Acórdão nº 0897/11.9BELRS 01207/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-10-12

Data de Julgamento12 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão0897/11.9BELRS 01207/17
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. O representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela sociedade A............, S.A., deduzida contra a liquidação de Contribuição Especial regulamentada pelo Decreto-Lei nº 43/98, de 03 de março, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
A. Na sentença produzida nos presentes foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade A............, S.A. onde foi posta em crise a liquidação de Contribuição Especial já identificada nos autos, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 43/98, de 3 de março.
B. O elemento principal onde se baseou a douta decisão foi ter-se considerado como decisivamente relevante o facto de que à data do pagamento das taxas devidas pela emissão do alvará de licenciamento de obras de edificação, em 20-10-2004 (Cfr. IV, A). De facto, C. a fls. 3 da sentença) o imóvel em causa já não era propriedade da Impugnante por ter sido alienado dois dias antes, em 18.10.2004, por escritura pública de compra e venda a outra sociedade comercial a “B............, SA (Cfr. IV, A). De facto, D. a fls 4 da sentença).
C. Salvo o devido respeito, que é muito, a AT não se pode conformar com a decisão tomada e daí a apresentação do presente recurso porque, na nossa opinião, verificou-se um erro no julgamento da questão aqui em causa, pelas razões que seguidamente se desenvolvem.
D. A contribuição Especial, tal como resulta do seu preâmbulo e do artigo 1º, nºs 1 e 2, do Regulamento da Contribuição Especial, e seguindo a opinião de Casalta Nabais (Direito Fiscal, pág. 27), enquadra-se nas chamadas “contribuições de melhoria”, que são aquelas em que é devida uma prestação, “em virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma atividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal atividade indistintamente beneficia” e será devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra – cfr. artigo 3º do RCE.
E. Neste caso concreto, é dado adquirido que o alvará foi emitido em nome da Impugnante em 20-10-2004, conforme consta dos autos (cf. IV., A). De facto, D. a fls. 3 da sentença) pelo que, à partida, tudo indicaria que seria a impugnante o sujeito passivo desta relação jurídica.
F. Mas o Tribunal a quo afastou a aplicação literal da norma, entendendo prevalecer a transmissão do imóvel, apesar de ter tido lugar apenas dois dias antes da emissão do alvará de construção, porque terá considerado que o facto tributário se projeta na esfera jurídica da sociedade proprietária à data da emissão do alvará e não da sociedade vendedora, a aqui impugnante.
G. Mas, como vimos, o facto tributário gerador ou constitutivo da “contribuição de melhoria” como a presente, é o aumento de valor dos prédios ou terrenos, resultantes da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção ou reconstrução urbana, em locais que eram as suas acessibilidades substancialmente melhoradas com vultuosos investimentos em obras públicas que, de uma forma direta aumentaram a capacidade dos beneficiários.
H. E o critério legal para apurar qual foi efetivamente o aumento do valor verificado, e consequentemente o valor da Contribuição Especial a pagar, atende àquele que o imóvel teria antes do lançamento das obras públicas, em 1 de janeiro de 1994, corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda e o valor atual, a data em que se iniciou o processo de licenciamento da obra, em 07.07.2000 (cfr. IV. A).De facto, A a fls. 3 da sentença.
I. Ficou estabelecido que o deferimento do pedido de construção do imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa teve lugar em 14.05.2004 (cfr.IV.A).De facto, D. a fls 3 da sentença), abrindo-se ali o prazo de um ano para pagamento das respetivas taxas, condição para emissão do respetivo alvará, cujo documento para pagamento está datado de 14.10.2004 e que foram efetivamente pagas em 20.10.2014 (cfr. IV. A).De facto, a fls 3 da sentença), sempre em nome da Impugnante.
J. Diz-nos a doutrina (Direito do Urbanismo, do Planeamento à Gestão, Fernanda Paula Oliveira, 2010, CEJUR, Centro de Estudos do Minho, pág., 178) o seguinte: “A deliberação que consubstancia o deferimento do pedido de licenciamento corresponde ao momento constitutivo do procedimento administrativo em causa, embora a lei entenda que este acto apenas poderá produzir os respetivos efeitos jurídicos após a emissão do documento que serve de título à licença: o alvará, que assume, assim, a natureza jurídica de acto integrativo da eficácia do acto de licenciamento por nada acrescentar à definição da situação jurídica do particular pente a possibilidade de realizar a operação urbanística, apenas permitindo desencadear a sua operatividade. De facto, o alvará apenas permite que ao acto de licenciamento produza os seus efeitos, não relevando para a definição de momentos intrínsecos do mesmo, aliados estes à noção de validade e não ao conceito de eficácia.
A licença corresponde a um verdadeiro acto administrativo que “remove o limite legal ao exercício do “direito” de concretizar a operação urbanísticae que define as condições de exercício do mesmo ou, se preferirmos, é o acto que confere ao promotor o direito a realizar a operação urbanística pretendida. Trata-se de um acto que desencadeia benefícios para terceiros, na medida em que se assume como de cariz favorável aos seus destinatários, podendo ainda ser considerada como uma autorização constitutiva de direitos, pela qual a Administração constitui direitos em favor dos particulares, em áreas que, salvo a prática deste acto Administrativo, se lhes encontram vedadas, por se considerar, em abstrato, que a sua atribuição aos mesmos lesaria o interesse publico.” (itálicos no original).
K. Neste caso concreto, verifica-se que todo o procedimento administrativo, desde o seu início, até à emissão do alvará foi tramitado tendo a aqui Impugnante como o particular interessado, nunca aparecendo, em absolutamente nenhuma qualidade, a sociedade que adquiriu o imóvel, tendo até culminado com a emissão do dito título no seu próprio seu nome.
L. E se o alvará não passa de uma condição de eficácia do acto administrativo anterior, onde já ficou efetivamente definida a situação jurídica desde o deferimento do pedido de construção do imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa teve lugar a 14.05.2004 através do licenciamento, um acto administrativo de natureza constitutiva, a situação jurídica que está na origem da presente liquidação está perfeitamente definida e conhecida pela Impugnante pelo que, quando o negócio da venda do imóvel é celebrado, em 18.10.2004, quase cinco meses depois, capacidade de construir no prédio em causa está definitivamente adquirida e a favor da impugnante.
M. Ou seja, para o que aqui nos interessa, parece-nos claro que o aumento da capacidade contributiva verificada em consequência das várias obras públicas se reflectiu na esfera jurídica da impugnante, não havendo qualquer razão para outro qualquer entendimento, porque mesmo que o alvará não tivesse sido emitido em seu nome, o que, repetimos, efetivamente aconteceu, como já se verificou, seria, na nossa opinião, a impugnante, o sujeito passivo da Contribuição Especial aqui em causa.
N. E a experiência comum diz-nos que o preço de um terreno para construção depende daquilo que lá se pode construir.
O. Pelo que, salvo melhor opinião, o preço pago pela sociedade adquirente à impugnante teve como elemento decisivo a capacidade construtiva do imóvel já anteriormente estabelecida na licença de construção.
P. Diz-nos igualmente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo nº 05876/12 de 07/10/2014 que “A mesma Contribuição Especial é devida por aqueles em nome de quem seja emitido o respetivo alvará de licença de construção ou de obra, pois foram estes que viram reconhecido na sua esfera jurídica o direito de construção e, por consequência, aquele benefício.”
Q. Resumindo, manda o artigo 3º do Regulamento da Contribuição Especial que o sujeito passivo deste imposto seja a entidade que consta do Alvará de Construção que, como se demonstrou, é a sociedade aqui impugnante. E mesmo que desconsidere este facto como foi feito pelo Tribunal a quo parece-nos perfeitamente adquirido que foi a impugnante quem viu reconhecido na sua esfera jurídica o direito de construção e, por consequência, o benefício que está na base da liquidação de Contribuição Especial aqui em causa pelo que deverá ser também ser esta a entidade que deverá suportar respetivo encargo e não a adquirente do imóvel.
R. Pelo exposto, vem a Fazenda Publica requerer a este Venerando Tribunal que revogue a douta Sentença recorrida, por erro dos pressupostos de facto e de direito em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão impugnada, com as respetivas consequências legais.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objetiva, JUSTIÇA.”

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. Por decisão sumária do excelentíssimo desembargador relator, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e o processo foi remetido a este Tribunal, julgado o competente para o efeito.

1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
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