Acórdão nº 0611/10.6BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-02-01

Data de Julgamento01 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão0611/10.6BECBR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I. Relatório

1. Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), vem a UNIVERSIDADE DE COIMBRA recorrer do acórdão daquele tribunal datado de 17.01.2020, que, concedendo provimento à apelação interposta por AA da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (“TAF de Coimbra”) de 16.05.2014, revogou esta última e julgou procedente a ação administrativa especial intentada pela ora recorrida tendente à anulação da deliberação final do júri do concurso para provimento de um lugar de professor associado do Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, aprovada em 10.05.2010.

2. A autora, ora recorrida, foi opositora ao concurso documental para provimento de uma vaga de professor associado do Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, publicitado pelo Edital n° …/2009 (DR, II Série, n.º 21 de …), tendo ficado posicionada em 2.º lugar.
Inconformada, intentou no TAF de Coimbra ação administrativa especial, pedindo:
– A anulação da deliberação final do júri do concurso mencionado, nos termos da qual foram classificados e ordenados os candidatos e determinado o provimento do contrainteressado BB, posicionado em 1.º lugar da lista de classificação final;
– A condenação da Universidade de Coimbra a praticar o ato administrativo devido em substituição do ato impugnado, «através do qual ordene a abertura e a tramitação, até final, do mesmo Concurso, nos termos legais, designadamente no respeito pelas garantias e princípios constitucionalmente estabelecidos ou, sem conceder [...] a proferir [...] outra deliberação que considerando os vícios de erros nos seus pressupostos de facto de que está inquinada, classifique a Autora em primeiro lugar».
A autora imputou ao ato impugnado o vício de violação dos princípios da transparência, da imparcialidade e da igualdade de oportunidades (artigos 266.º, n.º 2, 59.º, 73.º, 74.º, 76.º, 81.º e 113.º, todos da Constituição e 6.º do CPA), o vício de falta de fundamentação, o vício de violação dos artigos 124.º e 125.º do CPA e de erro nos pressupostos de facto da ordenação dos candidatos decorrente da avaliação do contrainteressado BB.
Por acórdão de 16.05.2014, o TAF de Coimbra julgou a ação improcedente, por julgar não verificados os vícios imputados à impugnada deliberação do júri.

3. Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação para o TCA Norte, ao qual, como mencionado, este concedeu provimento pelo seu acórdão de 17.01.2020 – o acórdão ora recorrido –, revogou a decisão proferida pelo TAF de Coimbra e, em consequência, julgou procedente a ação administrativa especial e anulou a deliberação impugnada. Considerou-se no acórdão ora recorrido que, pese embora o edital de abertura do concurso procedera à divulgação atempada dos critérios de avaliação e de seleção, o mesmo é omisso quanto à ponderação dos parâmetros ou subcritérios a utilizar a propósito de cada um daqueles critérios, o que implicaria a ilegalidade dos termos do concurso por falta de fixação tempestiva do “sistema de classificação final”.

4. Notificado o acórdão às partes, vem a ré, não se conformando com o que foi decidido, interpor o presente recurso de revista, tendo no final das suas alegações formulado as seguintes conclusões:
«1.ª Vem o presente recurso de revista interposto do Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.01.2020, apenas no segmento em que decidiu que o ato objeto de impugnação padece do vício de violação dos princípios da transparência, da imparcialidade e da igualdade (arts. 266.º n.º 2 CRP), por não ter sido fixado no Edital de abertura do concurso o sistema de classificação final quanto aos subcritérios de avaliação.

2.ª O objeto do presente recurso e a questão à qual cumpre dar resposta incide exclusivamente na questão jurídica de aquilatar se, no âmbito de um procedimento concursal ao abrigo do ECDU, o sistema de classificação final se mostra estabelecido e se estão garantidos os princípios da transparência, da igualdade e da imparcialidade na apreciação e valoração do mérito dos candidatos, se o Edital fixar a ponderação a atribuir aos critérios de avaliação (mérito científico e capacidade pedagógica), ou se, como decidiu o Tribunal a quo, tais princípios apenas se acham garantidos se no Edital estiver também determinada a ponderação de cada um dos subcritérios que compõem os critérios de avaliação.

3.ª Justificando-se a intervenção do STA apenas em matérias de maior importância, na ótica da ora Recorrente é de extrema necessidade a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito, dada a importância inegável da questão jurídica aqui trazida, atendendo aos inúmeros procedimentos concursais lançados pela Universidade de Coimbra para ocupação de postos de trabalho, em concreto no âmbito da carreira docente, e pela necessidade imperiosa de obter uma interpretação conjugada das normas relativas aos procedimentos concursais previstas no regime legal constante do ECDU, com os princípios concursais plenamente vigentes consagrados no (embora já) revogado Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, de forma a definir se deve (ou não) o Edital dos concursos estabelecer, no sistema de classificação, a ponderação/valor de cada um dos subcritérios que compõem os critérios de avaliação, ou se para a garantia dos sobreditos princípios é suficiente que o sistema de classificação fixe a ponderação a atribuir aos critérios de avaliação.

4.ª A sobredita questão de direito foi já apreciada em dois processos em que é Autora a ora recorrida Doutora AA - processos n.ºs 769/14.5BECBR e 278/18.3BECBR (docs. 1 e 2 que se juntam) – tendo o entendimento vertido naquelas decisões de primeira instância ali proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, e já transitadas em julgado, sido unânime ao julgar que a inexistência de previsão de um sistema de classificação quantitativa para cada subparâmetro de avaliação especificado no Edital não redunda numa avaliação arbitrária ou que impeça o controlo da notação atribuída a cada candidato, pelo que está assim preenchido um dos pressupostos não cumulativos de admissibilidade previstos no art.º 150.° n.º 1 do CPTA – a situação carece de urgente esclarecimento jurisprudencial por parte do STA.

5.ª Em sede de primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra entendeu que da necessidade de observar, no âmbito dos concursos regulados pelo ECDU, os princípios e garantias da imparcialidade e transparência previstos no art. 5.º do revogado Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, não se extrai a imposição de que o mérito dos candidatos tenha que ser apreciado em termos quantitativos, e concluiu pela improcedência da alegação da Autora, de que a decisão do júri violou os princípios da igualdade de oportunidades dos concorrentes, de transparência e da imparcialidade.

6.ª Decidindo o Venerando Tribunal a quo que, não obstante ter o edital do concurso definido a ponderação dos critérios de avaliação – mérito científico (60%), mérito pedagógico (20%) e valor pedagógico e científico de relatório (20%) – não definiu a ponderação a atribuir a cada um dos subcritérios, pelo que não está assegurada a efetiva transparência, igualdade e imparcialidade na apreciação e valoração do mérito dos candidatos, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e violação das disposições do ECDU conjugadas com os princípios concursais e jus-administrativos da transparência, imparcialidade e igualdade.

7.ª O julgamento do Tribunal a quo parte de um pressuposto não demonstrado, que é o de que a lei e os princípios concursais invocados exigem uma avaliação quantitativa para cada subfactor de avaliação previsto no edital; nenhuma disposição no regime legal constante do ECDU respeitante aos concursos para recrutamento de professores catedráticos (e ainda para o recrutamento de professores associados e auxiliares) sequer exige uma apreciação do mérito dos candidatos em termos quantitativos e segundo uma grelha quantitativa pré-determinada, sendo que as normas legais aplicáveis apenas fazem referência à avaliação e à elaboração de uma lista ordenada dos candidatos que tenham sido aprovados em mérito absoluto, pelo que bem interpretaram os Meritíssimos Juízes de primeira instância, ao decidir que se tal não omissão não implica uma exclusão da possibilidade de serem ordenados com uma avaliação quantitativa, seguramente revela que a mesma não é obrigatória.

8.ª Ao estipular o ECDU, no art. 38.º, que o concurso se destina a “averiguar o mérito da obra científica dos candidatos, a sua capacidade de investigação e o valor da atividade pedagógica já desenvolvida”; ao estabelecer a composição do júri conforme arts. 45.º e 46.º; ao definir como critérios de ordenação dos candidatos a professor associado exclusivamente os dois fatores mencionados no n.º 2 do art.º 49, a saber, o mérito científico e pedagógico do candidato, com o programa, conteúdo e métodos de ensino teórico e prático das matérias da disciplina em causa ou de uma disciplina do grupo a que respeita o concurso; ao prever, até, que o júri do concurso se possa formar após o conhecimento de quem são os candidatos (art. 45º); o Legislador revela que é seu especial desígnio deixar a um júri eminentemente científico, escolhido até em função do percurso científico e pedagógico dos candidatos, uma decisão a orientar por critérios estritamente científicos e técnicos, e bem assim deixar, para tanto, a esse júri ampla discricionariedade técnica, dispensando, se não mesmo proscrevendo, qualquer forma de prévia auto-vinculação, designadamente a criação, pelo júri, de subcritérios de ordenação e...

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