Acórdão nº 0701/18.7BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13-12-2023

Data de Julgamento13 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão0701/18.7BEALM
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A..., Lda, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de maio de 2023, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, no valor global de € 193 142,96.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) O presente Recurso tem como objecto o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 701/18.7BEALM, que correu os seus termos na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (“Acórdão Recorrido”)

B) A RECORRENTE deduziu Impugnação Judicial contra o acto de liquidação de IRC, atinentes aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, centrando a sua defesa na ilegalidade dos actos de liquidação contestados, baseada nos seguintes argumentos:

(i) a violação do princípio do inquisitório e da justiça ao longo da inspecção tributária;

(ii) o erro na determinação da matéria colectável; e

(iii) a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

C) Dispõe o artigo 285.º, n.º 1 do CPPT que, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, apenas poderá haver, excecionalmente, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando:

a) esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou

b) a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

D) Relativamente ao primeiro requisito – o de estarmos perante uma questão com relevância jurídica –, o mesmo deverá ser apreciado, de acordo com a jurisprudência, não perante o interesse teórico ou académico da questão, mas perante o seu interesse prático e objetivo, medido pela “utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular (…) e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo número 0509/12, datado de 11 de julho de 2012).

E) Por seu turno, a relevância social fundamental da questão verificar-se-á quando estiver em causa uma questão que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio e se detete um interesse comunitário significativo na resolução da questão (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo número 01487/12, datado de 17 de janeiro de 2013).

F) Em suma, tanto a importância jurídica da questão, como a sua relevância social têm sido entendidas pela jurisprudência como verificadas sempre que a questão decidenda se revista de uma relevância manifestamente prática, considerando a suscetibilidade de a questão controvertida se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, a que a mesma obrigue (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo número 01108/11, datado de 7 de Março de 2012).

G) Quanto ao segundo requisito – o da necessidade de garantir a melhor aplicação do direito –, a verificação do mesmo resulta da possibilidade de repetição da questão subjacente ao processo noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se, por esse motivo, a intervenção do órgão de cúpula da justiça – papel assumido, quanto à matéria em causa, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no ordenamento jurídico nacional – como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação das normas jurídicas.

H) Tendo presente o supra exposto, importa, desde logo, notar que a reapreciação do teor do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul configura uma situação que, a título excecional, deverá ser reexaminada, por configurar uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental.

I) A questão em apreço, referente à dispensa de prova testemunhal, considerada essencial pela RECORRENTE, e a relação desta com a eventual verificação e consequente violação, do princípio do contraditório e do princípio do inquisitório, trata-se de uma questão cuja relevância jurídica e social decorre, em especial, da frequência com a qual situações como a dos presentes autos se repetem no ordenamento jurídico, não sendo raras as vezes em que a divergência de entendimento que o Tribunal, por um lado, e as partes, por outro, têm acerca da relevância, essencialidade e importância da prova testemunhal, dão origem ao condicionamento de comprovação e demonstração dos factos que se pretendem ver provados.

J) Sendo certo o ónus de prova que assiste a quem alega, a verdade é que esse ónus deve ser exercido na sua plenitude sem condicionamentos e limitações. No fundo, tem de ser dada, de facto, a possibilidade de se poder comprovar e demonstrar a factualidade que se alega, sem que do mesmo modo, se limite os meios à disposição dos sujeitos processuais que têm sobre si essa responsabilidade.

K) Além disso, a dispensa de provas, requeridas pelas partes, e que não se revelem, claramente, dilatórias ou inúteis, sempre terá de ser feita mediante despacho devidamente fundamentado, o que, salvo o devido respeito, igualmente, não se verificou. No caso dos presentes autos, a dispensa da prova testemunhal, claramente, limita os meios de defesa e as possibilidades de demonstração dos factos alegados pela RECORRENTE.

L) Sendo inegável a relevância da prova documental, a verdade é que a prova testemunhal tem, sobretudo quando diz respeito a testemunhos de carácter técnico e que visam corroborar o que pode não resultar claro dos documentos juntos aos autos, como in casu, tem uma importância reforçada que deverá ser devidamente valorada.

M) Contudo, ao contrário do que se esperaria, de forma generalizada e corrente, tal tipo de prova tem sido menosprezada e desvalorizada pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, condicionando, inevitavelmente, a defesa e demonstração que as partes pretendem fazer.

N) Destarte, cristalizar na ordem jurídica um entendimento de acordo com o qual se considere preenchido o princípio do contraditório, simplesmente por se ter dado oportunidade às partes de indicarem os factos da petição inicial sobre os quais pretendem que incida a inquirição das testemunhas, poderá originar, em última instância, uma negação do princípio do contraditório e de efectiva possibilidade de exercício do ónus de demonstração dos factos que configuram fundamento da acção.

O) O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico como uma motivação natural, por um lado, da garantia da acção e da defesa e, por outro, como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias, que merecem tutela constitucional e que se materializam, no domínio jurisdicional, pela garantia de, por via da acção e da defesa as partes terem o direito de, querendo, utilizarem os direitos de prova que a lei coloca à sua disposição. Perante a impossibilidade de produzir prova testemunhal, a RECORRENTE vê-se perante uma manifesta e insuportável, dificuldade em alcançar o objecto probandi, impossibilitada de demonstrar os factos que suportavam os seus direitos ou interesses.

P) Tal condicionamento, ou limitação, de impossibilidade, na prática, de produção de prova testemunhal, é manifestamente condicionadora da real aplicação do princípio do contraditório. Assim, a não admissão da produção da prova testemunhal no âmbito dos presentes autos configura uma limitação dos meios de defesa, alegação e demonstração da factualidade que sobre si recai, traduzindo-se numa clara violação do princípio do contraditório.

Q) Em face do exposto, entende a ora RECORRENTE que – embora não sejam cumulativos – ambos os requisitos legais exigidos pelo artigo 285.º, n.º 1, do CPPT se encontram preenchidos no caso vertente.

R) Entendeu o Tribunal recorrido negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, determinando a manutenção das liquidações impugnadas e condenando, em consequência, a RECORRENTE nas custas do processo.

S) O...

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