Acórdão nº 0411/16.0BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08-11-2023
Data de Julgamento | 08 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 0411/16.0BEPNF |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recorrente: Administração Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A..., S.A.”
1. RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, na sequência do indeferimento da prévia reclamação graciosa, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2011, na parte em que entendeu ilegal a correcção que a AT efectuou por não aceitar como custos dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável os montantes respeitantes aos encargos bancários suportados com empréstimos e por ter recusado a aplicação do benefício fiscal ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) de 2009, aprovado pelo art. 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março.
1.2 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«A. A Fazenda Pública (FP) não pode concordar com os fundamentos da douta sentença recorrida, quanto à desconsideração como custos fiscais dos encargos bancários suportados pela impugnante e, bem como, quanto ao reconhecimento do benefício fiscal ao abrigo do RFAI.
B. A douta sentença recorrida considera como custos fiscais, contrariamente ao entendimento perfilhado pela AT, os encargos bancários suportados pela impugnante decorrentes de empréstimos efectuados a título gratuito à sociedade comercial “B... SGPS S.A”, sociedade esta que detém 100% do capital social da Impugnante, exercendo a posição de sociedade dominante face à Impugnante.
C. Defendendo que a correcção promovida pela AT constitui uma intromissão na autonomia de gestão da impugnante, e viola o disposto no artigo 23.º do CIRC.
D. Ora não podemos concordar com este juízo de valor quanto à prova produzida nos autos.
E. Conforme decorre do relatório da acção inspectiva foram efectuados diversos empréstimos a título gratuito à sociedade comercial “B... SGPS S.A”, sociedade esta que detém 100% do capital social da Impugnante, exercendo a posição de dominante face à Impugnante.
F. Ora, estas liberalidades não se inserem no objecto social e na actividade económica da empresa, assim como também não preenchem o requisito de indispensabilidade dos custos para a manutenção da fonte produtora da sociedade impugnante, condição necessária à sua aceitação para efeitos de dedução em matéria fiscal.
G. A não consideração dos empréstimos gratuitos da impugnante à sociedade dominante “B... SGPS S.A”, não traduzem actos normais de gestão, mas sim em actos anormais de gestão como bem diz Tomás Cantista Tavares em Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 155, “nos actos anormais de gestão, não se duvida que a operação terá ocorrido nos exactos termos em que foi contabilizada. A censurabilidade centra-se, apenas e tão só, na hipotética divergência com o interesse da organização ou, por outras palavras, no carácter não indispensável de um custo formalmente indisputável”.
H. A AT não efectuou qualquer intromissão na autonomia de gestão da Impugnante.
I. A AT efectuou uma análise aos custos deduzidos à luz da sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora da Impugnante, conforme consta do relatório de inspecção tributária a págs. 4 “Com o montante cedido à sociedade B... SGPS SA o sujeito passivo poderia ter evitado gastos e perdas de financiamento suportados, pelo que os juros e imposto de selo sobre juros incorridos com empréstimos obtidos não se revelaram comprovadamente indispensáveis para a actividade do sujeito passivo neste exercício económico, não podendo ser, uma parte deles, considerados como gastos fiscais nos termos do normativo mencionado”.
J. Os cálculos de juros posteriores à fundamentação no relatório de inspecção, sobre os financiamentos efectuados tiveram como objectivo repor uma situação normal de empréstimos entre sociedades, de um hipotético lucro que a sociedade impugnante deixou de declarar para efeitos fiscais, com a gratuitidade dos empréstimos à sociedade dominante.
K. Sendo que nesta análise do escopo societário e indispensabilidade do custo, a gratuitidade dos empréstimos efectuados nunca podiam ser considerados como actos normais de gestão ainda que ruinosos como se entende em determinadas circunstâncias, mas sim actos anormais de gestão.
L. Novamente Tomás Cantista Tavares, na obra anteriormente citada, pág. 142, escreve o seguinte “Nestes actos anormais de gestão, o benefício de terceiros, sobrepõe-se ao da sociedade (é obtido à custa do sacrifício da empresa), de tal forma que os actos se tornam abstractamente inadaptáveis ou aprioristicamente inconformáveis com o interesse da organização. Em resumo, à ausência do escopo lucrativo para a organização corresponde um benefício para outrem. Em tese, esses titulares são as entidades com o poder para modelar ou influenciar as decisões societárias (as cúpulas – sócios e administradores – e as sociedades-mãe nas relações de grupo) e, em geral, todos os que se conexionem juridicamente com a empresa”.
M. Ora não restam dúvidas que no caso em concreto, quem beneficiou da gratuitidade dos empréstimos foi a sociedade dominante “B... SGPS S.A”, por a impugnante não ter cobrado os respectivos juros devidos pelos empréstimos e ainda pretender beneficiar da dedução dos encargos bancários desses empréstimos que não eram do interesse societário, nem indispensáveis, nem contribuíram para a manutenção da fonte produtora dos lucros da empresa, apenas serviram para benefício exclusivo de uma outra entidade que exerce posição de domínio sobre a impugnante com os mesmos órgãos decisores.
N. A razão de ser destes actos anormais de gestão, apenas dizem respeito à relação existente entre a impugnante e sociedade dominante.
O. Contudo, não preenchem o requisito intrínseco da indispensabilidade para a dedutibilidade dos custos com encargos bancários decorrentes dos empréstimos obtidos pela impugnante para prossecução de interesses alheios neste sentido a jurisprudência do STA no Acórdão 0779/12 de 24/09/2014.
P. No mesmo sentido a jurisprudência do TCAN no Acórdão 00624/05.0BEPRT de 12/01/2012.
Q. Assim nunca poderia a douta sentença recorrida caracterizar, face à prova carreada para os autos, os encargos bancários referentes aos empréstimos contraídos pela Impugnante em benefício de uma entidade terceira como fiscalmente dedutíveis, sem cobrar juros por esses mesmos empréstimos,
R. Quando os aludidos encargos não são indispensáveis para a obtenção de lucros na esfera jurídica da Impugnante, constituem uma gratuitidade e contraídos em benefício de interesses alheios que não se inserem no escopo societário como indispensáveis para fonte produtora de lucros da impugnante.
S. Pelo que, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de facto, designadamente, em errónea valoração da prova produzida quanto à aceitação dos encargos bancários supra referidos como custos fiscais dedutíveis.
T. A Fazenda Pública manifesta ainda o seu desacordo quanto ao sentido da sentença recorrida no que respeita ao reconhecimento do benefício fiscal ao abrigo do RFAI de 2009 consagrado no art. 13.º da Lei 10/2009 de 10 de Março.
U. Conclui a douta sentença recorrida quanto a este ponto que “É manifestamente insustentável e violadora de lei a exigência, por parte da AT, da “criação líquida de emprego” por parte da Impugnante para o reconhecimento da dedução à colecta ao abrigo do RFAI uma vez que, em momento algum, a lei impõe tal pressuposto.
Assim, e face a tudo o exposto, assiste razão à Impugnante, sendo anulável a decisão da AT no que esta matéria respeita, por vício de violação de lei, o que desde já se declara”.
Ora,
V. Face à prova produzida nos autos, bem como a correcta interpretação do estipulado no RFAI de 2009, a expressão “criação de emprego” de acordo com a verdadeira ratio legis corresponde à criação líquida de emprego, ou seja ao saldo positivo entre os despedimentos verificados e as admissões efectuadas no determinado período de imposto.
W. Qualquer outro sentido diferente do preconizado pela AT quanto à interpretação da ratio legis, esvazia de conteúdo a própria criação desta lei.
X. O pensamento do legislador ao criar os benefícios fiscais do EBF, SIFIDE ou RFAI é o de premiar o claro aumento de pessoas em situação de pleno emprego.
Y. Ora no caso em concreto, e da prova produzida, verifica-se que foram despedidas cinco (5) pessoas e admitidas outras cinco (5) com contrato de trabalho sem termo.
Z. Deste modo, não houve efectiva criação líquida de emprego, e consequentemente, nunca poderia ser aplicado o benefício fiscal concedido pelo RFAI 2009.
AA. A admitir o uso do sentido literal da norma “criação de emprego” sem aplicar-lhe a ratio legis, ou pensamento do legislador no sentido de criação líquida de emprego, estaremos a desvirtuar o sentido de aplicação dos benefícios fiscais para o aumento de pessoas empregadas.
BB. Em situações concretas a admitir a aplicação deste benefício fiscal pela mera criação de emprego, podemos cair no absurdo, do uso abusivo pelas entidades empregadoras de efectuarem mais despedimentos que admissões e mesmo assim serem beneficiadas pelo RFAI 2009, apenas pelo uso menos feliz da expressão “criação de emprego” quando o seu claro sentido no ordenamento jurídico é a de criação líquida de emprego.
CC. A criação líquida de emprego é o único sentido que pode ser aplicado neste caso, face a todo o enquadramento jurídico português, após análise da sucessão de leis no tempo dos benefícios fiscais, assim como o princípio basilar consagrado no art 58. n.º 2 alínea a) da Constituição da República Portuguesa, na criação de políticas de pleno emprego.
DD. Assim...
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