Acórdão nº 0766/19.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-03-09

Ano2022
Número Acordão0766/19.4BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

“A………, S.A. - Sucursal em Portugal”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 18-09-2020, que julgou procedente a pretensão pela mesma deduzida, condenando a Entidade Demandada a reapreciar o pedido formulado pela Autora em conformidade com os pressupostos constantes da norma contida no art. 75º do CIRC à data vigente, apreciando os estudos e documentos apresentados pela mesma para demonstrar a validade da operação de cisão-fusão em causa, cumprindo com o escopo da norma à luz das Directivas europeias aplicáveis, no presente processo de ACÇÃO ADMINISTRATIVA relacionada com o acto de indeferimento do pedido de utilização de prejuízos fiscais de estabelecimento estável/sucursal da B…….. em Portugal, em resultado de cisão-fusão em 2013 da sociedade em que se integrava, B………, S.L. – B………. (extinta em processo de cisão-fusão), enquanto entidade beneficiária da transferência patrimonial e de actividade nessa cisão-fusão, e contra o indeferimento de recurso hierárquico, proferido em 07-01-2019, pelo Director Geral da AT, ao abrigo da alínea p) do nº 1 do art. 97º do CPPT, e dos arts. 10º nº 2 e 4 e 50º e ss do CPTA.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) Estava em causa na acção administrativa saber se era ou não de autorizar a continuação da utilização (também chamada de transmissão) de prejuízos fiscais de sucursal (estabelecimento estável na linguagem fiscal) em Portugal de uma sociedade espanhola (a B………) em 2013 cindida-fundida (no seu todo, incluindo tudo o que estava em Espanha) para/com duas sociedades espanholas que tinham também sucursal em Portugal, uma das quais a Autora nesta acção (cfr. factos provados sob A) e C)).

B) Estava e está, pois, em causa, a correcta aplicação do disposto no artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC (anterior artigo 69.º), na redacção em vigor em 2013.

Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, foi violado o Direito comunitário na decisão de indeferimento adoptada pela AT

C) Uma sociedade nacional, cujo centro de gravidade esteja em Portugal, verá as fusões em que entre apreciadas para efeitos fiscais, designadamente a sua racionalidade económica (“razões económicas válidas), do ponto de vista da empresa/sociedade como um todo, e muito bem, porque é a empresa/sociedade como um todo (e respectivo balanço) que está a ser fundida e não apenas um qualquer departamento ou unidade da mesma.

D) Pelo contrário, no caso dos autos as sociedades espanholas participantes igualmente como um todo em cisão-fusão, não foram vistas como um todo pela AT, que artificiosamente concluiu não existirem razões económicas válidas para a operação olhando exclusivamente para uma pequena parcela (ou departamento), com património líquido negativo, do todo da sociedade fundida envolvido na fusão. Isto é, olhando exclusivamente para a sucursal em Portugal (e respectivo balanço), dessa empresa/sociedade espanhola.

E) Ao aferir da negatividade do património transmitido na cisão-fusão ficcionando que só estaria em causa a transmissão de pequena parcela (negativa) situada em território português, do todo transmitido (positivo), a AT, e com ela o Estado português, violaram o Direito comunitário e a finalidade por ele expressamente prosseguida com a Directiva 2009/133 (e antes dela a Directiva 90/434): a tutela do interesse comunitário, a tutela do mercado interno e da sua progressiva construção livre das barreiras e cálculos nacionais.

F) Mas mais ainda, violou a AT, e com ela o Estado português, a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

G) Efectivamente, ao negar a existência de razões económicas válidas na operação em análise, assente apenas nos efeitos da mesma em território português (situação líquida negativa da pequena - face ao todo - parcela da sociedade em território português), a AT e a sua decisão de indeferimento violam o princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artigo 49º do TFUE.

H) É, para além de tudo o mais, discriminatória em detrimento de “não-nacionais”, e por isso viola o artigo 49.º do TFUE, a regra instituída pela AT na Circular n.º 7/2005 (E, embora irrelevante para este caso concreto, é igualmente discriminatória a norma legal criada, na sua peugada, no ano de 2014, isto é, no ano seguinte ao aqui em causa (cfr. o a norma do n.º 4 do artigo 75.º do CIRC introduzida pela Lei n.º 2/2014).), na interpretação dela efectuada pela AT segundo a qual quando se esteja perante um estabelecimento estável de uma sociedade não residente (mero braço / departamento / sucursal) este haveria de ser tratado para efeitos do critério (também ele da lavra da AT) da negatividade do património como se a sociedade não fosse mais do que isso, quando tal não sucede na fusão de uma sociedade portuguesa, em que departamento algum (ou sucursal no estrangeiro) é tomado pelo todo sob fusão.

I) Importa, pois, concluir que o Tribunal a quo errou quando não viu uma violação do direito comunitário nesta perspectiva da análise da AT (que levou ao indeferimento do peticionado pela Autora), focada exclusivamente na sucursal, dirigida a apurar da existência de razões económicas válidas em operação de fusão que envolveu muito mais que essa sucursal.

Incumprimento pela sentença do Tribunal a quo, do regime constante dos artigos 66.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 95.º, n.ºs 5 e 6, do CPTA, violando e aplicando prater legem os preceitos aí contidos

J) Em primeiro lugar há que assinalar que a justificação na parte decisória da sentença (sua pág. 32) que pretende servir de ferramenta lógica/psicológica ao Tribunal a quo, na sua decisão de devolver o poder de decisão ao órgão administrativo, qual seja a justificação de ausência de apreciação pela AT da documentação entregue pela Autora, não encontra assento na matéria de facto dada como provada na sentença.

K) E se por absurdo a AT não examinou a documentação, foi porque não quis, sendo que isso em nada modifica os deveres do Tribunal, porquanto a lei processual chega ao ponto de prescrever que “[a]inda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido.” (cfr. artigo 71.º, n.º 1, do CPTA).

L) Indo agora directo ao que verdadeiramente importa, o direito processual contemporâneo, administrativo e tributário, não permite que nas circunstâncias do caso (ausência de discricionariedade administrativa) seja este apenas o papel, predominantemente passivo, simplesmente anulatório (eliminar apenas o que não pode ser, sem se meter no que deve ser) do Tribunal.

M) Ainda recentemente, aliás, a propósito do processo tributário da impugnação judicial, o STA a afirmar isso mesmo: o Tribunal Tributário não pode simplesmente anular a decisão da AT sobre um pedido de revisão oficiosa, devolvendo à AT o poder de decidir com outros fundamentos.

N) Tem de apreciar e decidir ele próprio, se o acto de liquidação de imposto cuja apreciação estava em causa, se deve manter ou se deve ser eliminado (cfr. o acórdão do STA de 16.09.2020, proferido no processo 01438/16.7BELRS 01386/17).

O) Em sede de acção administrativa, a concretização do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (incluindo, em devido tempo), impede também que o Tribunal se limite a anular a decisão da Administração, com alheamento da fixação do que deve ser pela positiva, e consequente permissão para que o vazio criado seja preenchido de acordo com novo ditame da Administração, sob pena de violação (em que incorre a sentença recorrida) dos artigos 66.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.º 1, e 95.º, n.º 1, do CPTA.

P) Sendo que só quando se verifique a previsão normativa dos artigos 71.º, n.º 2, e 95.º, n.º 5, do CPTA, deverá o Tribunal abster-se de decidir definitivamente a contenda.

Q) Ora, a este respeito é hoje pacífico, julga-se, que a aplicação do artigo 75.º n.º 2, do CIRC (anteriormente artigo 69.º), não envolve a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, ou de outro modo, aliás, o enxameado de conceitos de outras disciplinas que não as legais, que colonizam o direito fiscal, fariam desde ramo do direito, contra os princípios constitucionais que o enformam (da legalidade e da tipicidade), um ramo subtraído em grande medida à jurisdição plena dos tribunais.

R) Na aplicação do artigo 75.º, n.º 2, do CIRC, está simplesmente em causa a aplicação de conceitos legais, conceitos erigidos em critério de decisão pela lei, que nenhuma margem de manobra conferem ao aplicador da lei para adoptar decisões em função de considerações de oportunidade ou conveniência administrativa, de adoptar decisões em função de valorações políticas ou de valorações próprias da função administrativa.

S) Mas ainda que assim não fosse (e é), o segundo e cumulativo requisito da norma em causa (artigos 71.º, n.º 2, e 95.º, n.º 5, do CPTA) não dá cobertura à decisão adoptada na sentença do Tribunal a quo de se abster de dirimir a questão de fundo.

T) Com efeito, o que estava em causa dirimir implicava a aplicação de conceitos acolhidos pela lei, maxime o de razões económicas válidas, que não são legalmente passíveis de mais do que uma solução: perante as circunstâncias do caso, ou se conclui que há suficiência de razões económicas válidas, ou se conclui que não há.

U) A AT concluiu que não havia, com a fundamentação que entendeu que justificava essa conclusão, e ao Tribunal cabia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT