Acórdão nº 0365/22.3BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-04-10

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0365/22.3BEAVR
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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CASA DO POVO ... deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, constante a fls.255 a 263-verso do processo físico, a qual julgou totalmente improcedente a presente oposição a execução fiscal, deduzida pela ora recorrente enquanto executada no âmbito do processo de execução fiscal nº...., o qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças da Feira, propondo-se a cobrança coerciva de dívida ao Ministério da Educação, no montante total de € 1.785.657,84, já incluindo juros de mora, derivada da reposição de quantias indevidamente recebidas ao abrigo de contrato de associação celebrado com o Estado Português.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.265 a 281-verso do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
I-O presente recurso incide, exclusivamente, sobre matéria de direito, na medida em que, no entender do Recorrente, a decisão recorrida traduz um erro na aplicação do Direito.
II-O Recurso que ora se interpõe recai no estabelecido e previsto pelo artigo 280.º do CPPT.
III-A Recorrente não pode se não discordar por completo do entendimento do Tribunal a quo, pois que, por um lado, ressalta à vista o sentido da interpretação e análise jurídica errada que foi dado ao vertido no n.º 1 do artigo 323.º do CC. Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo que se tem por interrompido o prazo de prescrição de 5 anos previsto no n.º 1 do artigo 40.º do RAFE em 29.05.2018; assim acabando por decidir, muito sumariamente, que “não se verifica, assim, o fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, n.º 1, al d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, que foi alegado pela Recorrente em sede de Oposição à Execução.
IV-Com efeito, a Recorrente procurou demonstrar os motivos pelos quais não concorda com tais interpretações proferidas na Sentença recorrida, que no fundo se materializaram no entendimento de que tanto a notificação de 29.05.2018 como a de 27.05.2019, são aptas a gerar a interrupção do prazo prescricional de 5 anos, a partir dos quais se encontra prescrita a obrigatoriedade da reposição de quaisquer quantias indevidamente percebidas (não sendo, no entanto, o mérito do recebimento das quantias, o que se discute no presente Recurso).
V-Assim, a Recorrente demonstrou, em primeiro lugar, que a jurisprudência que sustenta a Sentença recorrida, em jeito de simbiose com a Contestação apresentada pelo Exequente, não exprime, de todo em todo, uma correta interpretação e aplicação dos normativos aqui em causa. Na verdade, a jurisprudência que se apresenta no presente processo assenta TODA em Acórdãos datados de 2012 ou em Acórdãos que, ainda que proferidos em data posterior, têm por base apenas a jurisprudência daquele ano, sempre olvidando que à altura estava em vigor um CPA diferente! Ou seja: toda a jurisprudência que é hoje citada, assenta em normas que já não existem no nosso ordenamento jurídico! O novo CPA, de 2015, trouxe como principal inovação, precisamente, o regime da execução dos atos administrativos.
VI-Porém, se no anterior CPA, conforme vertido no antigo artigo 149.º, as decisões da Administração Pública eram executórias por si próprias, podendo ser impostas coercivamente por via administrativa aos particulares, sem necessidade de recurso prévio aos tribunais;
VII-Atualmente e desde 2015, apenas há lugar à execução coerciva dos atos administrativos pela Administração Pública nos casos e segundo as formas previstas na lei, em respeito, desde logo pelo princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), tendo sido retirada do ordenamento jurídico administrativo, qualquer expressão semelhante a “podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais”.
VIII-Ora, sendo esta a redação da norma desde 2015, em virtude do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01, dúvidas não restam que é esta a redação atual que se deve aplicar ao caso em concreto!
IX-Isto porquanto, os valores que se discutem no presente processo, foram recebidos já durante a vigência do novo CPA! Em concreto, nas seguintes datas: 26.10.2015, 30.12.2015, 28.12.2015, 18.02.2016, 22.03.2016, 22.04.2016, 20.05.2016, 23.06.2016, 25.07.2016 e em 23.08.2016.
X-Na verdade, atendendo ao entendimento espelhado nessa jurisprudência carreada para os autos, teríamos que, em abstrato e no limite, em virtude de atuar sob as vestes de autoridade e no exercício de poderes públicos, a Administração Pública nunca teria de recorrer a um, PEF!
XI-O PEF, tal e qual como está previsto e regulado pelo CPPT, não teria nenhuma utilidade prática, na medida em que, a ser como decorre da jurisprudência citada, a Administração Pública não teria necessidade de recorrer aos tribunais para ver reposta uma determinada quantia ou quantias, pois que, ao atuar com poderes de autoridade e numa posição de vantagem em relação aos particulares, poderia impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, a reposição de quantias indevidamente recebidas!
XII-O que jamais se poderá admitir.
XIII-Contudo, foi exatamente isso que fez a Administração Pública, aqui Executante, ao citar a ora Recorrente no PEF n.º ...37 em 12.11.2021!
XIV-Ora, salvo o devido respeito, se fosse como vem escrito na Sentença recorrida e jurisprudências citadas, não só não teria nenhuma utilidade o PEF, como seria inútil o vertido no artigo 179.º do CPA.
XV-Na verdade, se fosse assim e se a Administração Pública não necessitasse de recorrer aos tribunais para repor uma quantia que lhe é devida, não previa o legislador que ao ato administrativo que determina a reposição dessa quantia, se segue o PEF!
XVI-Em segundo lugar, demonstrou a Recorrente, que, quando na jurisprudência citada na Sentença recorrida – que se cinge, basicamente, ao Acórdão do TCAS de 26.11.2020, proferido no Proc. n.º 2184/07.8BELSB e que se reporta ao Acórdão do TCAN de 14.12.2012, proferido no Proc. nº 178/06, que, como se disse, está desajustado ao panorama atual do CPA e do direito administrativo em geral – se refere que devemos interpretar o n.º 1 do artigo 323.º do CC, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Diploma (sob a epígrafe “interpretação da lei”), tal raciocínio só vem reforçar o entendimento da Recorrente.
XVII-Se “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” – cf. o n.º 1 do artigo 9.º do CC;
XVIII-Então temos que: o n.º 1 do artigo 323.º do CC, quando aplicável a situações jurídico-públicas (e uma vez que se parte de um Diploma e normativo que regula relações privadas), deve ser lido em conjugação com o disposto no CPA, no CPTA e, quando em causa estiverem reposições de quantias e um PEF, com o disposto no CPPT e na Lei Geral Tributária (LGT).
XIX-Não só não é assim atualmente, por força do novo CPA, como o procedimento disciplinar ou o processo administrativo subjacente ao PEF não é o local próprio de aferição do direito à cobrança coerciva das quantias indevidamente recebidas!
XX-A sede própria é o PEF, conforme estipula o artigo 179.º do CPA e a alínea b) do n.º 2 do artigo 148.º do CPPT!
XXI-Motivo pelo qual, o n.º 1 do artigo 323.º não poderá ser lido de forma a que se entenda que também os atos administrativos ou notificações de caráter administrativo e extrajudicial, são suficientes a interromper o prazo prescricional de 5 anos aqui em causa.
XXII-Aliás, como refere o n.º 1 do artigo 179.º do CPA, após o ato administrativo que determine essa reposição, se o particular não proceder ao pagamento voluntário, há lugar ao PEF. Em momento algum se refere que o próprio ato administrativo tem a capacidade de iniciar a cobrança coerciva da dívida.
XXIII-Uma coisa será o procedimento administrativo e outra, bastante distinta, será sempre o PEF!
XXIV-Em terceiro lugar, o legislador não estipulou nenhum efeito “imediato” de cobrança coerciva de dívidas a partir da notificação ao particular de um ato administrativo, não só porquanto tal retiraria todo o sentido da existência do PEF e da citação executiva, mas também, entende a Recorrida, porque teve em conta a natureza da questão que subjaz a esta cobrança.
XXV-Repare-se que perigoso seria se atribuíssemos à Administração Pública e aos seus atos administrativos e notificações extrajudiciais, o poder de - porque emanados nas vestes de poderes de autoridade -, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata a reposição de uma dívida!
XXVI-É necessário, portanto, chamar à colação a LGT, que regula as situações público-tributárias, nomeadamente quanto às causas de interrupção da prescrição dependentes da atuação da Administração Tributária. Ou seja, a citação!
XXVII-Apenas a citação do PEF no âmbito da cobrança coerciva da dívida tributária é passível de interromper o prazo de prescrição. Qualquer outro ato de notificação para o pagamento de tributos (como por exemplo as notificações para o pagamento das liquidações de IRS, IMI, IMT, IUC, Imposto do Selo,…) não conferem por si só força executiva. Até mesmo a própria Administração Tributária depende da instauração do PEF, através da citação, para a cobrança coerciva dos tributos e subsequente interrupção do prazo prescricional.
XXVIII-É evidente que só os atos judiciais dão lugar à interrupção do prazo prescricional! E não como erradamente aplicou a Sentença recorrida, conduzindo aos atos extrajudiciais os mesmos efeitos que o legislador, sucessivamente nos vários Diplomas referidos, vem dar apenas aos atos judiciais, nomeadamente citação...

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