Acórdão nº 066/21.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23-11-2022

Data de Julgamento23 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão066/21.0BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. BANCO A………., S.A., com os demais sinais dos autos, notificada do acórdão proferido por este Tribunal, datado de 23 de Março de 2022 e constante a fls. 759 a 791 do SITAF deduziu reclamação para a secção do Contencioso Tributário (cfr. fls. 802 a 815) alegando o seguinte:
1. A Requerente foi notificada do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Venerando STA que julgou procedente o recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) do acórdão arbitral proferido no processo n.º 810/2019-T.
2. Entende, todavia, que o referido Acórdão padece de nulidades em dois planos distintos conforme passaremos a demonstrar.
PRIMEIRO PLANO: Da nulidade do Acórdão quanto aos requisitos de admissibilidade do recurso interposto pela AT
3. O recurso para uniformização de jurisprudência foi interposto pela AT do acórdão arbitral proferido no processo n.º 780/2019-T (CAAD), servindo-lhe de «acórdão fundamento» o proferido por este Venerando Tribunal no processo n.º 0485/17, de 15.11.2017 e, “acessoriamente no processo n.º 052/19, em 04.03.2020” (cfr. alegações da AT).
4. Ou seja, como qualquer recurso de uniformização de jurisprudência, é necessário que se especifique qual o acórdão que servirá de fundamento (o «acórdão fundamento») e que estará alegadamente em contradição com o «acórdão recorrido».
5. E a AT assim o fez tendo identificado dois «acórdãos fundamento», a saber, o proferido no processo n.º 0485/17, de 15.11.2017, e “acessoriamente” (?) no processo n.º 052/19, em 04.03.2020.
6. A aqui Requerente, nas respectivas contra-alegações (cfr. artigos 14.º e ss.), invocou que, neste caso em concreto, muito diferentemente do que sucedeu em outros processos que com este se poderiam confundir, a questão fundamental de direito acolhida não está em contradição com os dois «acórdãos fundamentos» especificados pela AT no seu recurso.
7. Recordamos, em síntese, que o Tribunal Arbitral, no acórdão recorrido, considerou que “O ónus da prova dos pressupostos do direito de obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, nos termos da alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, assiste à Administração Tributária”,
8. porquanto “a jusante do ónus da prova que incide sobre o contribuinte quanto aos factos que constituem o fundamento do seu direito à dedução, e a montante do ónus da prova que igualmente assiste àquele de demonstrar que o método da afectação real com “condições especiais” imposto pela AT não é adequado a evitar, ou agrava, as “distorções na concorrência”, situa-se o ónus da prova daquela de que, no caso, “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”.
9. É que, pela primeira vez, o tribunal arbitral analisou a questão sob outro prisma (que não, repisasse, o estrito prisma dos «acórdãos fundamentos») o que conduziu a uma decisão favorável à Requerente partindo de outra questão de direito, a saber, a do ónus da prova que compete, em primeiro lugar e a montante, à AT e só de seguida, a jusante, ao contribuinte.
10. O que implica a conclusão de que não se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
11. Isto mesmo acabou por ser reconhecido pelo Voto de Vencido lavrado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Gustavo Lopes Courinha no Acórdão proferido no processo n.º 74/21.0BALSB, na mesma data, e cuja leitura se recomenda.
Posto isto:
12. Analisando-se, agora, o Acórdão sob escrutínio, no que contende com a análise da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, pode ler-se o seguinte:
Na presente decisão arbitral, o coletivo afasta-se da jurisprudência uniforme e constante deste STA sobre a questão “da consideração, ou não, do total do montante da renda (componente de capital – amortizações – e componente de juro) relativo às operações de locação financeira e ALD, incluindo os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, no cálculo do pro rata relativo aos recursos de utilização mista “(enunciada como questão a decidir a fls. 705 do processo arbitral). Isto porque entendeu considerar “por dever de ofício” um suposto ónus da prova “ a montante” a cargo da Administração Tributária “de demonstrar os factos constitutivos do direito de impor condições especiais”, a saber, o da “verificação de distorções significativas na tributação na utilização do pro rata”, dever esse que julgou incumprido e que lhe permitiu a anulação das liquidações em aparente – mas apenas aparente – respeito pela jurisprudência consolidada do órgão de cúpula da jurisdição (cfr. fls. 732 e ss. do processo arbitral).
O referido expediente não logra, porém, obstar à aplicação da jurisprudência do STA, num caso que é absolutamente similar a dezenas de outros entretanto já decididos e que por isso deverá ter tratamento igual, sob pena de injustiça.
É que este STA já decidiu que cabe ao sujeito passivo “alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização de bens ou serviços mistos não é sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos” - cfr. Acórdão do Pleno de 20 de janeiro de 2021. Proc. n.º 0101/19.1BALSB -, sendo este o único ónus da prova que reconhece impor-se no caso dos autos, e mais nenhum outro.
(cfr. pp. 22 e 23 do Acórdão; o realce é nosso).
13. Se bem entendemos, este Venerando Tribunal, no Acórdão proferido nestes autos, reconhece que o Tribunal Arbitral terá decidido o pedido arbitral em sentido favorável à Requerente porque, citando o Acórdão, considerou «“por dever de ofício” um suposto ónus da prova “a montante” a cargo da Administração Tributária», que não terá sido cumprido por esta.
14. De seguida, o STA chama à colação o acórdão proferido no processo n.º 0101/19.1BALSB, que não é um dos dois «acórdãos fundamentos» convocados pela AT no recurso que interpôs.
15. No Acórdão proferido no processo n.º 0101/19.1BALSB, o STA analisou a seguinte questão:
No plano abstrato, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio ofício circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objetivo. No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
À primeira questão se refere expressamente o parecer para que o Acórdão Arbitral remete ao anotar que o ofício circulado não fornece qualquer explicação para a solução ali adotada.
Porém, e não existindo – nem sendo invocada – nenhuma regra formal que imponha no lançamento dos ofícios o conteúdo cuja falta se assinala, a crítica só pode ter sido apontada à sua substância.
Sempre se dirá que não nos parece totalmente correto dizer-se que o ofício circulado se tenha dispensado de toda e qualquer explicação. Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adotado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.
Quanto à substância do critério adotado no ofício circulado já nos pronunciamos acima, valendo-nos da sindicância do Tribunal de Justiça (num caso paralelo, pelo que pode ser para aqui convocado): não se pode concluir em abstrato que não possa ser o mais adequado.
Mas, sobretudo, não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade (parágrafos 30 e 31 do supra citado...

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