Acórdão nº 0490/06.8BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-12-14

Ano2023
Número Acordão0490/06.8BEBJA
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I. Relatório

1. Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, vem A..., S.A., recorrer do acórdão daquele Tribunal datado de 16.01.2020, que, negando provimento ao recurso de apelação interposto pela mesma recorrente, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja pela qual foi julgada improcedente a ação que aquela intentara contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização de € 2 290 889,00 por se considerar vítima de uma expropriação de sacrifício consubstanciada na impossibilidade de exercer os direitos de exploração de pedreira que detinha ao abrigo de licença emitida em 1984 devido ao indeferimento pela Direção-Geral das Florestas de um pedido de abate de 220 sobreiros.

2. A autora, ora recorrente, instaurou ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra o ESTADO PORTUGUÊS, na qual apresentou pedido de condenação do réu no pagamento de uma indemnização no valor de € 2 290 889,00, alegando, em síntese, que tal indemnização lhe era devida por força de uma imposição / expropriação de sacrifício contida no ato administrativo proferido pelo Diretor-Geral das Florestas em 7.01.2004, que se abateu sobre o seu direito de exploração da pedreira denominada “...”, que se encontrava devidamente licenciada pela Direção-Geral de Geologia e Minas desde 1984.
Citado o réu, representado pelo Ministério Público, o mesmo apresentou contestação, defendendo, em síntese, que a autora correu um risco deliberada e conscientemente, bem sabendo da existência no local de sobreiros que poderiam conduzir à inviabilização da exploração e expansão da pedreira por falta de autorização da Administração face à legislação em vigor.
Por sentença de 14.06.2016, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou a ação totalmente improcedente.

3. Não conformada, a autora apelou para o Tribunal Central Administrativo Sul, defendendo, por um lado, o aditamento de uma nova alínea à matéria de facto dada como provada («A Direção Regional de Economia do Alentejo, quer na transmissão da licença de exploração da pedreira em causa, quer no processo da sua adequação ao DL 270/01, nunca pôs em causa o Plano de Pedreira, aceitando o mesmo na parte em que previa a exploração no local onde existiam sobreiros»); e, por outro, que: (i) sendo a recorrente detentora de uma licença de exploração de uma pedreira emitida em 1984 válida e eficaz; (ii) sendo necessário proceder ao derrube de sobreiros envolventes para que os direitos de exploração contidos em tal licença possam ser exercidos; e (iii) o indeferimento do abate dos sobreiros impede o exercício dos direitos de exploração em causa, impossibilitando desse modo a recorrente de recolher os benefícios que resultariam da exploração normal da pedreira, tal indeferimento do pedido de derrube dos sobreiros traduz-se «numa verdadeira expropriação de sacrifício de um direito válido e em vigor na ordem jurídica», o que implica, no atual quadro constitucional, «o pagamento de uma justa indemnização», nos termos do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. Em seu entender, «a abolição do direito de exploração da Recorrente [ocorreu], não por via da sobreposição do DL 169/2001 ao DL 270/2001, mas sim por via do indeferimento do pedido de abate de sobreiros».
Nesse sentido, a recorrente sustentou também a errada interpretação do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 169/2001, de 20 de maio (este preceito sobrepõe-se apenas ao disposto em regulamentos administrativos ou instrumentos de gestão territorial, nunca relativamente a atos legislativos, como a lei da exploração de pedreiras) e até a sua inconstitucionalidade («a sentença ora recorrida ao interpretar o artigo 7º do DL n° 169/2001, de 20 de maio, no sentido em que exclui o direito à indemnização por supressão de uma licença de exploração de uma pedreira, em virtude de a tal se opor a prevalência da lei de proteção dos sobreiros sobre a lei da exploração de pedreiras, viola os Princípios do Estado de Direito, da Igualdade perante os Encargos Públicos e da Justa Indemnização por expropriação, previstos nos artigos 2º, 9º, alínea b), 13° e 62°, nº 2, da Constituição da República»).
Por último, considerou a recorrente que falecia razão à sentença recorrida ao ter decidido que a licença da Recorrente tinha um ónus que decorria da existência de sobreiros plantados na área da pedreira e que, por via desse ónus, a ora recorrente não tinha direito a nenhuma indemnização por ter ficado impossibilitada de explorar a pedreira por recusa de autorização de derrube dos sobreiros necessária ao prosseguimento da exploração, uma vez que a licença de exploração emitida em 1984 e transferida em 2004 para a recorrente «não possuía o “ónus” mencionado […] face aos sucessivos regimes jurídicos de exploração de pedreiras – DL nº 227/82, DL nº 90/90 e DL nº 270/2001»; nem alguma vez o Estado, via Direcção-Geral de Geologia e Minas e, mais tarde, Direção Regional de Economia do Alentejo, condicionou a emissão da licença e a sua posterior transferência para a recorrente à manutenção dos sobreiros aí existentes. Acresce que a lei sobre proteção de sobreiros em vigor em 2004 não proibia em absoluto o arranque de sobreiros, antes previa a possibilidade de tal arranque quando estivessem em causa empreendimentos de imprescindível utilidade pública e a recorrente «até se disponibilizou junto da DGF a proceder à plantação de uma área de sobreiros superior a 25 000 m2». Mais: «[a]tento o seu objeto, o tipo de obras por si executadas – vias rodoviárias – e os destinatários das mesmas – entidades públicas –, a recorrente, após contactos com a DGF e a Direção Regional de Economia do Alentejo, confiou em que estas entidades não iriam levantar obstáculos à exploração da pedreira, reconhecendo a utilidade pública na exploração da mesma, até porque, como foi dito, esta possuía uma licença de exploração válida e encontrava-se em laboração desde 1984 – alínea FF) dos factos provados», tendo «tal confiança result[ado] exatamente dos contactos estabelecidos com aquelas entidades, conforme foi dado como provado na sentença recorrida – alíneas VV e XX)».
Daí a conclusão: «[n]ão pode assim a sentença recorrida eleger os sobreiros como um “ónus” que excluiria uma indemnização a atribuir à Recorrente por esta ter adquirido uma pedreira sobre a qual recaia a hipótese de a sua exploração ser impedida pela Administração para proteger os ditos sobreiros»: além disso, o «próprio regime jurídico das expropriações clássicas – Código das Expropriações, não prevê nenhuma disposição legal que penalize um proprietário expropriado por ter adquirido um bem sobre o qual recaía a hipótese de ser expropriado pela Administração».
O apelado Estado Português apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
«1.ª – A apelante impugna a sentença que julgou improcedente a ação em que pediu a condenação do ESTADO PORTUGUÊS a compensá-la com a indemnização de € 2.290.889,00, emergente de “expropriação de sacrifício” traduzida na “supressão da utilidade económica de um direito de exploração”, titulado por licença, emergente do ato administrativo do Diretor-Geral das Florestas de 4 de fevereiro de 2004, que indeferiu o seu pedido de abate de 220 sobreiros situados na zona de avanço de lavra, desse modo tornando “a continuação da exploração da pedreira (...) completamente inviabilizada”, visto que “sem o derrube dos sobreiros envolventes, a pedreira não tinha viabilidade económica”.

2.ª – Sustenta que o entendimento acolhido na sentença, no sentido de que o art.° 7.° do DL n.° 169/2001 prevalece sobre o seu direito de exploração da pedreira, não se mostra compatível com a Constituição, especificamente com os princípios do estado de direito democrático, da igualdade perante a repartição dos encargos públicos e da justa indemnização por expropriação, para além de que não se harmoniza com a letra da norma.

3.ª – Ao contrário do sustentado pela recorrente, a expropriação de sacrifício emerge de um ato legislativo e não do ato administrativo de indeferimento do pedido de abate de 220 sobreiros, que constitui ato inteiramente vinculado.

4.ª – Uma interpretação enunciativa do referido art.º 7.° do DL n.º 169/2001 permite facilmente que nele se integrem, por um argumento de maioria de razão, aliás sugerido pela redação dos artigos 101.° a 103.° RJIGT, os atos administrativos

5.ª – O caso decidido pelo acórdão do STA de 26 de abril de 2006 (proc.° n.° 0120/06) não é análogo ao presente, visto que o ato normativo limitativo da posição do particular, aí apreciado, não revestia natureza legislativa mas administrativa.

6.ª – À data dos factos não existia no ordenamento português norma equivalente à do atual art.º 15.º da Lei n.º 67/2007, pelo que a eventual inconstitucionalidade da norma do art.º. 7.° do DL n.º 169/2001, por contemplar uma solução passível de conduzir a expropriações de sacrifício sem simultânea fixação do dever de pagamento de justa indemnização, não fazia recair sobre o legislador o cumprimento daquele dever, a menos que previamente o Tribunal Constitucional declarasse a desconformidade da norma com a Lei Fundamental, o que não sucedeu, sendo certo que “a norma do art. 22 da CRP (...) não compreende a função legislativa” (MARIA LÚCIA AMARAL).

7.ª – A alegação de que a impossibilidade de abate de 220 sobreiros, numa área de 1.875 ha, impede completa e definitivamente a exploração de uma pedreira com a área total de 8 ha, é incompreensível e improcedente, sobretudo quando, cerca de um ano depois, se formula novo pedido de abate de sobreiros, agora para 1026 sobreiros, numa área de intervenção de 6.690 ha.

8.ª – Por isso, um...

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