Acórdão nº 0429/17.5BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07-04-2022
Data de Julgamento | 07 Abril 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 0429/17.5BELRA |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO) |
RELATÓRIO:
1. Z………. vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS proferido em 20.10.2021, que julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, em representação do Estado Português, da sentença de 12.05.2021, proferida pelo TAF de Leiria – que julgou parcialmente procedente a ação por si intentada, declarando que o Estado Português violou o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 20º, n ºs 1 e 4 da CRP no segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, e, em consequência o condenou a pagar-lhe a quantia de €1.100,00 por cada ano de atraso, contados desde 28/06/2016 inclusive, até à decisão definitiva na execução, a título de indemnização por danos não patrimoniais, devido à duração excessiva do processo 236/11.9TTABT, e respetivo apenso A, e respetivos juros de mora à taxa legal, bem como dos honorários do advogado nestes autos, na parte em que comprovadamente sejam superiores às despesas ressarcidas, ficando ainda a cargo do Estado o pagamento das custas processuais de 15%, e a A., a 85% se não beneficiasse de apoio judiciário, respeitantes ao decaimento do pedido – revogando a decisão recorrida e, em substituição, julgar a ação improcedente.
2. Para tanto, produziu as suas alegações, concluindo:
“1 - O presente recurso de revista deve ser admitido dado que está em causa também e fundamentalmente saber se foi ou não violada a vinculação de administração da justiça em prazo razoável, de acordo com os princípios do TEDH e Tribunais Nacionais;
2 - Tal admissão deve também ser aceite por se estar perante uma execução de natureza laboral, que de acordo com o TEDH, deve ser classificada como urgente na sua apreciação e desenvolvimento;
3 - A interpretação levada a cabo pelo Tribunal “a quo” pode levar a situações de grande injustiça, e à total ineficácia da proteção dos Direitos do Homem, na vertente do Direito a obter uma decisão em prazo razoável, pelo que deve tal questão ser analisada e decidida por esse Supremo Tribunal!!
4 - A decisão proferida pelo Tribunal “a quo” apresenta um raciocínio que não é congruente com a esmagadora maioria das decisões do TEDH, que se impõem, contrariando igualmente parte da jurisprudência nacional, colocando em crise a segurança e certeza jurídicas, pela ocorrência de tamanhas discrepâncias decisórias em termos de determinação dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado, por violação do art. 6º da CEDH, sendo que a mesma questão não pode ter soluções diferentes, o que descredibiliza todo o sistema judiciário.
5 - Tratando de questões que assumem importância basilar, mostra-se curial a apreciação do presente Recurso por esse Tribunal Superior e distintos Juízes Conselheiros, com vista a garantir a boa aplicação do direito, evitando que as instâncias judiciais, e em último reduto o Estado Português, sistematicamente violem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
6 - Está em causa um assunto de enorme relevância jurídica e social, reportando-se a processos atrasados, violação do artigo 6º da CEDH, desrespeito pela Jurisprudência do Tribunal Europeu, o único que pode fazer uma interpretação autêntica desse artigo.
7 - O recurso é também importante porque como existem milhares de processos atrasados, o Tribunal Superior fazendo respeitar a jurisprudência do TEDH, pode contribuir para que o Estado crie mecanismos para obstar à morosidade da justiça.
8 - Na ação sub-judice, sob pena de futura condenação internacional do Estado, no TEDH, por divergências entre a aplicação tida por apropriada e a interpretação dada pelo TEDH, na análise dos dados jurisprudenciais atinentes à densificação dos conceitos da Convenção, a jurisprudência daquele Tribunal tem que ser tomada obrigatória e primordialmente em conta;
9 - Para a jurisprudência do TEDH a responsabilidade do Estado pela morosidade da Justiça estende-se às entidades e agentes que colaborem com a Justiça.
10 - Não é aceite o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, ao considerar que o período de duração média de um processo é de 6 anos e não de 3, entendimento esse que não só é contrário à maioria da jurisprudência nacional, assim como oposto à posição assumida pelo próprio TEDH!
11 - Tal não-aceitação dessa posição, deriva do facto de, em primeira mão, se estar a falar de um processo no âmbito do qual não foi realizado qualquer julgamento, nem existiu segundo grau de jurisdição, pelo que o prazo razoável de duração da ação, atendendo à complexidade do mesmo e tramitação processual, não deveria ser superior a 3 ou 4 anos;
12 - Para a Recorrente, também é de rejeitar o entendimento segundo o qual o Tribunal a quo conclui que o período de duração da ação, não é integralmente da responsabilidade do Estado Português, imputando à Recorrente, paragens derivadas de cartas precatórias e período durante o qual se procedeu à penhora de rendas;
13 - A discordância da Recorrente prende-se ainda com o facto de existirem entendimentos jurisprudenciais, no sentido de que “incumbe ao Estado criar mecanismos processuais para obstaculizar ou para evitar o prolongamento da tramitação processual decorrente das próprias vicissitudes processuais e dos comportamentos de alguma das partes. O facto de a lei processual permitir que uma das partes não adote as diligências mais corretas e que tornam a lide mais célere, não afasta a ilicitude do Estado decorrente da não organização de um sistema judiciário que viabilize lides rápidas e efetivas”;
14 - A discordância da Recorrente prende-se ainda com o entendimento doutrinário defendido nomeadamente por Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que - em princípio, sublinhe-se - a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia!” Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
15 - Ao contrário do Acórdão proferido do Tribunal a quo que interpreta como razoável a duração de uma ação de menor complexidade, sem instâncias de recurso, por 6 anos!!! Tal duração seria razoável para um processo com vários intervenientes e incidentes, com instâncias de recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, quiçá até ao Constitucional, não para um processo referente a créditos laborais com a simplicidade do que está em causa.
16 – Da análise dos autos, não se vislumbra nenhuma das causas de complexidade acima referidas, pelo contrário, o processo atrasou pela falta de meios e de agilização processual por parte do Tribunal, que ao invés de sucessivamente notificar a Recorrente para juntar moradas da Executada, podia e devia lançar mão de expedientes que permitiam ultrapassar essa situação, por exemplo, com consultas às bases de dados ou notificação pessoal, o que não se verificou. Pelo que, atendendo à tramitação do processo que atrasou, à natureza dos direitos em causa e à simplicidade do mesmo, seria razoável que o processo, no total, durasse 3 a 4 anos.
17 - Nem a Recorrente, exequente nos autos que atrasaram, tinha qualquer interesse na dilação do processo, como não tem obrigação de saber as moradas exatas da Exequente. A Recorrente acedeu a todos as notificações do Tribunal, contudo o Tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, dever de gestão processual e dever de colaboração podia e devia ter recorrido aos instrumentos legais disponíveis para obviar a este tipo de situação, assim como o legislador criar meios para evitar que os devedores fujam ao cumprimento das suas obrigações, especialmente, em processos de natureza laboral!!!
18 - Seguir tal interpretação vai levar a que um simples requerimento de suspensão da instância aumente o prazo de duração razoável, quando esse tipo de instrumento processual faz parte da normal tramitação dos processos e encontra-se na livre disponibilidade das partes, com determinados limites legais escrutinados pelo Juiz do processo.
19 - A Recorrente estava a receber o valor das rendas de um imóvel da Executada, o que se verificou entre 06/12/2012 e 14/02/2014 (data em que foi entregue a última renda). Na data de 14/02/2014 o processo contava com dois anos e 5 meses de duração, encontrando-se dentro do prazo razoável, inserindo-se o requerimento da Recorrente dentro da normalidade processual e das prerrogativas que lhe assistem, não devendo tal período ser descontado, porquanto é o equivalente a apresentação de articulados ou realização de julgamento num processo declarativo, ou seja, enquadra-se na normal tramitação.
20 - Motivo pelo qual não faz qualquer sentido acrescer o tempo de prazo razoável, ou descontar este período no período excessivo, sendo esse período de 501 dias correspondente à normal tramitação do processo, encontrando-se dentro do prazo razoável, o qual apenas foi excedido a partir de Setembro de 2014!
21 - Não sendo imputável à Recorrente as vicissitudes ocorridas nas cartas precatórias, porquanto conforme referido cabe ao Estado e aos Tribunais ultrapassarem tais limitações, no caso, bastava a cooperação do Tribunal para que se procedesse à notificação dos herdeiros, incumbindo ao Estado, enquanto legislador, criar mecanismos que permitam dirimir estas problemáticas.
22 - O Estado...
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