Acórdão nº 04/20.7BCPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-03-24

Ano2022
Número Acordão04/20.7BCPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



RELATÓRIO


O MUNICÍPIO DE PAÇOS DE FERREIRA, inconformado com o acórdão do TCA-Norte que deferiu parcialmente o seu pedido de redução de honorários e despesas que haviam sido fixados por decisão do Tribunal Arbitral constituído para dirimir litígio entre si e a ADPF - Águas de Paços de Ferreira, SA, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões
Enquadramento
A) Vem o presente recurso interposto do acórdão, de 27 de outubro de 2021, que concedeu “provimento ao recurso”, tendo fixado “o valor do processo de arbitragem em 57.551.146,40€”;
B) Não obstante o provimento, o Tribunal a quo indeferiu o pedido principal formulado pelo recorrente (de fixação do valor da arbitragem em €5.684.539,45) pelo que o recurso incide sobre este segmento do referido acórdão;
C) O Recorrente não se conforma com o referido acórdão (naquele segmento), visto que o mesmo padece de vários erros que determinam a sua invalidade, entre os quais: (i) erro de julgamento da matéria de direito (I) e (ii) erro de julgamento da matéria de direito (II);
Erro de julgamento de julgamento da matéria de direito (I)
D) O Tribunal a quo, através do acórdão recorrido, deu provimento ao pedido de redução dos montantes de honorários e encargos de arbitragem, mas apenas quanto ao pedido subsidiário formulado pelo recorrente (fixação do valor da arbitragem em €57.551.146,40), o que significa que o pedido principal formulado pelo recorrente (de fixação do valor da arbitragem em €5.684.539,45) foi indeferido pelo Tribunal a quo;
E) Segundo se depreende do acórdão recorrido, a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo assenta no pressuposto de que os pedidos formulados pela Demandante são alternativos;
F) Sendo que, para o Tribunal a quo, essa alternatividade assenta num outro pressuposto: de que “o pedido subsidiário compreende e engloba o valor do pedido principal”;
G) É verdade que a Demandante formulou dois pedidos: um pedido principal e um pedido subsidiário;
H) Não obstante a assertividade dos pedidos, a verdade é que o Tribunal a quo parece concluir que aqueles pedidos são, afinal, alternativos;
I) Ao fazê-lo, o Tribunal a quo está a admitir que os tribunais – incluindo, no caso, o Tribunal Arbitral – podem – quanto mais não seja para efeitos da definição do valor da causa e, consequentemente, no caso, para efeitos da fixação dos honorários e encargos da arbitragem – alterar os pedidos formulados pelas partes, em concreto, a qualificação (que as partes) fizeram dos pedidos;
J) É manifesto que tal não é possível, por contender com o princípio do dispositivo, do qual resulta que “às partes cabe, em exclusivo, a determinação do objeto do processo, constituído por dois elementos, sobre os quais possuem completa disponibilidade: o pedido e a causa de pedir”;
K) Ora, estando o processo, e o seu objeto, na disponibilidade das partes, os poderes dos tribunais sofrem, nesse âmbito, uma compressão, não podendo, desde logo, apreciar, muito menos condenar em objeto diverso do pedido, sob pena de nulidade da sentença, donde decorre que é inegável que, tendo em conta o princípio do dispositivo, os tribunais não podem alterar os pedidos formulados pelas partes, designadamente, a respetiva qualificação;
L) E não o podem fazer não apenas para efeitos da decisão da causa, mas também para decisão de questões incidentais, como seja para efeitos de fixação do valor da causa;
M) Nem se invoque, contra isto, que, a ser assim, os tribunais não podem fixar o valor da causa; isto porque, é aos tribunais que cabe a fixação do valor da causa; todavia, essa fixação tem de respeitar as regras legais, como as que constam do artigo 297.º, n.º 3, do CPC, as quais distinguem os pedidos alternativos (primeira parte) dos subsidiários (segunda parte); da conjugação desta regra com o princípio do dispositivo, resulta que os tribunais fixam o valor da causa, atendendo aos pedidos tal como formulados pelas partes e não como os tribunais acham que os pedidos deveriam ter sido configurados;
N) Ora, foi exatamente isso que o Tribunal a quo fez (assim como o Tribunal Arbitral), o que, como se disse, constitui uma violação do princípio do dispositivo e dos seguintes normativos: artigo 17.º, n.º 3, da LAV, cláusula 9.ª, n.º 5, do Regulamento Arbitral, artigo 49.º, n.º 1, do Regulamento CACCIP, artigos 306.º e 297.º, n.º 3, do CPC, e artigo 46.º, n.º 3, alínea a), v) da LAV;
O) Em vez disse, deveria o Tribunal a quo ter fixado o valor da ação considerando os pedidos concretamente formulados pela Demandante;
P) Em suma, o Tribunal a quo deveria, para efeitos de fixação do valor dos honorários e despesas da arbitragem, ter fixado o valor da causa em €5.684.539,45 [correspondente à soma de €3.350.000,00 (pedido principal da Demandante) com €2.334.539,45 (pedido reconvencional)];
Q) Consequentemente, o Tribunal a quo deveria ter julgado procedente o pedido de redução de honorários e despesas formulado Recorrente, nos termos referidos no ponto anterior;
R) Ao não tê-lo feito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito e violação de lei (artigo 17.º, n.º 3, da LAV, cláusula 9.ª, n.º 5, do Regulamento Arbitral, artigo 49.º, n.º 1, do Regulamento CACCIP, artigos 306.º e 297.º, n.º 3, do CPC, e artigo 46.º, n.º 3, alínea a), v) da LAV, assim como do princípio do dispositivo), impondo-se, assim, a revogação do acórdão recorrido e a substituição por outro que defira o pedido de redução dos custos de arbitragem formulado pelo Recorrente, nos termos referidos em P).
Erro de julgamento de julgamento da matéria de direito/violação de lei (II)
S) O Tribunal a quo, através do acórdão recorrido, deu provimento ao pedido de redução dos montantes de honorários e encargos de arbitragem, mas apenas quanto ao pedido subsidiário formulado pelo recorrente (fixação do valor da arbitragem em €57.551.146,40), o que significa que o pedido principal formulado pelo recorrente (de fixação do valor da arbitragem em €5.684.539,45) foi indeferido pelo Tribunal a quo;
T) Segundo se depreende do acórdão recorrido, a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo assenta no pressuposto de que os pedidos formulados pela Demandante são alternativos, sendo que, para o Tribunal a quo, essa alternatividade dos pedidos assenta num outro pressuposto: de que “o pedido subsidiário compreende e engloba o valor do pedido principal”;
U) Ou seja, parte o Tribunal a quo do pressuposto de que, sempre que “o pedido subsidiário compreende e engloba o valor do pedido principal”, se está perante pedidos alternativos;
V) Sucede, porém, que, a entender-se que os tribunais podem alterar os pedidos formulados pelas partes, esse pressuposto (de que parte o Tribunal a quo) é destituído de sentido e carecido de base legal;
W) Isto porque essa tarefa de requalificação do pedido deverá atender à realidade concreta e não a uma premissa que, por ser geral e abstrata, está desgarrada daquela realidade;
X) Mais, essa tarefa não pode ser feita sem se atender aos concretos pedidos em questão, em todos os seus aspetos e não apenas a um deles (como o respetivo valor);
Y) Ora, não foi isto que aconteceu no caso;
Z) E não aconteceu, pelas razões acima indicadas, mas também e sobretudo por estarem em causa pedidos (principal e subsidiário) totalmente distintos;
AA) Desde logo, porque têm objetos diferentes: repare-se que o pedido principal, para além da condenação no pagamento de uma compensação financeira, engloba o reconhecimento (à Demandante) dos direitos de não aplicação do tarifário reduzido e de aplicação do tarifário em vigor antes do aprovado em 20.03.2017; já o pedido subsidiário, engloba “apenas” um pedido de condenação de uma compensação financeira;
BB) Em segundo lugar, embora isso não conste do acórdão recorrido, não se pode dizer, como fez o Tribunal Arbitral, que “o pedido principal envolve, a ser procedente, utilidade idêntica à da procedência do pedido subsidiário, porque se este for procedente a Demandante obterá o mesmo resultado que lhe adviria da denominada “compensação financeira única” através do pagamento da compensação cumulada com a perceção, ao longo da concessão, dos montantes que resultassem da aplicação do tarifário que entende ser aplicável (em vez do reduzido) (ponto 11);
CC) Isto pela simples razão de que, de acordo com o contrato (de concessão) celebrado entre o Recorrente e a Demandante (e a matriz de risco que nela está vertido), a procedência do pedido principal não significa que esta última tenha o direito a (e que vá efetivamente) receber uma quantia equivalente ao pedido subsidiário;
DD) Acresce ainda que o recebimento da quantia equivalente ao pedido subsidiário (em caso de procedência do pedido principal) não constitui – nem constituirá nunca – uma responsabilidade da Demandante, mas sim dos utentes (por via do pagamento das tarifas/preços), o que não pode deixar de ser levado em consideração para efeitos de aferir da equivalência da utilidade económica do pedido;
EE) Em suma, o Tribunal a quo, para efeitos de fixação do valor dos honorários e despesas da arbitragem, deveria ter fixado o valor da causa em €5.684.539,45 [correspondente à soma de €3.350.000,00 (pedido principal da Demandante) com €2.334.539,45 (pedido reconvencional)];
FF) Consequentemente, o Tribunal a quo deveria ter julgado totalmente procedente o pedido de redução de honorários e despesas formulado Recorrente, nos termos referidos no ponto precedente;
GG) Ao não tê-lo feito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito e violação de lei (artigo 17.º, n.º 3, da LAV, cláusula 9.ª, n.º 5, do Regulamento Arbitral, artigo 49.º, n.º 1, do Regulamento CACCIP, artigos 306.º e 297.º, n.º 3, do CPC, e artigo 46.º, n.º 3, alínea a), v) da LAV,...

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