Acórdão nº 037/22.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-10-19

Ano2022
Número Acordão037/22.9BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

Acórdão


1.Relatório

1.1.“A…………, Corporação Missionária” veio, ao abrigo do preceituado, conjugadamente, nos artigos 25.º, n.º 2 do regime no n.º2 do artigo 25.º do RJAT, e do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA interpor recurso para uniformização de jurisprudência, alegando que, perfilharam entendimentos opostos relativamente à mesma questão fundamental de direito, por um lado a decisão recorrida, proferida no Processo nº 377/2021–T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 31/01/2022, apresentando como fundamento, a decisão proferida pelo mesmo CAAD no Processo nº 384/2020-T de 02/01/2021.

1.2. As alegações de recurso apresentadas, através das quais a Recorrente visa demonstrar a referida oposição, mostram-se finalizadas com as seguintes conclusões.

a) A Recorrente é, nos termos dos artigos terceiro e quarto da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente erecta, devidamente registada em Portugal, tal como consta da Certidão de cinco de maio de 2005 passada pelo Governo Civil de Lisboa.

b) Nos termos dos respectivos estatutos a Recorrente é uma Congregação Missionária que se dedica à missionação da fé católica e à ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.

c) As actividades prosseguidas pela Recorrente, enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.° 1 do art.° 1° do Dec. Lei 119/83, de 25/2, alterado pelo Dec Lei n.° 172-A/2014 de 14/11, pelo que, apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, prossegue materialmente os fins destas entidades, encontrando- se o prédio objecto do presente litígio afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade.

d) Este mesmo entendimento foi sancionado por sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do despacho n.° 283/2005, de 9/3, exarado na sequência do relatório elaborado pelo grupo de trabalho constituído por despacho do Sr. Ministro das Finanças e da Administração Pública, com vista à análise “das implicações tributárias decorrentes da aplicação da nova Concordata e do restante quadro jurídico tributário aplicável à Conferência Episcopal Portuguesa, às Dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como às demais pessoas jurídicas canonicamente erectas”, no seu ponto 3.9, segundo o qual “podem as pessoas jurídicas canónicas que preencham a hipótese normativa 12° e 26° n.° 5 da Concordata de 2004, independentemente de não possuírem outro estatuto jurídico, requerer (se elas não forem automáticas) as isenções que o direito interno estatui para (...) as pessoas colectivas de utilidade pública (...) e para as IPSS e entidades anexas.” E ainda pela circular 10/2005 de 2/11.

e) Sendo equiparada a IPSS e sendo a recorrente, como conforma a decisão fundamento, por força da lei uma Instituição Particular de Utilidade Pública a isenção de IMI sobre os bens afectos imediata ou mediatamente à prossecução dos seus fins é automática.

f) Isenção que de resto vigorou até 2015, não tendo a recorrente de resto sido notificada de acto administrativo definitivo e impugnável que fundamentasse a cessação dessa isenção.

g) O entendimento sobre esta mesma questão de direito postulado na decisão arbitral preferida no processo 144/2020-T de que se recorre, está em oposição com decisão anterior proferida pelo mesmo CAAD no processo 384/2020-T Designadamente:

e) do nº 1 do artigo 44º do EBF. Ou seja, esta isenção é oficiosa. A IPSS e PCUP só tem que, após a aquisição do bem imóvel, inscrever na matriz o prédio. É a AI. depois, que tem o dever de impulso procedimental promovendo tudo o que for necessário para própria Requerente pode a ela renunciar nos termos do n° 8 do artigo 14º do EBF e por isso tem o dever, a obrigação legal, de pleitear, sempre que a mesma lhe não esteja reconhecida.

2. Quanto aos imóveis que estejam arredados ou cedidos e sirvam para obtenção de rendimentos para financiar os fins estatutários (imóveis de rendimento) é aplicável a norma isentiva da alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/88, de 14.09. Esta isenção é obtida através do procedimento geral de reconhecimento dos benefícios fiscais (n° 3 do artigo 5° do EBF e artigo 65° do CPPT).

Naturalmente há que ter em conta o principio geral do artigo 160º do Código Civil, segundo qual a admissão de que uma entidade prossegue determinado fim (fim teleológico) tal comporta a aceitação dos meios necessários e convenientes para a sua prossecução.

Ou seja, um determinado imóvel que seja propriedade de uma IPSS, tanto serve a realização dos seus fins estatutários (os fins mediatos, o fim teleológico, a razão de ser da entidade):

1. quando nele se instalam os serviços da sua estrutura organizativa (instalações da sede e dos seus serviços): como

2. quando serve para gerar proveitos (rendas) que são aplicados para custear, sustentar e promover a concretização dos seus fins estatutários (fins mediatos, fim teleológico). Não se consegue promover fins de solidariedade sem recursos, venham eles de subsídios do Estado ou de autofinanciamento das próprias IPSS. Neste caso, fomentando-se o autofinanciamento (pelo imposto que a IPSS deixa de pagar e que constitui uma ajuda indirecta de Estado) evita-se o recurso a subsídios directos do Estado com origem nos impostos pagos pelos cidadãos em geral.

h) De facto as únicas actividades que a requerente pode licitamente prosseguir são as de natureza religiosa e as de natureza social atenta a sua natureza canónica, pelo que tal facto decorrendo da lei não carece de outra prova que não seja a da natureza canónica da instituição.

i) Não são os fins imediatos decorrentes da utilização do imóvel que determinam a isenção mas antes a sua afectação aos fins da instituição como reconhece a decisão fundamento.

j) Enferma por isso, no entender da recorrente e com o devido respeito, que a decisão proferida no processo 377/2021-T de erro na aplicação do Direito, quanto ao carácter automático da isenção de IMI, como decorrência do seu estatuto de utilidade pública e do carácter vinculativo para a administração tributária do artigo 12° do tratado (concordata) internacional celebrado entre Portugal e a Santa Sé, estando em oposição com o entendimento sufragado na decisão anterior proferida pelo mesmo CAAD no processo 384/2020-T quanto a esta mesma questão de direito.

k) O reconhecimento automático da isenção nos termos supra alegados traduz-se na prática de um acto administrativo tributário de conteúdo vinculado, pelo que a conduta da AT viola os princípios da legalidade e ainda da neutralidade fiscal que devem nortear a actuação da administração tributária.

1.3. Conclui pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que reconheça o direito da Recorrente à isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante IMI), com a consequente anulação da liquidação no montante global de € 33.865,82.

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, não contra-alegou.

1.5. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso por, pese embora ambas as decisões arbitrais se terem pronunciado sobre a questão de isenção de IMI devida por imóvel afecto à prossecução dos seus fins, não lhe assistir razão, antes se devendo confirmar a decisão recorrida por a Recorrente não ter logrado demonstrar os requisitos objectivos de que está dependente o reconhecimento dessa isenção nem ter logrado demonstrar que apresentou junto da Administração Tributária pedido de isenção e que este haja infundadamente indeferido esse reconhecimento.

1.6. Notificadas as partes do Parecer do Ministério Público, veio a Recorrente apresentar requerimento cujo teor se transcreve:

«A……….., CORPORAÇÃO MISSIONÁRIA, recorrente nos presentes autos, notificada do douto parecer apresentado pelo Ministério Público, vem, nos termos do art. 20.º da C.R.P., bem como dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, estabelecidos nos arts. 3.º e 4.º do C.P.C. pronunciar-se sobre o mesmo nos termos seguintes:

1- O douto parecer reconhece o direito à isenção de IMI da recorrente, pugnando no entanto pela tese de que tal isenção estaria dependente da prática de um acto administrativo por parte da AT e da demonstração por parte da recorrente do preenchimento dos requisitos objectivos previsto no art.º 44 do EBF, o que se afigura, com o devido respeito contraditório com a própria letra da lei. É que a requerente não é apenas uma entidade equiparada a IPSS, como possui o estatuto de utilidade pública, mas mais importante é que, ao contrario de outras IPSS a natureza canónica da recorrente não lhe permite face à lei do estado e ao texto concordatário exercer qualquer outro fim que não seja o fim religioso ou de assistência social, cfr art.º 12º da concordata, ou seja, objectivamente, sem necessidade de qualquer verificação, e não apenas subjectivamente, a requerente preenche, todos os requisitos para beneficiar da isenção prevista no art.º 44 do EBF, na parte do imóvel não afecto directamente às actividades de culto, uma vez que em relação a estas actividades tem aplicação directa o art.º 26º da concordata.

2- Mas ainda que assim não se entendesse, a AT dispõe de informação objectiva sobre o preenchimento dos citados requisitos para o reconhecimento da isenção de IMI, através da declaração anual prestada pela recorrente, no cumprimento das suas obrigações fiscais, relativa às suas diversas obras sociais.

3- Quanto à questão de saber se o direito à isenção automática de IMI nos termos do citado art.º 44º do EBF, invocado pela recorrente e sufragado no arresto fundamento é de conhecimento oficioso por...

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