Acórdão nº 0629/08.9BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão0629/08.9BELRS
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 - Alegações
A..., Lda, melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2002, com o nº ...81, no montante a pagar de 124.787,81€.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 300 a 330 do SITAF:
A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 23 de Março de 2022, no processo de impugnação judicial n.º 629/08.9BELRS, que correu termos junto da 3ª Unidade Orgânica daquele Tribunal, através da qual julgou o Tribunal a quo os presentes autos improcedentes.
B. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, ao ter assim decidido, e com os fundamentos ali enunciados, razão pela qual deve a mesma ser revogada por esse Tribunal e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável.
C. Sabe-se que, nos termos do preceituado nos art.°s 113.° e 114.°, do CPPT, o Juiz tem a faculdade de, segundo juízos de oportunidade, poder dispensar a produção da prova testemunhal arrolada, se considerar, segundo o seu prudente juízo valorativo, que os autos disponibilizam, em momento anterior à produção daquela (prova testemunhal), os elementos de facto necessários e bastantes à decisão de mérito a proferir, às luz das possíveis soluções de Direito.
D. Sucede, contudo, que, no caso dos presentes autos, não só não foi dispensada a realização da produção da prova testemunhal, como, efectivamente, a mesma foi produzida.
E. E aqui, salvo o devido respeito, sendo discutível ou não a necessidade de produção de prova testemunhal — o que processualmente sempre poderia ter tido lugar — não se alcança que a prova testemunhal tenha sido julgada necessária, produzida e, a final, desconsiderada na sua íntegra, sem qualquer fundamentação, que não seja a consideração que “(...) as questões que importam decidir são eminentemente e exclusivamente de direito”.
F. Não se vislumbra compatível que, por um lado, se confira ao Juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes, designadamente a testemunhal e, por outro lado, se sancione o entendimento que o processo apenas encerra questões de Direito, DEPOIS de produzida a prova testemunhal.
G. A sentença recorrida é omissa em qualquer fundamentação que justifique que a prova testemunhal tenha sido desconsiderada.
H. Salvo o devido respeito, depois de realizada a produção de prova testemunhal, admitida pelo Tribunal a quo, não bastará que se venha tardiamente, já em sede de Sentença, sufragar o entendimento que as questões a apreciar são exclusivamente de Direito, quando o processo não sofreu quaisquer alterações (desde o despacho que designou data para a realização da inquirição de testemunhas).
I. Mais ainda quando o Tribunal a quo teve prévio conhecimento da matéria de facto sobre a qual a Recorrente pretendia produzir prova testemunhal — e sobre a qual incidiu efectivamente a inquirição de testemunhas — como melhor resulta do seu requerimento de 10 de Maio de 2010.
J. Por esta ordem de razões, mal andou o Tribunal a quo, por um lado, quando admitiu a produção de prova testemunhal, para já em sede de Sentença acolher o entendimento que a apreciação dos autos se confinava a questões de Direito e, por outro lado, quando tão pouco fundamentou devidamente, conforme se lhe impunha, a total desconsideração da prova testemunhal produzida.
K. Por esta ordem de razões, padece a sentença de nulidade, atenta a falta de especificação dos fundamentos da decisão no que respeita à desconsideração da prova testemunhal (cfr. artigo 125.°, do CPPT),
L. Ou, assim se não entendendo — o que se configura ad cautelam — sempre deverá ser julgado que a Sentença recorrida padece de erro de Direito processual no que, em concreto, respeita à (desconsideração da) prova testemunhal.
Por outro lado,
M. Os casos em que legalmente se admite o recurso a métodos indirectos, por se considerar impossível determinar a matéria tributável de forma directa, encontram-se estabelecidos no artigo 88°, da LGT, sendo que dali resulta tratar-se de casos em que o contribuinte falha no seu dever de cooperação (cfr. artigo 59.°, n.°s 1 e 4, da LGT).
N. Incumbia ao Tribunal a quo apreciar se os factos e o Direito invocados pela AT para suportar a decisão de recorrer à avaliação através de métodos indirectos se apresentavam devidamente fundamentados e susceptíveis de se enquadrarem em alguma das hipóteses previstas no artigo 88.°, da LGT.
O. Sabe-se, o legislador determinou que o ónus de prova dos pressupostos de que depende o recurso a métodos indirectos recai sobre a AT e, em consequência, também recai sobre a mesma o ónus instrutório de trazer ao procedimento os factos que permitam concluir que a determinação da matéria tributável com base na escrita do sujeito passivo é inviável porque a mesma padece de irregularidades que lhe retiram toda a sua credibilidade (cf artigo 74.°. n.° 3, da LGT).
P. Dos autos não resulta provado que a contabilidade da Recorrente padeça de erros, omissões ou inexactidões, como, aliás, nem o podia, já que a inspecção em causa foi de âmbito interno.
Q. A AT não alegou (e menos provou) que a Recorrente tenha recusado exibir os documentos contabilísticos; a existência de contabilidade(s) paralela(s); nem sequer que o valor de mercado dos bens era claramente superior ao declarado em sede de escritura ou sequer que a Recorrente se tenha negado a entregar-lhe documentação que lhe houvesse sido pedida. R. O apuramento de uma “irregularidade” relativa a algumas fracções autónomas, de entre as muitas cujas vendas foram realizadas no período em questão, legitimaria a AT a operar uma correcção técnica, mas não a avaliar, sem mais, a matéria tributável por métodos indirectos.
S. In casu, não existe fundamentação que haja sido produzida pela AT, por forma a legitimar o recurso à aplicação de métodos indirectos.
T. Para lograr demonstrar que era impossível o apuramento directo do valor da venda (das várias fracções) a AT teria que carrear para o procedimento inspectivo indícios objectivos susceptíveis de conduzir à conclusão de que na venda das fracções a Recorrente procurou omitir proveitos inscrevendo na contabilidade um valor que não correspondia à contrapartida efectivamente recebida. A AT não logrou cumprir este ónus (que se lhe impunha).
U. Para que lograsse cumprir o ónus da prova que sobre ela recai, a AT teria que demonstrar quais as condições do mercado no ano em questão que conduziram à conclusão de que a Recorrente vendeu as referidas fracções por um valor superior ao que consta da contabilidade,
V. Não resultando provado nos autos que o tenha feito, é de concluir que não logrou cumprir o ónus que o artigo 74.°, n.° 3, da LGT.
W. O que a AT não podia ter feito, era a partir de discrepâncias relativas a algumas fracções, concluir pela omissão de proveitos em /‘f relação àquelas e a todas as restantes fracções vendidas.
X. Por esta ordem de razões, impunha-se ao Tribunal a quo decidir no sentido de que o recurso à aplicação de métodos indirectos não se encontrava devidamente fundamentado,
Y. E isto independentemente de ter sido deduzido, ou não, o pedido de revisão previsto no artigo 91 da LGT, já que a falta de fundamentação consubstancia matéria de Direito e que, nessa medida, não vê a sua apreciação vedada.
Z. Considerando as regras do ónus da prova — vide artigo 324.°, do CC e n.º 3 do art.° 74.° da LGT — competia à AT, recorrendo aos métodos indirectos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais da avaliação indirecta, demostrando, de forma clara, inequívoca e devidamente fundamentada, que a liquidação não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que, nessa exacta medida, o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
AA. E esta apreciação da fundamentação necessária e inerente à aplicação de métodos indirectos deveria ter sido feita pelo Tribunal a quo, já que a ausência de pedido de revisão não obstava a este julgamento.
BB. O pedido de revisão da matéria tributável apenas consubstancia condição de procedibilidade quando a impugnação tem por fundamento o erro na quantificação da matéria tributável ou o erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos e não quando se deva apreciar o vício formal de falta/insuficiência de fundamentação da decisão que aplicou os métodos indirectos e, bem assim, do critério utilizado pela AT na concretização dessa avaliação indirecta.
CC. Numa situação em que a AT recorre à tributação por métodos indirectos, não lhe basta demonstrar que o conteúdo da declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte; cabendo-lhe, também, demonstrar a impossibilidade de aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método directo e justificar o método indirecto escolhido (cfr. artigos 74.°, n.º 3, primeira parte, e 77°, n.º 4, da LGT).
DD. A Sentença recorrida não fez, portanto, correcta interpretação e aplicação do disposto no n.° 5, do artigo 86.°, da LGT e no artigo 117.°, do CPPT, impondo-se a sua revogação.
EE. Por outro lado, também os critérios acolhidos pela AT, no cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, padecem de erro e falta de fundamentação válida.
FF. Nos critérios acolhidos para as correcções com recurso a métodos indirectos, a AT não considerou os custos incorridos pela Recorrente e que, indubitavelmente, se mostraram necessários suportar com vista à realização de proveitos.
GG. Tratava-se, aliás, de uma obrigação da AT, no estrito cumprimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT