Acórdão nº 0501/21.7BELRA-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-04-18

Data de Julgamento18 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0501/21.7BELRA-A
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CA)
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório
1. AA, notificado do acórdão da do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, de 13.07.2023, que, negando provimento ao recurso de apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a ação de responsabilidade civil intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, vem dele interpor o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, indicando o acórdão de 13.07.2022, proferido pelo mesmo TCA Sul no Processo n.º 1385/17.5BELRA, como acórdão fundamento.
O acórdão recorrido manteve a citada sentença, a qual não considerou verificada a violação do direito a uma decisão em prazo razoável consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (“CEDH”) e do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) devido à ausência do pressuposto da ilicitude: não imputação ao Estado do período temporal durante o qual o prosseguimento do processo de insolvência – concretamente para efeitos de liquidação do ativo – esteve exclusivamente a cargo do administrador da insolvência, a que acresce a não imputação ao mesmo demandado de qualquer delonga na venda dos imóveis.

2. O recorrente apresentou a sua alegação, tendo a final formulado as seguintes conclusões:
«1 - Existe contradição entre o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo e o Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal Central Administrativo, no processo 1385/17.5BELRA na apreciação da mesma questão fundamental de direito, respeitante à responsabilidade do Estado Português por atrasos na justiça em processos de insolvência, em especial em situações que implicam uma maior intervenção da figura do Administrador Judicial.
2 - Porquanto, o Tribunal a quo exclui a responsabilidade do Estado Português no âmbito de um processo de insolvência, em virtude do mesmo estar confiado ao Administrador Judicial e o no processo 1385/17.5BELRA se considera que mesmo nessa situação, o Estado Português não está descartado de fazer cumprir o 6° d[a] CEDH, devendo ser responsabilizado pela violação do art. 6° mesmo quando o processo não está diretamente confiado aos Tribunais.
3 - O entendimento perfilhado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul no processo 1385/17.5BELRA seguiu a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que é curial em matéria de análise da violação dos direitos constantes na Convenção Europeia.
4 - Aplicando, em matéria de atrasos em processo de insolvência a tese defendida no caso Cipolletta v. Italia, 11/04/2018, no âmbito do qual se responsabilizou o Estado Italiano pela morosidade na fase de liquidação, ainda que a cargo de um “Liquidante”, figura essa análoga ao nosso Administrador Judicial, pelo que mesmo que o atraso se deva à conduta deste, o Estado não deixa de ser responsável por violação do art° 6° d[a] CEDH.
5 - No caso específico dos processos de insolvência, o Administrador de Insolvência, atua no exercício de prerrogativas de poder público, os seus honorários são adiantados pelos cofres do Estado, e os seus relatórios são controlados pelos Tribunais, e há diversos atos ao longo do processo que têm que ser avalizados / avaliados pelo Juiz, existindo uma supervisão do Tribunal.
6 - No âmbito do processo de liquidação do ativo da insolvência, e apesar dos amplos poderes atribuído ao administrador da insolvência, incluindo na liquidação do ativo, o Tribunal tem sempre poderes de controlo da legalidade e supervisão da atuação do administrador da insolvência, que tem a qualidade de agente colaborador da Justiça.
Além disso,
7 - Existe efetivamente um mau funcionamento dos serviços da justiça que não podem deixar de ser imputados ao Estado, que é sempre responsável em proporcionar aos particulares a obtenção de uma decisão em prazo razoável, segundo o disposto no artigo 6°, n° 1 d[a] CEDH, mostrando-se excessiva a duração daquele processo de insolvência.
8 - O acesso ao direito e aos Tribunais é uma competência intrínseca do Estado que a tem que concretizar em prazo razoável.
9 - Pelo que esse Tribunal Superior terá que proferir novo Acórdão para dirimir as divergências entre um e o outro, dado que perante uma mesma situação jurídica e que tem a ver com o facto do Estado ser ou não responsável pelo atraso do processo de insolvência, incorporando também as condutas do Administrador da Insolvência, se decidiu em sentido antagónico num e no outro;
10 - Devendo prevalecer o entendimento vertido no Acórdão proferido no processo n° 1385/17.5BELRA pelos motivos aduzidos neste recurso e respetivas conclusões.
11 - Pelo que, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo deve ser revogado e substituído por outro que conden[e] o Estado Português a ressarcir o Recorrente dos danos decorrentes da morosidade do processo de insolvência em causa;
12 - Mostrando-se violado o disposto nos artigos 6° da CEDH e 20°, n° 4 da CRP.».

3. O recorrido contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos:
«A - Questão prévia - Da Admissibilidade do Recurso
[…]
3) a questão fundamental de direito em causa no acórdão recorrido e no acórdão fundamento reside em saber se, para efeitos de verificação do pressuposto da ilicitude na violação do artigo 6°, § 1 da CEDH e do artigo 20°, nºs 1 e 4 da CRP no segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, deve ser imputada ao Estado, nos termos da Lei n° 67/2007, de 31/12, a delonga respeitante ao período temporal durante o qual o processo de insolvência (concretamente para efeitos de liquidação do ativo e venda de bens apreendidos) esteve a cargo do administrador da insolvência, ou, pelo contrário, se essa demora deve ser assacada ao administrador da insolvência, ao abrigo do disposto no art. 59° do CIRE.
4) Só depois de decidido este tema nuclear, que do nosso ponto de vista constitui a questão fundamental de direito, é que o tribunal estará habilitado a prosseguir para a apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, devendo (em caso afirmativo) ser fixado montante indemnizatório por força dos danos patrimoniais sofridos.
5) O acórdão recorrido entendeu que a responsabilidade civil pela atuação dos administradores da insolvência no âmbito de processos de insolvência/liquidação do ativo obedece ao regime privatístico constante do Código Civil (artigos 483° e segs.) com as especificidades que constam do art. 59° do CIRE, afastando o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
6) Para o acórdão fundamento, a responsabilidade pela mera delonga processual, tradutora de uma demora inadmissível na obtenção de uma decisão judicial definitiva deve ser diretamente imputável ao Estado Português, enquanto garante de “um standard de funcionamento publicamente imposto em nome do Estado de Direito” para a realização da Justiça.
7) Deste modo, na nossa perspetiva, estamos face a uma contradição de julgados respeitante à mesma questão fundamental de direito.
8) Não se deu nota da existência de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo nesta matéria.
9) Verificando-se todos os pressupostos do art. 152° do CPTA, o recurso deve ser admitido e tomar-se conhecimento do mérito do mesmo.

B - Do mérito do recurso 
10) O Recorrente insurge-se contra o acórdão do TCA Sul invocando, em suma, que o encerramento do processo de insolvência ocorreu em 2013 e em 2019 ainda estavam a ser realizadas diligências de venda, sendo notório que o Tribunal que tramitou o processo de insolvência falhou, pois podia e devia ter determinado a destituição do Administrador de Insolvência perante as sucessivas falhas de comunicação com o Tribunal,
11) e mesmo que o atraso se deva à conduta do Administrador de Insolvência, nem por isso o Estado deixa de ser responsável pela morosidade na Justiça e consequente violação do art. 6° da CEDH,
12) Na sua perspetiva, o Administrador de Insolvência é um colaborador da Justiça e a responsabilidade do Estado estende-se aos auxiliares e demais participantes na composição da Justiça.
13) Pede a revogação do acórdão do TCA Sul de 13/07/2023 e a sua substituição por outro que condene o Estado Português a ressarci-lo pela morosidade do processo de insolvência.
14) o tribunal a quo afastou a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pronunciou-se pela aplicação do regime privatístico constante dos arts. 483° e ss do C. Civil, com as especificidades do art. 59° do CIRE
15) o TCA Sul concluiu que não foram violados os arts. 20° n° 2 e 4 da CRP e 6°, § 1° da CEDH e confirmou a decisão de primeira instância considerando que a duração do processo de insolvência imputável ao Estado ascendeu apenas a dois meses.
16) O Tribunal de primeira instância julgou totalmente improcedente a ação e absolveu o Estado Português do pedido, tendo unicamente apreciado o pressuposto da ilicitude.
17) O Preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE anunciou uma intensificação da desjudicialização do processo de insolvência desde logo sentida na enorme autonomia concedida do administrador da insolvência, nomeadamente na fase da liquidação.
18) Ao contrário daquilo que acontecia no domínio do CPEREF, ao juiz do processo apenas é permitida uma fiscalização dessa atividade nos termos ditados pelo artigo 58° do CIRE, podendo ainda o juiz, nos termos do art. 56° n° 1 do CIRE “destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa.
19) O administrador da insolvência é o órgão executivo da insolvência e tem por função essencial assumir o controlo da massa insolvente, proceder à sua administração e liquidação e, por fim,...

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