Acórdão nº 0471/16.3BALSB 0471/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24-01-2024
Data de Julgamento | 24 Janeiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 0471/16.3BALSB 0471/16 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recorrente: “Z..., S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira
1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade acima identificada (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 258/2015-T, tendo apresentado alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«A. O presente recurso tem por objecto três segmentos decisórios do Acórdão Recorrido que contrariam jurisprudência dos Tribunais Superiores, motivo pelo qual deverão a final estes três segmentos ser revogados e, em sua substituição, ordenada a anulação da liquidação de IRC originalmente impugnada nas partes em que o presente recurso versa.
Interpretação do número 2 do artigo 32.º do EBF
B. No que toca ao segmento decisório referente à sociedade Z..., o Acórdão Recorrido contraria o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 15.01.2015, Processo n.º 00946/09.0BEPRT, da 2.ª Secção - Contencioso Tributário, em que foi Relator o Desembargador Mário Rebelo, no que toca à possibilidade de utilização de métodos indirectos para a aplicação do número 2 do artigo 32.º do EBF – considerando a numeração do EBF em vigor em 2010.
C. Pese embora o Acórdão Fundamento se reporte ao número 2 do artigo 31.º do EBF em vigor em 2007 e o Acórdão Recorrido se reporte ao número 1 do artigo 32.º do EBF em vigor em 2010, as duas normas são em tudo idênticas.
D. Nos dois casos é estipulado que as mais e menos-valias realizadas pelos sujeitos passivos aí identificados referentes à alienação de partes de capital detidas por período não inferior a um ano não concorrem para a formação do lucro tributável e que, da mesma forma, não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das referidas partes de capital.
E. Os dois Acórdãos são contraditórios sobre o método de apuramento dos encargos financeiros referidos na norma, nomeadamente sobre a possibilidade de utilizar um método indirecto ou presumido tal como aquele que consta da circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC da Autoridade Tributária e Aduaneira.
F. O Acórdão Fundamento é explícito ao excluir a utilização de qualquer método indirecto, nos seguintes termos: “Se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a ATA só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afectação directa ou específica...”
G. Por sua vez o Acórdão Recorrido é explícito ao admitir o mesmo método, nos seguintes termos: “A verdade é que nada, na letra do n.º 2 do art. 32.º do EBF, retirava qualquer legitimidade a qualquer método directo ou indirecto, de afectação dos encargos financeiros das SGPS para se alcançar os objectivos prosseguidos naquela norma. A afectação pro rata prevista no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, método indirecto de afectação é tão legítima e tão compatível com a ratio legis da norma como qualquer outro método – sendo que, em contrapartida, não pode sustentar-se que os objectivos daquela norma (de qualquer norma) pudessem ser alcançados na ausência, pura e simples, de qualquer método”.
H. Salvo o devido respeito, não se pode acompanhar o Acórdão Recorrido no que toca à interpretação e aplicação do Direito, discordando-se em absoluto do iter cognitivo, quando este admite que a AT pode evitar pronunciar-se sobre esta questão (o conceito de partes de capital) com a aplicação de um método indirecto de afectação, o método pro-rata para “aplicação” do número 2 do artigo 32.º do EBF.
I. O princípio da legalidade tem como “… corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afectação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado “direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado” – cfr. Júlio Tormenta, in As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os Seus Limites, Coimbra Editora, pp. 145, citado pelo Acórdão Fundamento.
J. Se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a ATA só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afectação directa ou específica, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55.º LGT) e que resulta da redacção do art. 31.º/2 EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas – cfr. Acórdão Fundamento.
K. Por outro, também não se pode aceitar – como faz o Acórdão Recorrido – legitimar a aplicação de métodos indirectos sustentando-se que a AT só lançará mão de tal método se o sujeito passivo não lograr demonstrar e provar a dedutibilidade dos custos.
L. Ainda que o Contribuinte não logre demonstrar e comprovar a dedutibilidade dos custos financeiros nos termos e para os efeitos do então número 2 do artigo 32.º do EBF, esse facto não legitima a AT de dispensar-se de analisar os elementos contabilísticos do sujeito passivo.
M. “Admitindo porém que não é possível a partir da escrita da empresa saber qual o fim para que foram obtidos os financiamentos, isso poderá colocar em causa o controlo legal por parte da ATA. Mas mesmo que assim seja, não pode ser a ATA a completar a norma através de uma circular que institua um regime de apuramento proporcional, indirecto ou presuntivo, criando condições mais gravosas para o contribuinte do que as previstas na lei, desrespeitando o quadro normativo vigente” – cfr. Acórdão Fundamento.
N. Adicionalmente, e com relevo para a pronúncia, tenha-se em consideração a decisão do Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo 24/2012-T, na qual se analisou a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, e se questionou se a Direcção de Serviços de IRC se limitou a interpretar a lei tributária ou se, indo para além da lei, através de uma interpretação extensiva do regime previsto no artigo 32.º do EBF, o desvirtuou, material e formalmente, criando uma nova norma de incidência fiscal, em violação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º, ambos da CRP.
O. O Tribunal Arbitral conclui que: “O artigo 32.º n.º 2 do EBF é omisso na explicitação quer do exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais, quer do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais. O que a lei permite e aquilo que a Constituição impõe à Autoridade Tributária é que na interpretação que faz das normas tributários se limite a emitir orientações genéricas que preencham conceitos. Extravasa, portanto, a competência da Autoridade Tributária o acrescer de exigências ou a densificação de conceitos, através das quais se verifica a incidência de imposto. Acto que, a verificar-se, consubstancia, como já acima se deixou expresso, o exercício da função legislativo sob um encapotamento de uma interpretação extensiva da lei”.
P. Assim, para o Tribunal Arbitral, a Circular padece do vício de uma inconstitucionalidade formal, porque violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, tal como previstos nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º n.º 2, da CRP, e no artigo 8.º, n.º 1, da LGT, bem como do princípio da precedência da lei consagrado no artigo 112.º da CRP.
Q. O mesmo determinou a Decisão Arbitral proferida pelo tribunal arbitral a funcionar junto do CAAD, proferido no âmbito do processo n.º 21/2012-T, em cujos termos “Ainda assim, sempre se dirá que, concordando com a hermenêutica defendida pela Requerente, nada na letra do n.º 2 do art. 31.º do EBF [32.º à data dos factos sub judice] permite retirar a vigência e, por isso, necessária aplicação, do método indirecto de afectação de tais encargos financeiros”.
R. Vai no mesmo sentido a posição explanada pelo Prof. Dr. João Taborda da Gama, que qualifica como ilegal a concretização, pela Circular n.º 7/2004, do artigo 32.º do EBF, nomeadamente quanto à dedutibilidade de encargos financeiros das SGPS (vide in Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Volume II Coimbra Editora, Setembro de 2011).
S. Por tudo, torna-se claro que para a aplicação do número 2 do artigo 32.º do EBF só poderá ser admitido um critério de afectação directa no qual a Autoridade Tributária – caso entenda desconsiderar os custos deduzidos pelo contribuinte – analise os custos efectivamente incorridos pelos contribuintes e, fundamentadamente, afaste os custos que entenda exceder os limites da norma.
T. No caso recorrido, tal entendimento levará a que a correcção do lucro tributável da declaração individual apresentada pela Recorrente padece do vício de violação de Lei, porquanto assenta numa interpretação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF preconizada pela Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em clara desconformidade com os parâmetros constitucionais conexos com os princípios da legalidade...
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