Acórdão nº 0863/14.2BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-09-14

Ano2023
Número Acordão0863/14.2BECBR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Recursos de revista de acórdãos dos TCA

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1 - AA propôs no TAF de Coimbra a presente acção administrativa especial, contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, de impugnação do acto proferido em 3 de Julho de 2014 pelo Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, formulando o seguinte pedido: “Termos em que, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, anulando-se o ato administrativo impugnado e, em consequência, deve a Ré ser condenada a reconhecer a A. como Assistente Convidada de pleno direito e, bem assim, a contratar a A. como Professora Auxiliar, nos termos expostos, para todos os efeitos e com todas as consequências legais.».

2 – Por sentença proferida em 05/07/2018, foi julgada totalmente procedente a acção, sendo, em consequência, anulado o despacho de 3 de Julho de 2014 do Vice-Reitor da UC e condenada a R. a reconhecer a A. como Assistente Convidada para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no n.º 3 do art.º 8.º do DL n.º 205/2009, de 31/08, bem como a contratar a A. como Professora Auxiliar nos termos previstos no art.º 25.º do ECDU, na sua redacção actual.

3 - A Requerida Universidade de Coimbra recorreu para o TCA Norte e a Autora requereu a ampliação do objecto do recurso, tendo sido proferido, em 09/04/2021, acórdão que concedeu provimento ao recurso, negou provimento à ampliação e revogou a sentença, julgando improcedente a acção.

4 – Desta decisão interpôs a A. a presente revista, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1) A situação de facto sobre a qual se pede a pronúncia deste Alto Tribunal tem a ver com a aplicabilidade da regularização dos docentes universitários equiparados a docentes contratados estatuída nos arts. 8.º, n.ºs 1 e 3 do DL n.º 205/2009, de 31/08, que aprovou o novo ECDU e 11.º, n.º 2 do ECDU na redação anterior àquele diploma (ex vi n.º 3 do seu art. 8.º), a uma funcionária supostamente requisitada – ilicitamente pois, ex vi lege, a duração máxima da requisição é de 4 anos (art. 69.º, n.ºs 1, 4, al. b) e 5 do ECD) – durante 14 e mais anos (vamos atualmente em 23 anos de exercício de funções!) na Universidade de Coimbra.
2) Subsidiariamente, a Recorrente sustentou a aplicação do instituto do funcionário putativo, que foi descartada pelo acórdão recorrido considerando a situação de requisição (e apesar de se não ter provado, ao contrário do que foi julgado, que a mesma requisição ocorreu em todos os anos em que aquela prestou serviço à Universidade), ou seja, negou a aplicação de instituto que é essencialmente de facto por razões… de direito (a requisição).
3) Não se pense que só nós temos razões para estar petrificados com a interpretação jurídica contida no acórdão recorrido, pois a própria sentença de primeira instância – que procedeu, explicando e ponderando a lei, desde a Constituição até às concretas normas anteriores e coevas à interpretanda, a uma interpretação jurídica muito, mas mesmo muito mais profunda do que sucedeu no acórdão do TCA-Norte, veja-se a sentença e confronte-se a mesma com o acórdão – apelida de irrazoável, repetimos, irrazoável, a interpretação agora seguida pelo TCA, quando literalmente refere: “Não se pode deixar de considerar irrazoável uma solução que vede à A. o acesso à carreira docente universitária concedido a outros colegas com contrato que desempenhavam exactamente as mesmas funções, que, em hipótese, podem em certos casos deter um vínculo com duração bastante inferior ao da A.”!
4) É assim que pedimos e obsecramos, para além da referida absoluta contraditoriedade de julgados e da possibilidade de repetição destas situações que grassam pela administração pública universitária, com grande sofrimento para quem dedica uma vida inteira à academia (a Recorrente conta atualmente 23 anos de dedicação à UC), bem como, no caso, com enorme perplexidade comunitária, que um melhor e mais profundo direito seja por este Alto Tribunal acertado, fixando-se, assim, o conteúdo e alcance da regularização de docentes universitários convidados e contratados (ou melhor, em situação equiparada a estes) que, atento o estatuído no art. 11.º, n.º 2 do ECDU na versão anterior ao DL n.º 205/2009 (mantido pela norma transitória do art. 8.º, n.º 3 daquele diploma), durante 5 e mais anos prestaram serviço docente às Universidades e, ainda, em relação ao instituto do funcionário putativo, sua vigência e aplicabilidade a situações de facto que, quase ou mesmo em válvula de segurança do sistema jurídico, ostensivamente o reclamam – cfr. art. 150.º, n.º 1 do CPTA.
5) Quanto à teleologia que serve de prius interpretativo das normas aplicáveis (arts. 8.º, n.º 3 do DL n.º 205/2009 e 11.º, n.º 2 do ECDU anterior àquele diploma), vem o TCA-Norte dizer que o objetivo da lei é combater a precaridade e, por isso, como a Recorrente tinha, afinal de contas, um vínculo com o Ministério da Educação, não era precária.
6) Ora, ao contrário do que foi julgado, o que interessa ao legislador não é assim tirar as pessoas do desemprego (dando-lhe um vencimento…) como é patente e manifesto, mas apenas e tão só solidificar as relações laborais que essas pessoas tenham (aqui) com as instituições universitárias, estabilizando-as, em prol e em interação com o interesse público, mormente universitário ou académico (escusado seria mais dizer… como será o facto de ser conveniente a todos, e assim ao interesse coletivo, que as Universidades tenham um corpo docente estável que se preocupe em produzir a sua ciência sem estar inquietado em ter o mínimo de sobrevivência…), e, obviamente, mas numa interação dinâmica, com o interesse privado, na dimensão que a sentença de primeira instância utilizou.
7) O erro de julgamento, assim assacado à decisão recorrida, que é ostensivo, é esta ver a precaridade à maneira sindicalista (perdoe-se-nos a alusão) de emprego, tendo apenas e exclusivamente o seu foco na pessoa (que tem de estar empregada… no pior sentido que a palavra encerra) e esquecendo ademais e completamente o interesse público específico subjacente à regularização do corpo docente universitário.
8) Ainda quanto à teleologia das normas, importa sublinhar que, como muito bem se disse na sentença de primeira instância, nunca a Universidade apontou uma só razão material para ter o entendimento que tem. Ou seja, por que razão, materialmente, as duas situações de transitoriedade no exercício de funções tinham de ser tratadas distintamente, quando o que se sabe, no limite, é que existem situações em que o combate à precaridade (objetivo da lei que, assim, a pretende fazer cessar) nas situações de contratação pode ter até uma dimensão temporal inferior à da requisição.
9) Não há razões materiais para proceder a uma distinção de tratamento interpretativo entre pessoal convidado a lecionar na Universidade, posto que a situação de transitoriedade convidada é a mesma; estamos face a uma regularização de prestações de serviço transitórias que se eternizaram no tempo, com investimento em confiança nessa situação, sendo que o caso da Recorrente mais merece a regularização, não só pelo extraordinário lapso de tempo ocorrido, mas sobretudo pela inexistência de vínculo lícito, como sucede com os contratados que beneficiaram deste regime!
10) Assim, considerando o probatório, teleologicamente, verifica-se que a Recorrente, à data da entrada em vigor do DL n.º 205/2009, de 31/08, que aprovou o novo ECDU, exercia funções como Assistente Convidada na Recorrida UC (cfr. pontos 19 a 23 do probatório). Constata-se também que a Recorrente, à data em que conclui o Doutoramento/Programa Doutoral, em 27/02/2014 (cfr. ponto 30 do probatório), ainda mantinha o vínculo à UC, vínculo esse mantido há 14 anos (à data da entrada da ação), ut. sup., preenchendo largamente o módulo de tempo de cinco anos com vínculo à respectiva instituição de ensino superior (a que se refere o n.º 2 do art. 11.º do ECDU anterior ao DL n.º 205/2009). Assim, beneficiando do regime transitório previsto no art. 8.º, n.º 3 do DL n.º 205/2009, e, por conseguinte, por força daquele, do direito potestativo previsto no art. 11.º, n.º 2 do EDCU anterior à reforma de 2009.
11) Ao decidir diversamente, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento por afrontar de forma ostensiva os arts. 8.º, n.º 3 do DL n.º 205/2009, 11.º, n.º 2 do ECDU anterior àquele diploma, na materialidade ou teleologia que os mesmos encerram e que o art. 9.º, n.º 1 do Código Civil, também afrontado, determina que tenha que ser considerada na interpretação normativa; violando, bem assim, os princípios da igualdade (no sentido de não poder distinguir-se o que é materialmente idêntico), da razoabilidade e justiça, da boa-fé e proteção da legítima confiança (investimento de confiança que o período temporal de exercício de funções na UC encerra e que sai destroçado), da prossecução do interesse público (na dimensão ínsita àquelas normas, que expusemos); bem como, ainda, afronta o art. 69.º, n.ºs 1, 4, al. b) e 5 do ECD (limite temporal de quatro anos da requisição e necessidade de integração na carreira a partir desse limite temporal), tudo a impor a respetiva revogação.
12) Ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, a letra do n.º 3 do art. 8.º do DL n.º 205/2009 é inócua para o que tratamos, não podendo ou devendo constituir um subsídio, contra a principiologia e a teleologia da norma, que inculque uma interpretação distinta da que sustentamos. A epígrafe do preceito não afasta e antes quer abranger todas as situações de transitoriedade, a função do preceito não é estabelecer a previsão da sua aplicação em função do vínculo formal detido, mas antes estabelecê-la segundo as funções que eram exercidas (assistente ou professor convidado, como de resto vai na respetiva epígrafe), acresce ainda, portanto,...

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