Acórdão nº 0510/20.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-07-05

Ano2023
Número Acordão0510/20.3BELRS
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)

Processo n.º 510/20.3BELRS (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“BANCO 1..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 16-02-2023, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação por si apresentada do acto de (auto) liquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (“CSB”) respeitante ao ano 2019, no montante de € 143.192,37, peticionando a respectiva anulação e a restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. O presente recurso vem interposto da Segunda Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual declarou totalmente improcedente a impugnação judicial;

II. Em concreto, a Portaria CSB é ilegal, na medida em que o respetivo artigo 6.º viola o disposto nos artigos 3.º, 4.º e 5.º do Regime CSB, sendo o mesmo aprovado por uma lei de valor reforçado (o artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011);

III. E, assim sendo, o disposto no artigo 6.º da Portaria padece também de inconstitucionalidade indireta, por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 3, da Constituição;

IV. Isto porque o artigo 6.º da Portaria CSB determina que a base de incidência da CSB seja calculada “por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição,” ao passo que o artigo 3.º do Regime CSB estabelece como base de incidência objetiva o passivo apurado pelo sujeito passivo, que só poderá ser o que respeita a todo o exercício económico, findo, no caso do Recorrente, a 31 de dezembro;

V. Ou seja: estão em causa bases de incidência distintas;

VI. Contudo, ainda que assim não fosse - o que apenas por cautela e a benefício de raciocínio se admite, sem conceder -, sempre haveria que concluir pela anulabilidade da autoliquidação da CSB em crise, com fundamento na respetiva inconstitucionalidade material;

VII. É que, face ao disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, bem como nos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, falha inapelavelmente o teste da bilateralidade potencial, o que, viola, desde logo, o princípio da equivalência, com assento no artigo 13.º da Constituição, porquanto não decorrem do respetivo pagamento, para o Recorrente, quaisquer benefícios, sequer eventuais ou difusos;

VIII. Com efeito, no contexto atual em que existe já o Mecanismo Único de Resolução, qualquer medida de resolução que fosse aplicável ao Recorrente - o que, obviamente, não se antevê, mas se equaciona a benefício de raciocínio - nunca tal medida seria “suportada” através da coleta da CSB, quer a anterior, quer atual, quer futura;

IX. Por outro lado, o respetivo pagamento visa também financiar responsabilidades adicionais assumidas mais de dois anos após a completude e consolidação da medida de resolução aplicada ao Banco 2... S.A.;

X. Mais: também se for qualificada como um imposto, como defende o Tribunal de Contas, os artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB violam o princípio da capacidade contributiva como corolário do princípio da igualdade tributária, previsto no artigo 103.º da Constituição, na medida em que se encontra estruturada de um modo absolutamente alheio a tais critérios;

XI. Razão pela qual, também neste plano, a sua incidência sobre o Recorrente revela a manifesta inconstitucionalidade do disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB, por violação do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da Constituição, nas vertentes da justiça, universalidade e uniformidade na repartição dos encargos públicos, ou da equivalência, funcionalizado pelo princípio da proporcionalidade, com assento no mesmo artigo 13.º da Constituição, inquinando irremediavelmente a autoliquidação da CSB, que também por este motivo haveria sempre de ser anulada;

XII. Acresce que os artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB são, ainda, inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que para efeitos das normas de incidência da CSB, a efetiva capacidade de suportar o encargo com este imposto se mostra absolutamente irrelevante;

XIII. Adicionalmente, a autoliquidação da CSB de 2019 é ilegal e, indiretamente, inconstitucional, na medida em que os artigos 2.º e 3.º do Regime CSB e os artigos 2.º e 3.º da Portaria CSB violam o princípio do primado do Direito da União Europeia positivado no artigo 8.º da Constituição, porque o Regime CSB e a Portaria CSB violam o Direito da União Europeia - em concreto, a Diretiva 2014/59/UE, porquanto não é avaliado ou ponderado, no apuramento do quantum da CSB a pagar, o grau de risco concreto de cada uma das entidades participantes no Fundo de Resolução;

XIV. E violam ainda o Regulamento MUR, porque com a harmonização no plano comunitário das contribuições sobre o setor bancário deixou de ser possível aos Estados-Membros a manutenção da cobrança de contribuições de resolução domésticas, para além e em cumulação com as instituídas pelo Direito da União Europeia, sendo, aliás, expressa a preocupação do referido Regulamento MUR em prevenir duplos pagamentos, bem como a desconsideração pela possibilidade de existência de contribuições de resolução nacionais após 2 de julho de 2014;

XV. O Direito da União Europeia estabelece diversos critérios, amplamente descritos no artigo 103.º da Diretiva 2014/59/UE e melhor concretizados pelo Regulamento Delegado, que se aplicam quer às contribuições ex ante, quer às contribuições ex post, por força do disposto no artigo 104.º da Diretiva 2014/59/EU;

XVI. Sendo que, após o decurso do prazo para transposição da primeira - o que, em concreto, acabou por suceder através do Decreto-Lei n.º 23-A/2015, de 25 de março - o legislador nacional não pode manter no ordenamento jurídico interno uma contribuição como a CSB, que não releve tais critérios;

XVII. Disposição a que acresce o disposto no considerando 29 do Regulamento MUR, que prevê que, “Para o bom funcionamento do mercado interno, é indispensável que as mesmas regras sejam aplicáveis a todas as medidas de resolução, independentemente de serem tomadas pelas autoridades de resolução ao abrigo da Diretiva 2014/59/UE ou no quadro do MUR. A Comissão deverá analisar essas medidas ao abrigo do artigo 107.º do TFUE.”;

XVIII. O mesmo sucede, aliás, com a demonstrada falta de dedução dos passivos intragrupo, para efeitos de cálculo da CSB, tal como resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, al. a), do Regulamento Delegado, que não tem qualquer correspondência com o Regime CSB (nem com o respetivo artigo 3.º, nem outro);

XIX. São estas, pois, as normas que permitem demonstrar a violação do Direito da União Europeia, por um lado, e a violação do princípio do primado, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, e que determinam, para além do mais, a inconstitucionalidade do disposto nos artigos 2.º e 3.º do Regime CSB e do artigo 2.º e 3.º da Portaria CSB;

XX. Devendo, caso este Supremo Tribunal não considere manifesta tal violação, ser promovido o reenvio prejudicial para o TJUE, em conformidade com o disposto no artigo 267.º do TFUE, com o propósito de questionar esse órgão sobre se a Diretiva 2014/59/UE, o Regulamento MUR e o Regulamento Delegado devem (como entende o Recorrente) ou não ser interpretados no sentido em que se opõem a uma legislação nacional como a consubstanciada no Regime CSB e na Portaria CSB;

XXI. Em paralelo, a autoliquidação da CSB de 2019 revela-se ainda desconforme com o artigo 1.º do Primeiro Protocolo à CEDH, por articulação com o artigo 14.º da CEDH, e indiretamente com o artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, por manifesta inexistência de quaisquer prestações públicas presumíveis ou potenciais cuja provocação ou aproveitamento sejam seguros numa ótica de grupo para o Recorrente, o que determina a inconstitucionalidade indireta dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, bem como dos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, na redação em vigor em 2019;

XXII. Sendo, em qualquer caso, de concluir ainda pela anulação da autoliquidação da CSB de 2019, dada a sua ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 17.º, n.º 2, da LEO Atual e 42.º, n.º 3, da LEO Antiga, bem como nos artigos 31.º, n.º 2, da LEO Antiga, e no artigo 106.º, n.º 1, da Constituição, por estar em causa uma clara violação do princípio da especificação, e um cavaleiro orçamental cujo caráter de permanência põe em causa a reiterada prorrogação do respetivo regime em sucessivas Leis do Orçamento do Estado;

XXIII. Invocando-se ainda a ilegalidade do artigo 311.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, por violação do disposto no artigo 31.º, n.º 2, da LEO Antiga, que é uma lei de valor reforçado, por estar em causa um cavaleiro orçamental evidenciado pela reiterada prorrogação em sucessivas Leis do Orçamento do Estado;

XXIV. Pelo que, e em suma, deve a anulabilidade da autoliquidação da CSB de 2019 ser declarada, sendo o valor pago restituído ao Recorrente, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e declarando-se a anulabilidade da autoliquidação da CSB do ano de 2019, em resultado da declaração da inconstitucionalidade material das normas que a regulamentam, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 104.º e 112.º da Constituição, bem como face à...

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