Acórdão nº 054/22.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-09-29

Ano2022
Número Acordão054/22.9BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. Z…………….., Lda., sociedade identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 152.°, n.° 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.°, n.°s 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.° 509/2020-T, proferida em 07/03/2022, alegando que tal decisão está em oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/04/2017, proferido no processo n.° 01320/16, relativamente à mesma questão fundamental de direito.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo supra referenciado que validou a decisão da AT de, relativamente a 2016 sujeitar a tributação autónoma ao abrigo do artigo 88° do CIRC os fluxos financeiros derivados da compra de contentores, no montante global de € 29.250,00 feita ao sócio gerente e da concessão, ao mesmo sócio, de empréstimos no montante global de € 15.000,00;

B) As compras de contentores encontram-se tituladas contabilisticamente com documento denominado "Comunicação ao contabilista certificado”, onde este é informado, para feitos de contabilização, que o sócio havia disponibilizado (vendido) à empresa ora recorrente 9 contentores nos modelos, capacidades e preços indicados naquele documento, pelo valor global de € 29.250,00;


C) Os empréstimos feitos ao sócio gerente, no montante global de € 15.000,00 foram formalizados através de "contrato de mútuo”, onde se definiam as condições a que o mesmo estava então sujeito.

D) A questão a apreciar consiste em determinar se os fluxos financeiros de saída, isto é, pagamentos, registados com base em documentos internos de onde consta quer a identificação das partes quer os elementos relativos à operação em causa configuram, ou não, a existência de despesas não documentadas ou, apenas e eventualmente, a existência de despesas indevidamente documentadas.

E) Em situações materiais análogas ou equiparáveis e no âmbito do mesmo quadro normativo pronunciaram-se diferentemente o CAAD, na decisão arbitral de que ora se recorre - decisão base - e o STA, em acórdão de 19-04-2017, proferido no âmbito do processo 01320/16 - acórdão fundamento.

Relativamente à aquisição de contentores:

F) A ora recorrente adquiriu, ao seu sócio gerente, em 2016 nove contentores destinados à recolha de sucata;

G) Tal aquisição foi formalizada através de documento interno, que o CAAD demonstra conhecer e onde se identificam os sujeitos da operação e os demais elementos do contrato: descrição dos bens, quantidades, valores unitários e totais;

H) Porém, alegando a não verificação efetiva dos requisitos quanto à materialidade da operação titulada pelo documento interno considerou-o não válido e fez equiparar tal alegada deficiência de documentação à sua não existência qualificando-o como despesa não documentada.



I) Em sentido contrário, contudo, já se havia pronunciado o STA que através de acórdão de 19-04-2017, proferido no âmbito do processo 01320/16 reservou a qualificação de despesas não documentadas para aquelas " ... que careçam, em absoluto, de comprovativo documental”.

J) Ao qualificar tais despesas como despesas não documentadas a decisão arbitral incorre na violação, entre outros, dos artigos 266° da CRP, 5° da LGT e 88° do CIRC.

Quanto aos mútuos:

K) A ora recorrente efetuou, em 2016 abonos vários ao sócio gerente, no valor global de € 15.000,00

L) Abonos que foram formalizados através de contrato de mútuo, celebrado entre os contratantes e que serviu de base ao registo contabilístico,

M) Documento que o CAAD demonstrou conhecer,

N) Mas que pelo facto de, alegadamente, não permitir verificar os elementos essenciais da operação e, assim, a materialidade da mesma, entendeu que tais despesas deveriam ser qualificadas como despesas não documentadas.

O) Em sentido contrário, contudo, já se pronunciou o STA que através de acórdão de 19-04-2017, proferido no âmbito do processo 01320/16 decidiu que despesas não documentadas são "as despesas que careçam, em absoluto, de comprovativo documental”.


P) Ao qualificar tais despesas como despesas não documentadas a decisão arbitral incorre na violação, entre outros, dos artigos 266° da CRP, 5° da LGT e 88° do CIRC.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, uniformizando-se a jurisprudência no sentido que foi dado pelo acórdão fundamento, ou seja que as saídas de Caixa ancoradas em documentos internos que permitam identificar, ainda que imperfeitamente, os destinatários de tais operações (e/ou a própria natureza das mesmas) não constituem despesas não documentadas e como tal não são passiveis de subsunção à disciplina do artigo 88° do CIRC.»

1.2. Admitido o recurso foi cumprido o disposto no artigo 25.°, n.° 5, do RJAT.

1.3. A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra- alegações.

1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.°, n.° 1 do CPTA, emitiu douto parecer nos seguintes termos:
«(...)
3.1. Ora, salvo melhor opinião, não existe identidade entre situação de facto em apreciação na decisão arbitral recorrida e no acórdão fundamento, assim se justificando a diferente solução jurídica adotada nas duas situações.
3.2. Uma determinada despesa pode ser incluída na categoria de gasto documentado, gasto não documentado ou de gasto não devidamente documentado, dependendo tal categorização de um exame aos documentos (internos ou externos) que suportam tais encargos e, bem assim, de uma análise aos contributos aduzidos pelos contribuintes no sentido de comprovar a efetiva realização de tais despesas.
Como se decidiu no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 24.02.2021, proferido no processo n.° 02390/05.0BEPRT:


"Assim, para que os requisitos de aceitação do recurso por oposição de acórdãos pudessem dar-se por cumpridos nos presentes autos revelava-se crucial que as situações fácticas em confronto fossem idênticas, de tal maneira que se mostrassem aptas a ser inequivocamente subsumidas à mesma solução jurídica, i.e., à respectiva caracterização como gastos documentados, gastos não documentados ou gastos não devidamente documentados.”
Ora, na presente situação, é manifesto não existir identidade entre situação de facto em apreciação no acórdão fundamento e na decisão arbitral recorrida, tal como distinto é o fundamento jurídico da questão apreciada nas duas decisões.
3.3. Para que existisse identidade da situação fáctica, seria necessário que a análise aos documentos assentasse nos mesmos pressupostos e, bem assim, que os demais elementos comprovativos da efetivação de tais despesas fossem idênticos, o que manifestamente não sucede nas duas situações em confronto.
4. Conclusão
Pelo exposto, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos artigos 25°, n.°2 do RGAT e 152.° do CPTA, pelo que somos do parecer que o mesmo não deve ser admitido.»

1.5. Notificadas as partes do parecer proferido pelo Ministério Público, nos termos do n.° 2 do artigo 146.° do CPT, apenas a Recorrente se pronunciou no sentido de que não ocorre a dissemelhança de factos que obste à apreciação do pedido formulado.

1.6. Cumprido o disposto no n.° 2 do artigo 92.° do CPTA, há que decidir.

2. Fundamentação de facto
2.1. Na decisão arbitral recorrida consta o seguinte julgamento da matéria de facto:
«Consideram-se provados os factos que seguem:

a) A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída ao abrigo da lei Portuguesa, com o objecto social de comércio por grosso de sucatas e desperdícios;
b) A Requerente tem o capital social de € 10.000,00, distribuído por duas quotas, uma no valor nominal de € 9.500,00, e outra no valor nominal de € 500,00, na titularidade, respectivamente, de Y……….. e de X…………..;
c) A Requerente tem por actividade principal o comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos, CAE 46771, e por actividades secundárias as de valorização de resíduos, não metálicos e metálicos (CAEs 38322 e 38321), tem contabilista certificado, contabilidade organizada, informatizada, e está enquadrada no regime geral em IRC;
d) A Requerente obriga-se pela assinatura de um gerente, e o sócio Y…………… é o gerente de facto desde o início de actividade da Requerente, em 2008;
e) Pelas Ordens de Serviço n.°s OI201901218 e OI201901230 foi determinada uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, à Requerente, aos exercícios de 2016 e 2017;
f) Na acção inspectiva foram detectadas divergências de valores, em 2017, nas compras de sucatas a particulares, sendo que apesar de estar contabilizado (na Conta SNC 311141) um total a esse título de € 150.353,24, nos ficheiros excell facultados pela Requerente a soma anual é de € 124.633,24, e a diferença (€ 25.720,00) foi contabilizada como aquisições por parte do sócio, tendo como único suporte documentos internos intitulados "Comunicação à contabilidade” e, questionada a respeito, a Requerente informou em sede inspectiva tratar-se de compras a particulares que se recusam a identificar-se;
g) Dos documentos intitulados "Comunicação à contabilidade”, referidos na alínea anterior, consta, além do referido título, da denominação e morada da Requerente no canto superior esquerdo, e de uma assinatura (singela, sem nome a acompanhar ou carimbo, mas que é idêntica à que consta em outros...

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