Acórdão nº 0538/08.1BELRS 0433/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09-03-2022

Data de Julgamento09 Março 2022
Ano2022
Número Acordão0538/08.1BELRS 0433/09
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 538/08.1BELRS
Recorrente: “ A………………, S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, não se conformando com o acórdão proferido em 19 de Dezembro de 2018 (e complementado pelo acórdão de 13 de Maio de 2021) nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela referida sociedade contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2003 –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. A interposição do presente recurso e a respectiva admissão mostra-se prudente e necessária, porque a questão que se suscita nos seus fundamentos e respectivas conclusões, tem, em nossa opinião, relevância jurídica e social, sendo a sua admissão, não só, necessária, como fundamental, para uma melhor compreensão e aplicação do direito, nomeadamente no que respeita aos preceitos relacionados com a desconsideração de custos reflectidos em facturação indiciada como falsa, em sede de IRC;

B. Na verdade, e como se procurará demonstrar mais adiante, a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul ao revogara sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (proc. 538/08.1BELRS), a qual considerou que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ao lucro tributável da Recorrente ao exercício de 2003, não era legal – atendendo às circunstâncias do caso levanta dificuldades de relevância jurídica e social, porquanto não teve em consideração o contexto temporal em que os factos, em causa, ocorreram – 2003 – e, consequentemente, os usos e costumes da altura, quando da contratação de subempreitadas – algo muito diferente do que acontece nos dias de hoje – que acabou por ter reflexo na decisão, a qual ficou permeável à errada interpretação e aplicação do direito, como veremos infra.

C. Com efeito, considera a Recorrente que o Acórdão recorrido, para além de enfermar de uma incorrecta apreciação da matéria de facto, assenta, sobretudo, numa errada aplicação do direito aos factos, violando o disposto no artigo 23.º do Código do IRC e o artigo 74.º da LGT.

D. Ademais, entende a Recorrente que o douto Acórdão recorrido ao manter a correcção ao lucro tributável da Recorrente relativo ao exercício de 2003 está, igualmente, a violar, além do princípio da legalidade fiscal, o principal princípio – com vigência constitucional – o princípio da capacidade contributiva e tributação pelo lucro real – regulador da tributação do rendimento das pessoas colectivas, previsto nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

E. Deste modo, a necessidade da admissão do presente recurso, prende-se com questões de manifesta relevância jurídica, porquanto é prudente que os nossos tribunais sejam auxiliados numa melhor interpretação do direito, mormente no que toca à aplicação do artigo 74.º da Lei Geral Tributária e, consequentemente, do artigo 23.º do Código do IRC, no que respeita à matéria da “facturação indiciada como falsa”, e a questões de relevância social, porquanto, nos dias que correm, constata-se haver, ainda, muitos contribuintes, como a aqui Recorrente, que se encontram pacientemente a aguardar por uma decisão do Tribunal de primeira instância ou do Tribunal de recurso – que teima em não chegar –, relativa a processos de impugnação judicial contra actos de liquidação de IRC (e IVA), com características muito semelhantes à dos presentes autos, em que se discute a legalidade da desconsideração de custos (efectivamente) suportados pelos contribuintes, face a operações comerciais que tiveram com empresas que, segundo a AT, são reputadas como emissoras de facturas falsas.

F. Com efeito, a desconsideração de custos no apuramento do IRC, por alegada contabilização de facturação “de favor” – é uma matéria que abarca vários contribuintes com conflitos com a AT. Conflitos estes que resultam do entendimento da Autoridade Tributária de que aquele contribuinte não pode deduzir custos que suportou na sua actividade, em virtude de contabilizar facturas emitidas por sociedades que a AT suspeita de serem emitentes de facturação “de favor”. Pois, como constitui jurisprudência firme dos nossos Tribunais Superiores, (Vd. Acórdão proferido em 21 de Dezembro de 2016, pela Secção de Contencioso Tributário do TCA Norte, no âmbito do processo n.º 00477/09.9BEPNF) nem todas as facturas emitidas por sujeitos passivos suspeitos de emitirem facturas falsas, são falsas. E, na verdade, segundo entende a Recorrente, é uma matéria controversa e bastante comum, pelo que se ajuíza ser razão suficiente para que o Venerando STA se possa e deva pronunciar sobre o mesmo, com o mérito que se lhe reconhece, para que em casos futuros não haja dúvidas quanto a orientação da Administração Pública em geral e jurisprudencial do nosso ordenamento jurídico, quanto à matéria em apreço.

G. De referir e salientar que não pretende a Recorrente, com o presente recurso, colocar em crise a produção de prova, e consequentemente, a matéria de prova dada como assente, por não ser esse o desiderato deste Recurso, sendo, no entanto, necessária a sua indicação nos presentes autos, mas, tão só, que este Venerando Tribunal contribua de forma positiva para uma melhor interpretação do direito, nomeadamente quanto ao artigo 74.º da LGT e artigo 23.º do Código do IRC, sem olvidar, contudo, que, para além, da melhor interpretação do direito, a matéria em causa tem, igualmente, relevância jurídica e social, como supra indicado.

Ora,

H. O presente recurso é interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo à margem identificado, relativo ao ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2003, no montante de € 79.947,92 (setenta e nove mil, novecentos e quarenta e sete euros e noventa e dois cêntimos) efectuado na sequência de inspecção de que a aqui Recorrente foi alvo, tendo aquele douto Tribunal Superior revogado a sentença proferida em primeira instância e, consequentemente, mantido o ato de liquidação impugnado na ordem jurídica, proveniente da correcção levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em virtude da desconsideração de custos contabilizados pela aqui Recorrente na sua escrita, documentados em “alegadas” facturas falsas.

I. Ora, não pode a Recorrente concordar e conformar-se com a fundamentação e decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no sentido de que: «É manifesto que a AT demonstrou, exuberantemente, indícios mais do que suficientes para se considerar que a recorrida documentou operações que não realizou com as emitentes das facturas. Não negou que os serviços prestados pela recorrida realmente se verificaram, apenas negou que na sua base tenham estado os serviços titulados pelas facturas emitidas pelas alegadas prestadoras dos mesmos», por entender que padece de uma errada aplicação do direito aos factos, violando, por um lado, o disposto no artigo 23.º do Código do IRC e o artigo 74.º da LGT, e por outro, além, do princípio da legalidade fiscal, o principal princípio – com vigência constitucional – o princípio da capacidade contributiva e tributação pelo lucro real – regulador da tributação do rendimento das pessoas colectivas, previsto nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Vejamos, em concreto,

J. A ora Recorrente “exerce a sua actividade desde 1992, e presta serviços fundamentalmente para autarquias locais, com especial destaque para as juntas de freguesia, tendo ao seu serviço durante o ano de 2003, em média 14 trabalhadores, sendo 2 calceteiros”; tem por objecto social “executar obras no ramo da construção civil, nomeadamente, remodelação instalações, remodelação de calçadas, arranjo de cemitérios, instalações eléctricas e iluminação de Natal”, (cfr. alíneas h) e i) dos Factos que se consideram provados ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC no douto aresto recorrido);

K. Em 2003, a Recorrente realizou um conjunto de serviços para juntas de freguesias, incluindo a reparação e manutenção das infra-estruturas das redes públicas (cfr. alínea j) dos Factos que se consideram provados ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC no douto aresto recorrido);

L A Recorrente executava intervenções necessárias a fazer face ao desgaste de passeios das zonas urbanas e respectivas cantarias recorrendo a subempreiteiros para realização atempada dos serviços com que se comprometeu; muito destes serviços são solicitados para serem realizados de imediato ou num curto espaço de tempo, não tendo a Impugnante um leque alargado de trabalhadores permanentes, prontos à imediata execução dessas tarefas; (cfr. alínea k) e l) dos Factos que se consideram provados ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC no douto aresto recorrido)

M. Em 2007, as Autoridades Fiscais realizaram um procedimento inspectivo à ora Recorrente e a outra empresa do grupo, ao tempo denominada B…………., S.A. tudo relativo aos exercícios de 2003 a 2005, tendo no seu âmbito concluído, relativamente a 2003, pela correcção da matéria colectável da ora Recorrente no montante de Euros 79.947,92, da qual resultou um valor de imposto e juros compensatórios a pagar de Euros 9.868,69.

N. Situação que teve idênticos reflexos na outra empresa do grupo, em três exercícios consecutivos e duas sedes tributárias diferentes: IRC e...

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