Acórdão nº 0368/21.5BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-02-21

Ano2024
Número Acordão0368/21.5BESNT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Espécie: Recurso de revista de acórdão do TCA

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido em 12/10/2023, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra.

2. No âmbito de processo cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo que AA apresentou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), foi proferida sentença em 03/12/2021, em que, antecipado o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1, do artigo 121.º do CPTA, o TAF de Sintra julgou a ação procedente, anulando o Despacho do Ministro da Administração Interna, de 31/03/2021, que aplicou ao Requerente a pena disciplinar de demissão da Polícia de Segurança Pública (PSP).

3. Inconformada, a Entidade Demandada recorreu para o TCAS, o qual, por acórdão de 12/10/2023, com diferente fundamentação, confirmou o sentido da sentença objeto de recurso.

4. É deste acórdão do TCAS que vem interposto, pelo MAI, o presente recurso de revista, cujas alegações o Recorrente conclui da seguinte forma:

A. A admissão do presente recurso de revista é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito» (cf. artigo 150.º, n.º 1, do CPTA), na medida em que o douto acórdão impugnado não tratou corretamente questões de direito com inescapável «relevância jurídica ou social», como são as questões da concretização do conceito indeterminado de inviabilização da manutenção da relação funcional e da identificação dos poderes do Tribunal na sindicância de atos administrativos punitivos. Com efeito,

B. O Ministério da Administração Interna entende que se justifica que o Supremo Tribunal, com grande sentido de responsabilidade sobre o conjunto da Justiça Administrativa, se pronuncie no caso vertente, a fim de clarificar a competência atribuída por lei ao detentor do poder disciplinar para interpretar o conceito de inviabilização da manutenção funcional, tendo em mente o fim legal de manter a disciplina na Corporação;

C. E a fim de clarificar os poderes de sindicância da legalidade que detêm os Tribunais Administrativos, aquando da apreciação de decisões punitivas da Administração.

D. Torna-se, assim, «necessária» a intervenção deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo para orientar as atuações futuras dos Tribunais Administrativos, bem como da Administração, garantindo-se o cumprimento da legalidade.

E. No entender do Ministério da Administração Interna, o douto acórdão impugnado incorreu em incontornáveis erros de direito, razão que torna “claramente necessária” a admissão do presente recurso de revista pelo Supremo Tribunal, de maneira a evitar que se constitua de futuro, por indiferença, uma orientação defeituosa para os tribunais de primeira e de segunda instância,

F. O douto Acórdão deliberou o seguinte: “Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, embora com fundamentação acrescida e nem sempre coincidente, confirmar o sentido da Sentença objeto de Recurso.” (cf. pág. 14).

G. E o motivo avançado foi o seguinte: «Como se disse já, se é certo que a conduta do agente policial violou gravemente os deveres decorrentes da função policial, mostrando-se indigna de um agente da autoridade, potencialmente lesiva da imagem da PSP, tal não poderá significar que de imediato, e sem quaisquer antecedentes de natureza disciplinar, tenha de determinar automaticamente, sem mais, a inviabilização da manutenção da relação funcional.» (cf. pág. 14). Como se pode verificar,

H. O douto Tribunal a quo limitou-se a concluir que este Ministério não ponderou sobre a aplicação ao caso do conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional, aquando da prolação do despacho punitivo, e daí, de forma igualmente conclusiva, que foi aplicada uma pena disciplinar manifestamente desproporcional.

I. Acontece, porém, que o Tribunal a quo não logrou identificar no despacho punitivo uma manifesta desproporcionalidade, ou uma evidente injustiça, ou a adoção de critérios manifestamente desacertados, inaceitáveis ou grosseiros.

J. Limitou-se a discordar da interpretação que a Administração fez do referido conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional – a falta era de tal modo grave para a disciplina e para o prestígio e o bom nome da Corporação que a ligação do recorrido ao serviço da PSP não se podia manter –, mas desse modo extravasou o âmbito da jurisdição administrativa.

K. A Administração procedeu, tanto no relatório final, como na deliberação do Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP, como na proposta do Senhor Diretor Nacional e como na decisão final do membro do Governo, a uma ponderação sobre a gravidade da infração, o grau de desvalor jurídico-disciplinar e as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade disciplinar.

L. Exercendo o seu poder disciplinar na mais estrita observância do quadro jurídico aplicável, encontrando a solução que no caso concreto melhor servia o interesse público, de manter a disciplina na PSP e de manter o prestígio e o bom nome da Corporação e a confiança dos cidadãos na Instituição e na atuação policial dos elementos que a compõe.

M. Ao censurar esse uso adequado do poder discricionário que o legislador lhe atribuiu, o douto acórdão recorrido incorreu no erro de direito assinalado, devendo ser anulado.”.

Pede a admissão do recurso de revista e a procedência do mesmo, com a consequente anulação do acórdão do TCAS.

5. O Recorrido AA apresentou contra-alegações, em que apresenta as seguintes conclusões:

I. O presente recurso é inadmissível por não se verificarem preenchidos os pressupostos qualitativos de que depende a sua admissibilidade.

II. O artigo 150.º do C.P.T.A. prescreve de modo claro os casos em que o recurso excecional de revista é admissível: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

III. Não sendo o caso dos autos nem a primeira nem a segunda, existindo aliás dupla conforme entre as duas decisões da 1.ª instância e do acórdão recorrido, não se vislumbra de que modo pode a presente decisão que venha a ser proferida auxiliar no conhecimento de casos futuros.

IV. Estamos apenas perante um novo expediente usado pelo Recorrente, tentando, em vão, contornar a inelutabilidade de nos presentes autos não lhe restar nenhuma possibilidade recursiva.

V. Não há qualquer necessidade de uma melhor aplicação do Direito quanto ao preenchimento do conceito de inviabilidade da manutenção da relação funcional exigir um juízo de prognose a efetuar, no caso, pela PSP, no sentido de demonstrar a inviabilidade da relação funcional.

VI. O Recorrente não consegue identificar uma única decisão judicial que acomode aquela que é a sua interpretação quanto ao que deve ser a melhor aplicação do Direito.

VII. Essa questão não é controvertida nem carece de “melhor aplicação” como atestam os mais de 25 anos de jurisprudência constante.

VIII. Nunca o Recorrente alterou o seu comportamento face à referida jurisprudência, querendo agora, com manifesta arrogância, que a jurisprudência adeque a sua consolidada prática decisória, à sua infundada interpretação.

IX. Deverá, assim, o presente recurso de revista ser julgado inadmissível por não se verificarem os pressupostos qualitativos previstos no artigo 150.º do C.P.T.A.

Caso assim se não entenda, sem conceder,

X. A jurisprudência é unânime em entender que “é pacificamente entendido que o juízo de inviabilização da relação funcional não resulta ipso facto do disposto de qualquer das disposições legais do Estatuto Disciplinar aplicável aos agentes e funcionários públicos, e por isso, também em relação ao disposto no Regulamento de Disciplina da PSP, mas que resulta antes do conjunto normativo em que tal preceito se insere, alicerçado no conjunto de factos e de circunstâncias concretas conducentes à conclusão de que não é mais possível manter o vínculo jurídico-funcional existente.

XI. Está assente nos presentes autos que o Recorrente falhou uma obrigação que sobre si impendia para que pudesse aplicar a pena de Demissão, a saber: carrear para os autos factos que de forma inequívoca demonstrassem que a relação funcional estava comprometida de forma irremediável e, nessa sequência, e com base também nesses factos, fazer o juízo de prognose a que estava obrigado.

XII. O Recorrente sabe que é a si que cabe carrear factos para o procedimento disciplinar que demonstrem que a relação funcional concreta com aquele elemento policial concreto está irremediavelmente comprometida, e incluir toda a factualidade prévia à decisão disciplinar na ponderação a fazer sobre o comprometimento irremediável da manutenção da relação funcional.

XIII. O Recorrente não fez o juízo de prognose, na forma e conteúdo a que estava legalmente obrigado, ou seja, através da ponderação que incluísse todo o contexto circunstancial prévio ao momento em que ocorreram os factos que estiveram na base da sanção disciplinar, mas também os concomitantes, e, não menos importante, exigindo ainda a ponderação das circunstâncias que ocorreram desde os sobreditos factos até ser proferida decisão no procedimento disciplinar.

XIV. A Administração não está obrigada a aguardar pelo fim do processo criminal para instruir e concluir o procedimento disciplinar, mas se o fizer, naquele seu juízo de prognose sobre a inviabilidade da manutenção da relação...

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