Acórdão nº 0693/20.2BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20-12-2023

Data de Julgamento20 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão0693/20.2BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. “A...”, Entidade Demandada (Adjudicante) nos presentes autos, veio interpor recurso de revista do Acórdão proferido, em 2/8/2023, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 3299 e segs. SITAF), que confirmou a sentença proferida, em 7/7/2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cfr. fls. 3038 e segs. SITAF), a qual julgando procedente a presente ação administrativa de contencioso pré-contratual, proposta pela concorrente preterida “B..., Lda.” contra o ora Recorrente e as Contrainteressadas (adjudicatárias em agrupamento) “C... ACE” e “D..., S.A.”, declarou a anulação do artigo 22º do Programa de Concurso e o ato de adjudicação, no âmbito do concurso público limitado por prévia qualificação, lançado em setembro de 2019, para a celebração de um “acordo-quadro para a prestação de serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento, destino final de resíduos hospitalares e fornecimento de consumíveis”, para vigorar durante 3 anos e com uma preço base de 18.000.000,00€.

2. O Recorrente, Entidade Demandada (Adjudicante) “A...”, concluiu as suas alegações pela seguinte forma (cfr. fls. 3337 e segs. SITAF):

«1. Nos termos do artigo 150.º, número 1., do CPTA a admissibilidade do recurso de revista encontra-se condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. No caso sub judice, entende o RECORRENTE que o presente recurso é admissível, no âmbito das duas vertentes legalmente previstas e supra enunciadas.
3. Estamos perante conceitos indeterminados que têm vindo a ser preenchidos através de critérios valorativos pela formação de apreciação preliminar a que se refere o número 6., do artigo 150.º do CPTA.
4. A questão central em apreciação nos presentes autos prende-se, assim, com a admissibilidade e legalidade dos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação.
5. Como se sabe a admissibilidade dos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação trata-se de matéria que se reveste de extrema complexidade e que não tem sido objeto de tratamento uniforme na jurisprudência e na doutrina.
6. Essa complexidade e a divergência de posições doutrinárias é bem patente nas diversas decisões proferidas tanto a nível nacional, como pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
7. Questão que tem suscitado diversos entendimentos prende-se com a distinção entre critérios de adjudicação das propostas e critérios de seleção qualitativa, sendo esta uma questão fundamental nos presentes autos.
8. Se é verdade que, no que concerne à questão específica de saber se a ponderação da experiência e das qualificações dos membros da equipa técnica a afetar ao contrato enquanto fator do critério de adjudicação, se encontra já amplamente pacificada na jurisprudência da União e na jurisprudência nacional - Vide “Acórdão Ambisig” do TJUE, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.04.2015, no Processo n.º 0835/13, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.04.2015, no Processo n.º 01248/13, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.04.2015, no Processo n.º 0840/13 -, a verdade é que no que concerne a fatores atinentes a valor técnico, caraterísticas funcionais, ambientais, condições de fornecimento, ou de organização não se encontra, ainda, suficientemente tratada, o que, necessariamente, propicia uma ampla incerteza e insegurança jurídicas.9. Aliás, como se espelha nos presentes autos, dos quais resulta que o Tribunal de Círculo de Lisboa e o mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, decidem agora em perfeito confronto com as decisões proferidas pelos mesmos Tribunais, no âmbito do Processo n.º 2324/17.9BELSB, que correu os seus trâmites no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Unidade Orgânica 2, envolvendo, igualmente a RECORRIDA e o ora RECORRENTE.
10. A capacidade de expansão da controvérsia da questão decidenda adquire a sua força por via da elevada probabilidade de o mesmo problema poder vir a verificar-se num número indeterminado de situações de outros processos de contratação pública, atenta a relevância que os fatores e subfactores densificadores do critério de adjudicação assumem nos procedimentos de contratação pública.
11. A presente causa merece assim uma terceira apreciação que será decisiva enquanto entrave à expansão da controvérsia, designadamente por a questão em causa estar revestida de características passiveis de serem repetidas em casos futuros, funcionando assim como um modelo cuja solução poderá ficar sedimentada e ser um guia para a própria configuração de procedimentos pré-contratuais semelhantes por parte de entidades adjudicantes, incluindo para o ora RECORRENTE.
12. Termos em que deve o presente recurso ser admitido.
13. O RECORRENTE não pode conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que, com o devido respeito, procede a uma errada aplicação do direito e viola o disposto no artigo 75.º, números 1., e 3., do CCP, como se passa a demonstrar.
14. Como ponto prévio, importa dar-se por assente que, tendo o procedimento iniciado em julho de 2019, é-lhe aplicável o CCP na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
15. O presente procedimento de contratação pública trata-se de um concurso limitado por prévia qualificação.
16. Como se sabe, este procedimento integra a fase de apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos e a posterior fase de apresentação e análise das propostas e adjudicação.
17. Os requisitos mínimos que podem ser fixados pelas entidades adjudicantes encontram-se previsto, não taxativamente, no artigo 165.º do CCP, do que decorre que o legislador conferiu às entidades adjudicantes uma ampla margem de discricionariedade na fixação dos requisitos mínimos de capacidade técnica, o que permite que as entidades adjudicantes, atento o interesse público que visam satisfazer por meio da celebração do contrato, possam determinar os requisitos mínimos que sejam necessários à prossecução do interesse público afastando desde logo os candidatos que não obedeçam a um grau mínimo de exigência.
18. Não sendo, no entanto, de admitir-se requisitos que, de forma injustificada ou desproporcionada violem o princípio da concorrência.
19. No caso sub judice, o RECORRENTE estabeleceu como requisitos mínimos de qualificação, essencialmente, aqueles que decorrem das disposições legais que regulamentam as atividades objeto concurso, potenciando a concorrência.
20. Na fase seguinte do procedimento, tendo já em vista a apreciação das propostas, com vista à melhor execução do contrato, o RECORRENTE, tendo definido como critério de adjudicação a modalidade de melhor relação qualidade-preço, nos termos do disposto no artigo 74.º, número 1., do CCP, densificou o critério de adjudicação nos termos previstos no artigo 22.º do programa do procedimento.
21. Sendo que todos os fatores e subfactores estabelecidos pelo ora RECORRENTE tiveram por objetivo proceder à avaliação das propostas, tendo em conta a concreta execução do contrato, valorando-se os concretos meios que os concorrentes, nos termos das propostas apresentadas, se dispõem a afetar à execução do contrato.
22. Trata-se aqui de apreciar e valorar as propostas dos concorrentes, os meios específicos que vão executar o contrato e já não as qualidades dos concorrentes.
23. Com efeito, aqui reside o fundamental dissídio quanto às decisões proferidas pelas instâncias anteriores que consideraram, erradamente, que os fatores e subfactores determinados pelo RECORRENTE se destinavam a avaliar as qualidades dos concorrentes, quando assim, manifestamente, não é.
24. A questão coloca-se na necessária distinção entre os critérios de seleção qualitativa e os critérios de adjudicação das propostas.
25. Os requisitos a exigir na fase de qualificação dos candidatos são requisitos de caráter geral, ao passo que na fase subsequente, de avaliação das propostas, podem ser exigidos aos candidatos requisitos relacionados com a concreta execução do contrato, tais como os exemplificados no n.º 2 do artigo 75.º do CCP (vide ACÓRDÃO 10/2021 – 20.ABR – 1ªS/SS do Tribunal de Contas).
26. Sendo que a doutrina e a jurisprudência dominantes têm entendido que a determinação de fatores e subfactores de ordem técnica que tenham em vista avaliar os meios que vão, em concreto, ser afetos pelos concorrentes à execução do contrato não são violadores do disposto no artigo 75.º, números 1., e 3., do CCP e, bem assim, do artigo 67.º da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.
27. O Tribunal Geral da União Europeia já se pronunciou, por diversas vezes, quanto à compatibilidade da consideração da experiência dos proponentes, do seu pessoal e do seu equipamento enquanto fator integrante do critério de adjudicação das propostas.
28. Em 1995, no Acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, de 28.03.1995, proferido ainda na vigência da Diretiva 77/62/CEE, o Tribunal de Justiça admitiu que fosse tido em conta na adjudicação um critério baseado no proponente, no caso, a sua capacidade para assegurar a segurança e a regularidade do abastecimento de um medicamento, considerando-o compatível com o disposto na diretiva.
29. No plano da jurisprudência europeia releva, em especial, o Acórdão Ambisig no qual se apreciou a possibilidade de se atender à composição da equipa e experiência das pessoas que serão afetas à execução do contrato, e do qual a principal conclusão a retirar é a de que a avaliação dos meios técnicos ou humanos a afetar à execução de um contrato não equivale à avaliação do concorrente, mas...

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