não numa mera operação de tesouraria.
U. Isto porque a noção de operações de tesouraria respeita a aplicações das disponibilidades financeiras que uma entidade tenha em dado momento para acorrer à falta de disponibilidade que a entidade beneficiária tenha nesse momento.
V. Dos termos dos contratos em causa, não resulta estarmos perante meras operações de tesouraria, porquanto estas, por natureza, resumem-se a necessidades pontuais de liquidez que certa entidade enfrenta para fazer face aos pagamentos que tem de efetuar, pelo que cada operação de tesouraria é circunstancial e delimitada, pois esgota-se na satisfação do montante e na ocasião em que...

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