Acórdão nº 0567/20.7BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20-12-2023

Data de Julgamento20 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão0567/20.7BEPNF
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 567/20.7BEPNF
Recorrente: “A..., S.A.”
Recorrida: Administração Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, notificada do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 22 de Junho de 2023 – que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou improcedente a impugnação judicial dos actos de liquidação de IRC, IVA e retenções na fonte de IRS, e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, e 2015 – dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Apresentou alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1) A Recorrente, interpõe a presente revista excepcional com o intuito de serem apreciadas duas questões, que assim se formulam:
a) A amplitude da exigência formal dos ónus a cargo do Recorrente que impugna o julgamento (de facto e de direito) da primeira instância;
e
b) O princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material quando se constata que as correcções tributárias consubstanciadas nas liquidações em mérito tiveram como fundamento “os factos e elementos apurados no processo de inquérito” (vide facto V. do probatório) sem que, no procedimento e no processo, a AT tivesse empreendido actividade investigatória que corroborasse tais elementos importados do processo-crime

2) Relativamente à primeira questão, pede-se a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo [( Permitimo-nos corrigir, aqui como adiante, o manifesto lapso de escrita: a Recorrente escreveu Supremo Tribunal de Justiça onde queria dizer Supremo Tribunal Administrativo.)], na óptica “da melhor aplicação do direito” para dirimir a questão de saber se, como resulta do Acórdão a quo, o conhecimento do recurso sobre as questões de facto obriga a que, nas conclusões do recurso, sejam identificados, de forma específica, os meios de prova com que o recorrente motivou essa impugnação em sede de alegações.

3) A Recorrente, na conclusão G do recurso deixou consignado que as alterações à matéria de facto que concretamente impetrou na conclusão L decorriam do “explicitado e devidamente corroborado pela prova testemunhal”, sendo que tal prova testemunhal (que na óptica da recorrida implicava o aditamento dos três pontos de facto referidos em L) vem identificada, com referência ao nome das testemunhas, ao segmento das respectivas gravações com indicação da concreta passagem acompanhada da respectiva transcrição (!!!) dos mesmos no corpo das alegações.

4) O Tribunal a quo ao afirmar que “no presente a Recorrente ao colocar em causa a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se que desse cumprimento ao art. 640.º do CPC (…) o que não fez” interpretou a referida norma como determinando que a indicação dos meios probatórios tem de constar das conclusões.

5) Como se deixou professado nos Acórdãos do STJ transcritos no corpo das alegações “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se quando (i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 635.º, 2 e 4, 639.º, 1, 641.º, 2, b), CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorrectamente julgados (art. 640.º, 1, a)), sendo de admitir que as restantes exigências das als. b) e c) do art. 640.º, 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.” – Acórdão do STJ, de 9/06/2021, tirado no proc. 10300/18.8T8SNT.L1.S1, in dgsi.pt).

6) A interpretação do artigo 640.º do CPC perfilhada pelo Tribunal Recorrido, no sentido de obrigar o Recorrente a cumprir com todos os ónus nele previstos na redacção das conclusões recursivas, enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da proporcionalidade.

7) Ainda quanto à primeira questão, propugna-se que andou mal o Tribunal recorrido ao não ter conhecido as questões submetidas a recurso com a justificação de que entendeu que as questões do recurso consubstanciavam uma crítica à Autoridade Tributária e não à actividade jurisdicional do Tribunal de primeira instância.

8) Ora, ainda que se conceda que as conclusões de recurso não utilizem expressões da gíria como “andou mal a Sentença” ou “o Tribunal recorrido errou”, não se pode daí concluir que a crítica ao processo decisório jurisdicional não esteja inerente a um processo impugnatório com a natureza daquele que tratamos nos presentes autos.

9) Com efeito, se o Tribunal acolhe todos os fundamentos da Autoridade Tributária, a afirmação, inter alia, de que “a acção inspectiva enferma de inúmeros vícios” (conclusão A do recurso) ou que “a Fazenda Pública limitou-se a aproveitar a matéria de facto apurada no processo de inquérito n.º 64/13...., sem proceder a qualquer diligência probatória que permitisse aferir (…)” (conclusão C) o Recorrente não esta a dizer outra coisa que não seja que a Sentença recorrida andou mal por não ter vislumbrado os vícios da acção inspectiva, i.e., a interpretação válida de tais locuções é a de que o Recorrente formula um juízo de censura ao Tribunal recorrido por não ter julgado procedente os vício invocado na petição inicial.

10) Nessa medida, o Acórdão restringiu de forma irrazoável e desproporcionada o direito de acção e da procura pela justa composição do litígio, não concedendo sequer à Recorrente o direito de aperfeiçoamento das conclusões, tal como resulta do n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

11) Em face do exposto, e ao decidir da forma como decidiu, o Tribunal a quo interpretou os artigos 639.º e 640.º do CPC em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, preferindo a forma sobre a substância e abstendo-se de realizar a Justiça.

12) Deve, pois, ser admitida a presente Revista para elucidar se, em casos como vertente, com aptidão para se repercutir por um número indeterminado de situações, tem o Tribunal de recurso o dever de:
• conhecer o erro de julgamento da matéria de facto, por se mostrarem cumpridos os ónus inerentes com a indicação dos concretos meios de prova no corpo das alegações
e de
• interpretar de forma substancial as questões submetidas a recurso e delimitadas pelas respectivas conclusões, impondo-se-lhe ad minimum, notificar o Recorrente para esclarecer o que considerar não ser claro na síntese conclusiva.

13) Quanto à segunda questão, pede-se ao Supremo Tribunal Administrativo que, entrando no mérito da causa, decida que a AT viola os princípios da busca da verdade material e do inquisitório, explicitado no artigo 6.º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de inspecção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo DL n.º 413/98 de 31 de Dezembro) quanto elege como fundamento das correcções tributárias o que foi apurado por uma entidade terceira (o Ministério Público), fundamentado os actos por mera remissão e sem recolha de prova alguma dos factos dados como suficientemente indiciados pelo titular da acção penal (sem que sequer tenha sido havido julgamento sobre tais factos).

14) As questões suscitadas não vêm merecendo resposta unívoca por parte dos Tribunais, pelo que, atenta a sua patente relevância jurídica e social, bem como susceptibilidade de repetição em diferentes casos e situações, clama pela necessidade de estabilizar orientações jurisprudenciais sólidas pelo mais alto Tribunal Administrativo através do presente recurso.

15) Note-se que, de acordo com o facto V. dado como provado, os fundamentos das correcções tributárias em mérito nos autos “tiveram por base os factos e elementos apurados no processo de inquérito 64/13....”, sem que do probatório resulte que a AT os tenha confirmado “dentro” do processo.

16) Trata-se, pois, de uma alegação de omissão de investigação por parte da AT, pois que esta deveria ter procedido a uma verdadeira e autónoma averiguação no sentido de...

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