Acórdão nº 0739/12.8BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-04-21

Data de Julgamento21 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão0739/12.8BEAVR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A…………, notificada da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida dos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Tendo apresentado alegações, aí aduziu as seguintes conclusões:

«I. A Recorrente entende que, face à matéria de facto dada como provada, que se aceita e que aqui não se põe em crise, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do Direito.

II. Não obstante não se colocar em crise a matéria de facto dada como provada, não pode deixar de se chamar a atenção para a circunstância de a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento ter sido completamente desconsiderada na sentença,

III. Uma vez que tal circunstância ajuda a perceber a razão pela qual o Tribunal a quo aderiu completamente ao entendimento da AT sobre a questão do preenchimento dos pressupostos legais para a qualificação material da actividade da Recorrente como profissão paramédica, para efeitos de isenção de IVA.

IV. Em relação aos fundamentos do recurso, o Tribunal a quo errou, desde logo, ao não declarar a existência de um vício de forma por deficiente fundamentação do Relatório Final de Inspecção Tributária.

V. Ao contrário do que consta da sentença, o ponto 10.3 do referido Relatório Final (vide ponto 12 dos factos provados), não cumpre as exigências legais que nesta sede se impunham à AT, na medida em que nesse segmento do Relatório, a AT se limita a fazer uma aplicação sui generis do DL 320/ 99, de 11 de Agosto,

VI. mas não o interpreta de forma a permitir ao sujeito passivo compreender e apreender a conclusão de que a Recorrente se encontra sujeita a IVA.

VII. À AT não bastava copiar os fundamentos do sujeito passivo, antes os devendo rebater de forma fundamentada - o que claramente não sucede, em nenhum segmento do Relatório Final, nomeadamente no seu ponto 10.3.

VIII. Mostra-se, assim, violado o disposto no art. 268.º da CRP, bem como o n.º 7 do art. 60.º da LGT e ainda no art. 8° do CPA.

IX. Incorria sobre a AT a obrigatoriedade de ter em conta os elementos novos carreados para o processo de inspecção tributária pela ora Recorrente, a fim de os apreciar e mencionar, de forma clara e congruente, na fundamentação da sua decisão.

X. A omissão da AT constitui vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de conduzir à anulação da decisão de procedimento,

XI. pois violou uma formalidade absolutamente essencial imposta pelo n.º 1 do art. 60.º da LGT, pelo n° 1 do art. 100° do CPA, mostrando ainda infringidos os art. 7.º e 8.º do CPA, bem como o art. 268.º e art. 267.º, n° 4, da CRP, disposições que a sentença do tribunal a quo igualmente desrespeita ao não anular a decisão de procedimento.

XII. Sem prescindir, o Tribunal errou ao decidir que os factos provados eram insuficientes para a qualificação da profissão exercida pela Recorrente como profissão paramédica, e por isso isenta de IVA nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9.º do CIVA.

XIII. O Tribunal a quo subscreve uma interpretação das disposições legais aplicáveis e é integralmente formalista e literal, desconsiderando completamente que a factualidade revela que a que a actividade que a Recorrente desempenha é, substancialmente, uma actividade paramédica, nos termos das disposições legais em causa.

XIV. Resulta dos factos provados que a Recorrente é Mestre em Física Médica e possui uma pós graduação em Física Médica, exercendo as funções de Física Médica desde que concluiu a sua formação superior e iniciou a sua actividade profissional, em vários hospitais da especialidade, já então há mais de 5 anos (ponto 6 dos factos provados).

XV. E que exerce a Física Médica na Radioterapia e da Medicina Nuclear (ponto 7 dos factos provados).

XVI. A responsabilidade da Recorrente enquanto Física Médica passa por proteger o paciente e todos os profissionais de saúde das unidades Hospitalares onde exerce as suas funções dos efeitos nocivos da radiação ionizante; estabelecer protocolos que asseguram a correcta dosimetria; manter e caracterizar os feixes de radiação assim como as fontes radioactivas; determinar a dose efectiva de radiação a aplicar; garantir a qualidade da imagem de diagnóstico e de apoio à actividade terapêutica; desenvolver e aplicar programas de garantia de qualidade.

XVII. Não podendo haver dúvidas que a Recorrente, enquanto Física Médica (e não exercendo qualquer outra actividade sujeita a IVA), pratica uma actividade paramédica, pelo que não pode deixar de estar abrangida pela isenção do artigo 9.°, n.º 1 do CIVA,

XVIII. O que não é posto em causa pelas disposições pertinentes do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho e pelo Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, numa interpretação que seja não formalista e coerente com a ratio legis dis preceitos em causa.

XIX. Pelo contrário, os factos provados (pontos 8 e 9 - vide também a documentação para que os mesmos remetem) revelam que a actividade desempenhada pela Recorrente se encontra a coberto das áreas de actuação do DL 261/93, de 24.07.

XX. De facto, a Recorrente exerce funções de Física Médica, na área da RADIOTERAPIA (tratamento de doenças oncológicas com radiação ionizante) e da MEDICINA NUCLEAR (diagnóstico e tratamento de doenças por ex., carcinoma da tiróide, hipertiroidismo e metástases de carcinoma da tiróide utilizando fontes radioactivas), estabelecendo critérios para a correcta utilização da radiação ionizante na medicina e contribuindo para o desenvolvimento das técnicas terapêuticas, efectuando cálculos dosimétricos, protocolos de aplicação da radiação, calibração e monitorização dos equipamentos entre outros, garantindo assim que os pacientes recebem correctamente a dose prescrita.

XXI. Qualquer uma destas funções se encontra expressamente referida no ANEXO ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, concretamente nos pontos 9. e 15.

XXII. Pelo que deve entender-se que a actividade é paramédica, o que implica que seja enquadrada no artigo 9.º do CIVA para os devidos e legais efeitos,

XXIII. Sem prescindir, mesmo que se pudesse entender que a actividade da Recorrente não seria uma actividade paramédica, mas simplesmente uma actividade assimilada ou acessória de actividade paramédica - o que só por hipótese de exposição se aceita - a própria AT já entendeu que as operações assimiladas ou acessórias também devem ser classificadas de paramédicas - veja-se o Despacho do Subdirector-Geral de 26.02.1986, Informação n.° 295/86, em que se decidiu que (cfr.doc. n.º 30, junto com impugnação judicial).

XXIV. Certo é que de lado algum do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24.07, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, resulta que a Recorrente deveria ter um reconhecimento legal da respectiva profissão, sendo que do artigo 2.º apenas resulta que deve ser titular de carteira profissional, o que é caso, dado que possui Mestrado em Física Médica, o que lhe permite o acesso concreto à profissão.

XXV. Impunha-se ao Tribunal a quo fazer uma interpretação actualista dos vetustos decretos-leis em que a AT se fundou para emitir as liquidações anulandas,

XXVI. E não decidir, em linha com a AT, nos termos de uma interpretação formalista arreigada a uma exigência de reconhecimento legal da profissão, quando ficou cabalmente demonstrado que a Recorrente é substancialmente uma especialista em Física Médica, porque reúne os requisitos para o efeito.

XXVII. Por fim, o Tribunal a quo não retirou qualquer consequência da alegação da Recorrente de que se deveria aplicar ao caso concreto o princípio da prevalência da substância sobre a forma.

XXVIII. Ora, muito embora seja certo que o princípio em causa tem o seu campo de aplicação por excelência no âmbito do campo da fraude à lei, nele também se pode ler um valor mais abrangente do ordenamento jurídico-fiscal,

XXIX. em conjugação com o princípio da igualdade fiscal, de modo que "situações substancialmente semelhantes, análogas, devem ser alvo de idêntica tributação, sob pena de violação das mais elementares exigências de justiça social. Os imperativos decorrentes da estrita legalidade fiscal devem assim ceder perante as exigências de equidade." (João Nuno Calvão da Silva, Elisão fiscal e cláusula geral anti-abuso, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, ano 66 - Vol. II (Set. 2006), disponível em www.oa.pt).

XXX. Nesse sentido, decorrendo dos factos provados que a actividade que a Recorrente desempenha é, substancialmente, uma actividade paramédica, a situação concreta impõe que se conclua que a actividade exercida sempre se encaixa na matriz de uma actividade paramédica para efeitos restritos do DL 261/93 e, por isso, deve entender-se que a mesma encontra amparo no n.º 1 do art. 9.º do CIVA, sob pena de se mostrar violado, também, o princípio da justiça material.

XXXI. Em suma, a Recorrente entende que, face à matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do Direito,

XXXII. Violando a norma do art. 9.º, n.º 1 do CIVA, mostrando-se a decisão também contrária aos artigos art. 60.º da LGT, n.º 1 do art. 100° do CPA, art. 7.º e 8.º do CPA, art. 268.º e art. 267.º, n° 4, da CRP, art. 9.º, n.º 1 do CIVA,

XXXIII. Além de não proceder a uma correta aplicação aos factos provados do regime decorrente do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho e do Decreto- Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, nomeadamente, no caso deste último do seu artigo 4.°, n.º 1, f). 

XXXIV. Assim, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, anulando-se as liquidações adicionais de IVA aqui em causa e os respetivos juros compensatórios, devendo ser reconhecido o direito da Recorrente à indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53.º ...

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