Acórdão nº 0713/21.3BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-04-21

Data de Julgamento21 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão0713/21.3BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

A…………, melhor identificado nos autos, requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), processo cautelar contra a RTP – RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA, tendo em vista a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Geral Independente, que convidou a equipa constituída por B…………. e C……….., demandados como contra-interessados, a apresentar projecto estratégico da empresa para os próximos três anos, com vista à sua futura indigitação como membros do Conselho de Administração da requerida.
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Por sentença de 15 de Julho de 2021, o TAC de Lisboa declarou-se absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar do mérito da presente providência cautelar e absolveu os requeridos da instância
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O requerente apelou para o TCA Sul, e este por acórdão proferido a 04 de Novembro de 2021 negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
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O requerente/recorrente, inconformado, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
« A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, em matérias de relevância social e jurídica que justificam a intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo.
A relevância jurídica essencial das questões “sub judice” resultam do facto de estar em causa o critério da existência (ou não) de um litígio sobre uma relação jurídica administrativa resultante de uma decisão e de um procedimento público especial de seleção e nomeação, adotado por um órgão social extraordinário da empresa pública que detém a concessão exclusiva do serviço público de rádio e televisão em Portugal.
O douto acórdão “a quo” ignorou a especial configuração orgânica da RTP, desenhada pelo acionista (único) Estado, que criou um órgão especial, o CGI, a quem delegou poderes de autoridade de intervenção nos procedimentos e decisões de gestão da RTP.
O douto acórdão “a quo” pronuncia-se tendo por base o modelo eletivo da fase final do processo de escolha dos membros do Conselho de Administração da Recorrida, quando o objeto dos presentes autos é a apreciação dos atos e procedimentos ocorridos na fase anterior à eleição daqueles membros, que configuram a natureza jurídica de um verdadeiro processo público de seleção e nomeação sujeito ao cumprimento de princípios e normas de direito público.
O presente recurso visa assim a reavaliação de um acórdão que ignorou essa especial configuração orgânica e os excecionais poderes públicos atribuídos pelo Estado ao CGI, bem como o especial processo de seleção e nomeação definido por este órgão para a escolha dos membros do Conselho de Administração da RTP.
O entendimento lavrado no acórdão “a quo” abre a porta à criação de zonas juridicamente desreguladas e imunes a qualquer controlo contencioso nas decisões no setor empresarial do Estado, em violação dos princípios fundamentais da legalidade da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente previstos no artº 266º e no nº 4 do artº 268º CRP, e com desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Com efeito,
A Recorrida é uma empresa pública e integra o setor público empresarial, nos termos e para os efeitos dos artºs. 1º, 5º, 13º nº 1 a) e 14º e seguintes do DL nº 133/2013, de 3-10.
A Recorrida é a concessionária exclusiva do serviço público de rádio e televisão, através do contrato de concessão celebrado com o Estado em 6-3-2015.
O Estado delegou no Conselho Geral Independente (CGI) os seus poderes de supervisão e fiscalização do cumprimento das obrigações do serviço público de rádio e televisão previstos no contrato de concessão, cabendo-lhe, designadamente o poder de escolher o conselho de administração e respetivo projeto estratégico para a sociedade, bem como definir as linhas orientadoras às quais o mesmo projeto se subordina.
10º Para tanto, o Estado, através de ato legislativo, concretamente na Lei que aprova os Estatutos da RTP, delegou no CGI as competências de exercício de poderes públicos para aqueles fins.
11º Quando desenvolvem atuações no espaço em que se encontram investidas de poderes públicos, as entidades privadas ficam submetidas ao direito administrativo.
12º No caso “sub judice”, a deliberação impugnada resulta dos poderes públicos delegados pelo Estado no CGI, enquanto órgão de supervisão e fiscalização que assegura o cumprimento dos interesses públicos no quadro do contrato de concessão de Serviço Público de Rádio e Televisão, designadamente através do exercício do seu poder de escolha dos membros do conselho de administração da RTP.
13º No exercício destes poderes, o CGI está vinculado às normas de direito públicos aplicáveis, designadamente aos princípios gerais da atividade administrativas previstos no Código de Procedimento Administrativo, cujo cumprimento (ou incumprimento) é da competência da fiscalização da jurisprudência administrativa.
14º O procedimento público especial de seleção e designação dos administradores da RTP, adotado pelo CGI, não pode decorrer de acordo com um modelo de atuação informal e desvinculada de qualquer juridicidade, como se tratasse de uma zona juridicamente desregulada e imune ao controlo contencioso.
15º A deliberação do CGI no âmbito dos seus poderes jurídico-públicos de órgão de supervisão e fiscalização das obrigações de serviço público e de escolha dos membros do Conselho de Administração da RTP, é um ato administrativo impugnável, nos termos e para os efeitos do artº 51º nº 1 CPTA.
16º A exclusão da candidatura do Recorrente resulta de um procedimento instituído pelo CGI em que os membros a designar para o Conselho de Administração da Requerida não são escolhidos através de eleição, mas de um procedimento público de seleção e nomeação administrativa da responsabilidade do CGI, por delegação legislativa de poderes do Estado, que para tanto adotou e fixou requisitos gerais e especiais de seleção e avaliação.
17º À luz dos Estatutos da RTP, a designação dos membros do seu Conselho de Administração não resulta de um ato de gestão privada, mas de um ato de gestão pública que obedece a princípios e regras de direito público.
18º No exercício das suas competências e poderes, o CGI está obrigado a respeitar os princípios fundamentais da atividade administrativa e as regras legais aplicáveis aos procedimentos em que intervém (cfr. artº 266º nº 2 CRP e artº 2º nºs 1 e 3 CPA).
19º O CGI está vinculado no exercício das competências de fiscalização e supervisão do cumprimento das obrigações do serviço público, aos princípios fundamentais consagrados nos artºs. 3º a 19º CPA.
20º E no que diz respeito ao procedimento público de seleção e nomeação dos membros do conselho de administração da Requerida, o CGI está obrigado a cumprir os princípios e normas legais que regulam a designação de gestores públicos, consagrados no D.L. nº 133/2013, de 3-10, no D.L. nº 71/2007, de 27-3, e no art.º 2º do Despacho nº 6061/2020, de 4-6 (cfr. artºs 21º e 32º nº 4 do D.L. nº 133/2013, de 3-10).
21º Assim, a designação dos membros do Conselho de Administração da Requerida, por deliberação do CGI, localiza-se no espaço de vinculação do direito administrativo.
22º Cabe aos tribunais, em nome do...

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