Acórdão nº 083/22.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão083/22.2BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório


A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da Decisão Arbitral proferida no Processo 418/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida AA, melhor sinalizada nos autos, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, no Processo n.º 272/2021-T do CAAD, por a decisão recorrida ter considerado que os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro e constante da cláusula 3ª do respectivo contrato), não têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS.

Inconformada, a recorrente DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto a decisão arbitral que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral (ppa), proferida no processo n.º 418/2021-T (cf. doc. ... junto), por Tribunal Arbitral em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo sido notificado por comunicação eletrónica elaborada em 10-05-2022 (cf. doc. ... junto).
B. A decisão arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada na decisão arbitral, de 29-12-2021, proferida no processo arbitral n.º 272/2021-T, já transitada em julgado (cf. doc. ... junto), a qual constitui decisão fundamento dos presentes autos de recurso.
C. A Recorrente defende, com o devido respeito, que a decisão arbitral, no que respeita à decisão de mérito, incorreu em erro de julgamento, porquanto o Tribunal arbitral, em contradição total com a decisão fundamento, considerou que os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato), não têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS.
D. Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral e substituição por outra que cumpra o disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS.
E. In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que se prende em saber se os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3ª do respetivo contrato), têm ou não natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS, atento o disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS.
F. Estando reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos (na presente situação, decisões), máxime por estar em causa a mesma Requerente arbitral e a mesma questão controvertida.
G. A decisão arbitral recorrida consignou, como matéria de facto [cf. ponto 10 da mesma, alíneas a) a l)], em síntese, que a Recorrida foi uma das candidatas a ingressar no 5.º Curso para os Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF), tendo celebrado com o CEJ o contrato de formação a que se refere o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14/1, através do qual adquiriu o estatuto de auditor de justiça; entre janeiro e agosto de 2019 a Recorrida frequentou o 1.º ciclo do curso de formação teórico-prática e entre setembro e dezembro de 2019 iniciou o 2.º ciclo do curso de formação; durante o ano de 2019, foram emitidos pelo CEJ à Recorrida recibos referentes ao pagamento da bolsa de formação prevista no artigo 31.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2008, de 14/1, nos quais consta a referência “CATEGORIA: AUDITOR DE JUSTIÇA”.
H. De seguida, o Tribunal a quo delimita, para o que ora importa, a seguinte questão a decidir (cf. página 9 da decisão): «No caso dos presentes autos, considerando os factos descritos, a causa de pedir e o pedido formulado, constata-se que o Requerente convoca o tribunal arbitral para decidir uma questão de direito: saber se os valores recebidos a título de bolsa de formação, recebida durante a formação de auditor judicial, devem ser ou não considerados como rendimento para efeitos de incidência de IRS.»
I. Vindo com base em tal factualidade o Tribunal a quo decidir, em síntese, que a bolsa de formação atribuída aos Auditores de Justiça em formação no CEJ não tem natureza remuneratória, mas sim compensatória, entendendo que da existência de “um poder de direção por parte do CEJ” não resulta a caracterização de uma relação de emprego ou exercício de atividade suscetível de ser enquadrada em alguma das alíneas do artigo 2.º do CIRS, pois, no mínimo, seria necessário, ainda, que o CEJ usufruísse de vantagens económicas, para que a bolsa recebida devesse ser tributada em IRS, o que não sucede; pelo que, se conclui na decisão arbitral recorrida que a bolsa de formação recebida não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS.
J. E, assim sendo, não acolheu o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no processo n.º 272/2021-T, que constitui a decisão fundamento do presente recurso, tendo o Tribunal Arbitral decidido erroneamente quando concluiu que tais rendimentos estão excluídos de tributação.
K. Com efeito, na decisão fundamento consignou-se semelhante factualidade, atento estarmos perante a mesma Requerente arbitral, e a sua formação no CEJ como Auditora de Justiça após o ingresso no 5.º Curso para os TAF [cf. ponto 2.1 da matéria de facto da matéria de facto dada como provada] e, bem assim a mesma questão jurídica a dirimir, isto é, a tributação da bolsa recebida nesse âmbito.
L. Como se pode ler no ponto 4 do sumário desta decisão arbitral «A atividade exercida pelos auditores de justiça justifica que as mesmas sejam tributadas em sede de IRS, independentemente de serem ou não devidas contribuições para a Segurança Social.»
M. Para tanto entendeu, em síntese, que, no caso em concreto, o auditor está mesmo sob a autoridade ou direção efetiva de uma determinada entidade (sujeito ativo), sendo um dos pressupostos para que se verifique a incidência de IRS relativamente aos rendimentos obtidos, importando ainda notar que a bolsa recebida durante o período da formação representa uma contraprestação pecuniária, tendo periodicidade mensal, com os pagamentos dos 13º e 14º mês, à semelhança de qualquer trabalhador, o que faz com que esteja sob a alçada do artigo 2.º do CIRS e não na previsão do artigo 2.º-A, do mesmo diploma.
N. Ou seja, “Estando os auditores a desempenhar funções nos termos daquele regime jurídico, a bolsa de formação tem natureza de remuneração pecuniária, não tendo por finalidade compensar o auditor das despesas inerentes à formação mas de o remunerar para função desempenhada. A quantia atribuída mensalmente ao sujeito passivo está em conexão com o exercício da atividade profissional. Trata-se de uma atividade remunerada pela contrapartida do serviço prestado.”, não se podendo, ademais, comparar a bolsa atribuída ao auditor de justiça com outro tipo de bolsa de formação, não se reconduzindo a mesma a «prestações relacionadas exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores, quer estas sejam ministradas pela entidade patronal, quer por organismos de direito público ou entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes», nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 2.º-A do CIRS.
O. Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito na decisão recorrida e na decisão fundamento, existindo entre ambas uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão arbitral na parte recorrida, com substituição da mesma por nova decisão que julgue improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte correspondente.
P. A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a decisão arbitral viola o disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS, ao considerar que a bolsa de formação atribuída aos Auditores de Justiça em formação no CEJ não tem natureza remuneratória, mas sim compensatória, pelo que, assim sendo, esta não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto.
Q. Com efeito, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo e tal como se entendeu na decisão fundamento, o CEJ procedeu corretamente à retenção na fonte dos valores pagos à Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça...

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