Acórdão nº 0706/12.1BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão0706/12.1BEAVR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – C... – Sociedade Imobiliária, S.A. e AA, ambos com os sinais dos autos, propuseram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, contra o Município da Anadia e Presidente da Câmara Municipal da Anadia, igualmente com os sinais dos autos, acção administrativa comum de responsabilidade civil extracontratual, na qual formularam o seguinte pedido: “[…] sejam os Réus condenados a pagar uma indemnização aos Autores por todos os danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, e também danos não patrimoniais, que se vierem a apurar em liquidação de sentença, em consequência dos actos e omissões praticados, acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, dado neste momento não ser possível indicar qual o prejuízo total e definitivo que a Autora terá de suportar pela omissão legislativa da não aprovação do Plano de Pormenor da Zona Industrial de Alféloas e também pelo atraso no início da sua elaboração, bem como decorrentes dos actos de concorrência desleal que apenas pararam em Outubro de 2010, com a prolação da sentença respectiva, e por último por todos os danos ambientes sofridos pelos AA. pelo ataque violento dos RR sobre áreas REN e de máxima infiltração; e sejam os Réus condenados em custas processuais, procuradoria e custas de parte, de acordo com o artigo 26.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) […]».

2 – Por sentença de 13.12.2021, o TAF de Aveiro julgou deserta a instância.

3 – Inconformados, os AA. recorreram daquela decisão para o TCA Norte, que, por acórdão de 23.06.2022, negou provimento ao recurso.

4 – É desta decisão que o A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 24.11.2022, a admitiu.

5 – Os Recorrentes apresentaram alegações que remataram com as seguintes conclusões:
«[…]

5. Os AA., aqui Apelantes, não se podem conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que decidiu negar provimento ao recurso interposto pelos Apelantes, e confirmar a sentença de 1.ª instância que decidiu julgar extinta a instância por deserção, porquanto o mesmo é ilegal, nos termos que se expendem adiante.

6. Ora, o que interessa aqui apreciar é se de facto houve negligência por parte dos Apelantes ou se, em alternativa, se verificaram situações de força maior, não imputáveis aos Apelantes, de natureza excecional e que causaram grande dor e angústia aos Aqui Apelantes, irmãos dos 4 irmãos falecidos, sucessivamente, no período de dois anos, que justificam que não se trata de uma conduta negligente, mas antes uma situação condicionada por acontecimentos excecionais e atípicos.

7. Ou seja, a instância apenas se pode considerar deserta se se provar que houve negligência das partes.

8. Ora, de todo o processo e da documentação junta não resulta que tenha havido negligência, muito pelo contrário, o que resulta são acontecimentos extraordinários e excecionais, que são as mortes sucessivas de 4 irmãos, Autores no processo, e irmãos dos aqui Apelantes.

9. Da documentação junta aos Autos, designadamente todas as certidões de óbito dos 4 irmãos, Autores, falecidos entre 8 de Janeiro de 2019 e 8 de dezembro 2020, comprovam que não se trata de “negligência” dos irmãos sobrevivos, Autores Apelantes, mas antes de uma situação extraordinária, atípica e excecional que justifica um tratamento excecional.

10. Não se percebe, tão pouco como o Julgador considerou provada a negligência das partes e como formou o seu iter cognoscitivo para tal conclusão.

11. Parece sim, que o Julgador a quo faz uma inversão do iter cognoscitivo, ou seja, parte do princípio e da asserção não fundamentada que houve negligência e depois conclui que sendo assim se está perante uma situação de deserção da instância.

12. O Acórdão sob recurso é desde logo ilegal, por erro na apreciação e aplicação do Direito aos factos, dado que não se verificam os pressupostos previstos no Artigo 281.º do CPC, aplicável ex vi do Artigo 1.º do CPTA, para que opere a deserção da instância.

13. Com efeito, nos termos do n.º 1 e n.º 4 do Artigo 281.º do CPC, para que seja declarada a deserção da instância, não basta que o processo esteja estado parado há mais de seis meses a aguardar impulso processual da parte, mas também, que tal deserção da instância seja declarada por decisão judicial.

14. Diferentemente, e porque resulta expresso do disposto no Artigo 281.º, n.º 1 e n.º 5 do CPC, no âmbito do processo executivo, a deserção da instância opera, “independentemente de decisão judicial”, pelo que, resulta assim claro da redação do Artigo 281.º do CPC, que o legislador pretendeu distinguir o regime da deserção nas Ações declarativas e nas Ações executivas.

15. Por outro lado, a maioria da jurisprudência e doutrina, tem atribuído um efeito constitutivo à sentença de declaração da deserção da instância, em conformidade com o previsto no n.º 1 e n.º 4 do citado Artigo 281.º do CPC.

16. Ora, o atual regime da deserção da instância veio introduzir profundas alterações ao pretérito regime previsto no então revogado Código de Processo Civil de 1961, cujo regime relativo à interrupção e deserção da instância, vinha previsto nos Artigos 285.º, 286.º e 291.º do CPC de 1961 então revogado, e que pressupunha a prévia interrupção da instância, sendo certo que a instância só se interrompia se o processo estivesse parado durante mais de um ano, e só seria considerada deserta após dois anos desde a interrupção, o que na prática, implicava que a negligência das partes apenas fosse sancionada, ao final de três anos.

17. O atual Artigo 281.º do CPC veio introduzir um regime mais severo para sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, dado que, para além de ter encurtado o prazo de deserção de dois anos para seis meses, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses sem passar, portanto, pelo patamar intermédio da interrupção da instância.

18. Por outro lado, e no que releva para o caso sub judice, diferentemente do que ocorria no regime anterior, em que a instância se considerava deserta “independentemente de qualquer decisão judicial” (cfr. Artigo 291.º, n.º 1 do CPC revogado), no regime atual, exige-se que a mesma seja declarada por Decisão judicial (cfr. n.º 4 do atual Artigo 281.º do CPC).

19. Assim, no direito atual, a deserção implica uma decisão judicial com efeito constitutivo e, por isso, enquanto a mesma não for judicialmente declarada, a inércia da parte ainda não releva, podendo esta praticar o ato omitido, ainda que fora do tempo previsto na lei.

20. A propósito do Regime da deserção, expendia o Insigne Professor Alberto dos Reis, a propósito de idêntica disposição do CPC de 1939, o seguinte: “A deserção não se produz automaticamente, ´ope legis`; depende de ato do juiz, produz-se ´ope judicis`, visto que demanda uma sentença de declaração. Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal...

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