Acórdão nº 0655/16.4BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08-11-2023
Data de Julgamento | 08 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 0655/16.4BEBRG |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Braga, constante a fls.69 a 76-verso do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação visando os actos de liquidação adicional de I.R.C. e juros compensatórios, relativos aos anos fiscais de 2011 e 2012 e no montante total de € 28.138,13.X
RELATÓRIO
X
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.81 a 86 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:A-A recorrente contabilizou e incluiu no apuramento do lucro tributável dos exercícios de 2011 e 2012 gastos nos montantes respetivamente de € 26 360,00 e de € 74 000,00 que diziam respeito ao exercício de 2010.
B-Considerando que o facto referido na conclusão anterior apenas conduziu ao aproveitamento tardio em 2011 e 2012) dos gastos de cujo efeito o sujeito passivo poderia usufruir em 2010 – do referido facto não resultou prejuízo para o Estado.
C-Mesmo que, como aliás é o caso, o reconhecimento dos gastos em 2010 conduza ao apuramento de prejuízo nesse exercício de 2010, que o sujeito passivo agora pretende aproveitar por via do reporte para os exercícios de 2011 e 2012 – a conduta do sujeito passivo continua a não ocasionar prejuízo para o Estado.
D-A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procedeu a um procedimento de inspeção e desconsiderou os referidos gastos em 2011 e em 2012, acrescendo-os ao lucro tributável apurado pelo sujeito passivo – sem questionar a sua autenticidade e estribando-se unicamente no desrespeito pelo princípio da especialização dos exercícios.
E-Não deduziu tais gastos ao lucro exercício de 2010 a que deveriam ter sido imputados.
F-E processou liquidações adicionais de IRC quanto a 2011 e a 2012, na sequência das correções supra referidas.
G-A Recorrente impugnou tais liquidações, argumentando
− em primeira linha – que em obediência ao princípio da justiça, deveria ser desconsiderado o princípio da especialização dos exercícios, que é subsidiário daquele; e
− em segunda linha – que, caso assim não se entendesse, a AT deveria corrigir o lucro tributável declarado pelo sujeito passivo quanto ao exercício de 2010 – que passaria a prejuízo – e, por via do reporte de prejuízos nos termos do art.º 52.º, especialmente n.º 4, do CIRC, anular e/ou corrigir as liquidações adicionais que processou quanto aos exercícios de 2011 e de 2012 e que vêm impugnadas.
H-A douta sentença em recurso negou procedência a qualquer dos argumentos da recorrente – sendo que, quanto ao primeiro (a subsidiariedade do princípio da especialização dos exercícios relativamente ao princípio da justiça e consequente prevalência deste sobre aquele), se louva, de direito, nas disposições do art.º 18.º do CIRC e, de facto, na circunstância de os gastos não serem desconhecidos em 2010.
I-Ora, as disposições legais e os factos a que, assim, a sentença se estriba dizem respeito ao regime do próprio princípio da especialização dos exercícios e não à resolução de conflitos entre este e o princípio da justiça – pelo que a sentença incorre em erro quanto à fundamentação de facto e de direito da sua decisão, nesta parte.
J-A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo não tem também razão quando refere que “Não pode, portanto, a impugnante argumentar que o princípio da periodização de exercícios, que não questiona que foi afrontado, e que este princípio é subsidiário ao da periodização dos exercícios [quereria dizer “ao da justiça”], caso contrário a coberto do princípio da justiça ou proporcionalidade tudo seria permitido.
K-A impugnante, agora recorrente, reivindica a relevância do princípio da justiça em desfavor do princípio da especialização dos exercícios porque, no caso, aquele sai efetivamente prejudicado pela aplicação deste – de modo nenhum se podendo concluir que a interpretação que sustenta conduzisse a que “tudo seria permitido”.
L-A Jurisprudência, conforme casos supra referidos nos FUNDAMENTOS a título exemplificativo, vem efetivamente reconhecendo a prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios.
M-E quanto à imputação – agora: ao tempo do procedimento de inspeção – dos gastos a 2010 e subsequente reporte dos prejuízos para 2011 e 2012, a douta sentença sustenta a decisão de improcedência essencialmente na vigência na ordem jurídica da liquidação processada pelo sujeito passivo e nas regras de caducidade do direito à liquidação, invocando o art.º 45.º da LGT.
N-Ora, quanto à vigência da liquidação processada pelo sujeito passivo, claro que assim é, enquanto a mesma não for anulada/alterada por nova liquidação processada nos termos legais – anulação/alteração que inclusivamente pode fazer com que um lucro (positivo) declarado se transforme num prejuízo corrigido.
O-E quanto às regras de caducidade, o que o art.º 45.º/n.º da LGT, invocado pela Meritíssima Juíza, proíbe é que se façam liquidações adicionais decorridos que sejam quadro anos sobre aquele a que respeita a liquidação,
P-Enquanto o art.º 52.º/4, dispondo especificamente sobre o reporte de prejuízos e correlativos efeitos nas liquidações de imposto, estabelece que, efetuadas correções aos prejuízos, se corrija o seu reporte e as subsequentes liquidações dos períodos seguintes, com a limitação de que não se procederá a liquidação ou anulação se tiverem decorrido mais de quatro anos relativamente àquele a que o lucro respeite.
Q-A disposição do art.º 52.º/n.º 4 do CIRC não limita quanto ao ano de ocorrência dos prejuízos a reportar, mas quanto ao ano relativamente ao qual se pretenda efetuar anulação ou liquidação de imposto.
R-E a disposição do art.º 45.º/n.º1 da LGT nem sequer regula quanto ao tempo para efetuar anulações, apenas dispondo quanto à caducidade do direito à liquidação.
S-Por respeito pelos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade – quanto a este especialmente pela tomada em conta das instruções que a AT determinou aos seus serviços pelo ofício circulado n. 14/93, que a sentença refere – impunha-se que fosse corrigido o lucro/prejuízo de 2010, processando subsequentemente o reporte de prejuízos e corrigindo as liquidações que vêm impugnadas, na hipótese de não se entender que não era caso de simplesmente, por apelo ao princípio da justiça, aceitar os gastos quando foram reconhecidos, em 2011 e 2012.
T-Assim, a sentença incorre também em erro de direito quando nega a anulação/correção das liquidações impugnadas por via da aplicação do regime de reporte de prejuízos.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso. X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.92 a 105 do processo físico).X
Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.71 a 73 do processo físico):FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
1-A impugnante, no exercício de 2011 e 2012 contabilizou despesas/gastos com prestações de serviços pela B... e incorridos no exercício de 2010 – Facto não controvertido.
2-Em 2011 a impugnante apresentou declaração dos rendimentos de 2010, tendo sido liquidado IRC que pagou – Facto não controvertido.
3-Em 2015 a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, credenciada pelas ordens de serviço n.ºs OI201502258 e OI201502259 para os anos de 2011 e de 2012, da Direcção de Finanças de Braga – Cf. fls. 56 do PA.
4-No âmbito da acção inspectiva referida em 03), foram feitas correcções à matéria tributável de IRC de natureza meramente aritmética nos valores de € 26.360,00 para o exercício de 2011, e € 74.000,00 para o exercício de 2012 – Cf. fls. 61 do PA.
5-A acção inspectiva atrás referida teve origem no cruzamento (com divergências) entre o anexo P da declaração anual dos anos 2011 e 2012 do sujeito passivo, e o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO