Acórdão nº 0629/20.0BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-03-23

Ano2023
Número Acordão0629/20.0BELLE
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. A..., LDA, inconformada com o acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que havia interposto da sentença do TAF de Loulé que julgara improcedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual que intentara contra o MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA e em que eram contra-interessadas a B... LDA. (doravante B...) e a C..., LDA. (doravante C...), dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
A. Andou mal o douto Acórdão recorrido, a fls. 42 e 43, após transcrever as normas dos artigos 53.º, 54.º, 56.º n.º 1 e 57.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), ao concluir que a proposta apresentada em exclusivo pela Contrainteressada B..., deve ter-se como apresentada em agrupamento, com a Contrainteressada C....
B. Violando de forma grave a lei substantiva, face ao teor da respetiva proposta adjudicada, dada como assente em E. e F. do probatório e dos demais documentos que a acompanham, designadamente o DEUCP assente em G.
C. A própria entidade adjudicante, por decisão de 04/11/2020, inicialmente adjudicou a proposta como sendo apenas da contrainteressada B... (facto assente em V., a fls. 27) não obstante os esclarecimentos prestados por esta em sentido divergente (facto assente em P) e, só na sequência de impugnação administrativa da Autora e Recorrente, por decisão de 03/12/2020 (factos assentes em DD. e EE., a fls. 31) o Réu passou a considerar para efeitos da adjudicação anterior, o alegado consórcio constituído pelas Contrainteressadas.
D. O Acórdão recorrido faz uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 53.º e 56.º, n.º 1 do CCP, trazendo para a contratação pública a total incerteza jurídica – afirmando que a proposta adjudicada não prima pela perfeição, mas que as falhas não são motivo de exclusão.
E. E mais: Não explica com que lógica aceita como integrando a proposta formal o âmbito subjetivo (de concorrentes) que consta de um documento que acompanha ou instrui a proposta, denominado Acordo Promessa de Constituição, quando, como resulta do documento intitulado pela própria recorrente como “proposta” da Contrainteressada B... assente em F), a mesma encontra-se datada de 5 de agosto de 2020 e o acordo-promessa de constituição de consórcio se mostra datado de 10 de agosto de 2020 (facto assente em K).
F. Por outro lado a proposta adjudicada pelo ato impugnado, que correspondente a uma declaração negocial formal, apenas é apresentada expressa, clara e inequivocamente pela concorrente B... (factos assentes em E. e F.), tal como também é patente que o único DEUCP apresentado, em substituição da declaração anexo I- e exigido pelo artigo 8.º do Programa do Concurso, para efeitos de aceitação do caderno de encargos, é apenas dessa mesma concorrente B... (facto assente em G. e documento n.º 3 da petição).
G. O que, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, se dúvidas houvesse (e não deviam existir), concorre para a interpretação segundo a qual quem é o concorrente e se declarou como tal é precisamente o operador que apresentou o DEUCP, nos termos dos artigos 236.°, n.° 1 e 9.º, n.° 2, do Código Civil.
H. Não podendo a autoria da proposta, à luz do disposto nos artigos 53.° e 56.°, n.° 1 do CCP, alargar-se a qualquer outro operador económico que não se tenha obrigado a nada perante o Réu, não tenha declarado preço, nem condições, não tenha no fundo apresentado a proposta, nem o seu DEUCP (artigo 57°, n.° 1 alínea a) e n.° 6 do CCP), mas cujo nome conste de um qualquer outro documento que acompanhe ou instrua a proposta, designadamente um acordo promessa de consórcio ou agrupamento..
I. Seria a total subversão, aceite pelo douto Acórdão recorrido, das regras da contratação pública acima expostas e dos princípios norteadores plasmados no artigo 1.°-A, n.° 1 do CCP, em particular dos princípios da legalidade, imparcialidade, tutela da confiança, transparência, sã concorrência, igualdade de tratamento e não discriminação.
J. A aceitação, pelo ato impugnado, confirmada no Acórdão recorrido, de uma proposta putativa formulada em agrupamento, para além de não ter no conteúdo da mesma o mínimo de correspondência expressa, contrariando-a frontalmente, acarreta para o próprio Réu perigos ou problemas futuros de execução de contrato - designadamente não podendo vir a exigir mais tarde da Contrainteressada C... qualquer obrigação, designadamente as previstas nas cláusulas 5.ª, 6.ª e 7.ª, do Caderno de Encargos, porquanto perante a entidade adjudicante esta não apresentou qualquer proposta e a nada se vinculou! Se o Réu quiser aplicar uma penalidade contratual a esta entidade, a mesma poderá defender que nem sequer se obrigou a nada perante o Réu. E a verdade é que foi mesmo assim.
K. Ao decidir em sentido contrário, admitindo que um documento, que nem sequer é o DEUCP, mas sim um documento complementar e instrutório à proposta, altere os seus termos e o seu âmbito subjetivo de concorrente(s), o douto Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 53.°, 56.° e 57.° do CCP, bem como os princípios consignados no artigo 1 ,°-A do CCP, conforme alegado, impondo-se a anulação dessa decisão e o provimento do recurso, anulando-se o ato de admissão de tal proposta e de adjudicação impugnado, de 04/11/2020 e de 03/12/2020, mais se devendo consequentemente reconhecer o direito da Autora à adjudicação do objeto do procedimento e à celebração do contrato.
L. A questão não está em saber se a C…. se vinculou ou não validamente, ou seja, se a B... podia vincular a C… (daí tal questão, embora de conhecimento oficioso nos amplíssimos termos do artigo 95.°, n.° 3 do CPTA, não tenha qua tale sido suscitada) - ao invés, está em saber se esta C… (por si ou representada) declarou perante o Réu, para os efeitos do disposto no artigo 56.° n.° 1 do CCP, o que quer que fosse suscetível de corresponder a uma declaração séria, firme e clara e inerente manifestação perante o Réu da sua vontade de contratar e do modo pelo qual se propõe fazê-lo (incluindo obrigações, preço e condições).
M. Surge o contrato promessa de consórcio, é certo (facto assente em K.) o único documento em que esse outro operador económico surge como declarante, mas nem o mesmo identifica em concreto o concurso e o objeto do procedimento dos autos, de tal modo que torne evidente que o mesmo visa o procedimento dos autos e não qualquer outro que corresse junto do município Réu (e veja-se que a proposta é de dia 5 de agosto de 2020 e esse documento é posterior), nem - ainda que assim fosse - de tal documento resulta inequivocamente a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo”.
Por outro lado,
N. O douto Tribunal recorrido concluiu, igualmente em erro de direito e clamorosa violação de lei, que a Contrainteressada podia validamente - como provado em P., apresentar esclarecimentos (em resposta à audiência prévia da Autora) aí afirmando textualmente a Contrainteressada que no presente procedimento a B... apresenta-se em consórcio a ser constituído posteriormente com a C..." (v. facto assente em P., a fls. 23).
O. Cometendo grave violação do disposto no artigo 72.°, n.° 1 e 2 do CCP.
P. É o Acórdão recorrido que, textualmente, a fls. 45 refere que o declarado entra em contradição” com o teor do acordo de promessa de consórcio, para por fim concluir que o que disse que entrava em contradição, afinal não contradiz nem modifica subjetivamente a proposta, mas clarifica-a.
Q. Perante a dúvida colocada pelo Júri, a Contrainteressada B... poderia ter esclarecido, por exemplo, que juntou o Acordo Promessa de Consórcio por lapso e que, como resulta da proposta, a mesma só é da sua titularidade. Mas não: em sede de esclarecimentos, solicitados ao abrigo do disposto no artigo 72.° do CCP, comunicou ao Júri do procedimento que, afinal, se apresentava em Consórcio.
R. O artigo 72° do CCP não tem por fito suprir erros, omissões, contradições ou insuficiências das propostas, mas apenas e tão só, aclarar ou fixar o sentido de algum elemento menos apreensível, desde que não altere o conteúdo da proposta ou os elementos que com ela tenham sido juntos e dela façam parte integrante, sob pena de violar o princípio da estabilidade (objetiva e subjetiva), imutabilidade e intangibilidade das propostas, enquanto decorrência do princípio da concorrência, plasmado no artigo 1.° - A do CCP.
S. Em momento algum da proposta da Contrainteressada B..., enquanto declaração formal essencial ao procedimento, é possível extrair, ainda que imperfeitamente expressa, a vontade negocial séria, firme e irrevogável de uma outra entidade, a Contrainteressada C.... Em momento algum esse outro operador económico se obrigou ao que quer que fosse.
T. Ao assim proceder, aceitando em esclarecimentos uma verdadeira modificação subjetiva da proposta, o tribunal recorrido interpretou erradamente o disposto no artigo 72.°, n.° 2, do CCP, o princípio da estabilidade das propostas e o princípio da transparência, plasmado no artigo 1.°-A, n.° 1, do CCP.
U. Sendo que, ao contrário do decidido, perante o teor da proposta da Contrainteressada e os esclarecimentos prestados, era e é inexorável a exclusão da respetiva proposta, por violação do artigo 72.°, n.° 2, do artigo 70.°, n.° 2, alínea a) e do artigo 146.°, n.° 2, alíneas e), m) e o), todos do CCP.
V. Que o douto Acórdão em crise desaplicou, ao julgar improcedente o recurso e a impugnação dos atos administrativos de adjudicação, de 04/11/2020 e 03/12/2020, em causa nos autos.
W. Contra tal modificação da proposta, aceite ilegalmente pelo tribunal recorrido, milita igualmente uma refração do princípio da igualdade: no contexto da contratação pública tal princípio postula o tratamento não discriminatório...

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