Acórdão nº 0357/23.5BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-04-10

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0357/23.5BEFUN
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 357/23.5BEFUN
Recorrente: “A... Unipessoal, Lda.”
Recorrida: Administração Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a reclamação por ela deduzida, ao abrigo dos arts. 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no processo de execução fiscal em que lhe está a ser exigida coercivamente a dívida resultante da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2015, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu pela improcedência da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.º ...66 para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2015, no montante de €57.508,15, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 263,29, totalizando a quantia de € 57.771,44, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

B. O recurso deve ter subida imediata nos próprios autos para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por respeitar exclusivamente a matéria de direito (artigos 280.º, n.º 1 e 286.º, n.º 1 do CPPT) e ter efeito suspensivo (n.ºs 3, 6 e 8.º do artigo 278.º e 286.º, n.º 2 do CPPT).

C. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à identificação do objecto e das questões ou causas de pedir.

D. De facto, entendeu o Tribunal a quo que o objecto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o teor do acto de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respectivos vícios que lhe são imputáveis.

E. Em função de tal percepção (errónea) do objecto da reclamação, concluiu pela improcedência da presente reclamação (ainda que não com fundamento na procedência da excepção do erro na forma do processo).

F. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o acto de citação (e a violação das respectivas formalidades legais) não é o objecto da reclamação judicial aqui em causa.

G. O objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.

H. Do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de Estado (de resto, sem habilitação legal) de modo fragmentado, desaplicando, em concreto, as regras que prevêem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, alegando, sem concretizar, a natureza e as características da dívida.

I. A motivação apresentada para esta opção é manifestamente insuficiente para um acto administrativo, como aliás é entendido pelo Exmo. Representante do Ministério Público.

J. Não está, assim, em causa a sindicância do acto de citação enquanto acto eminentemente informativo, mas antes do acto administrativo prévio que determinou a elaboração dos actos de citação nos termos em que o foram.

K. Os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorrecção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o princípio da efectividade da decisão de recuperação do auxílio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.

L. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.

M. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.

N. Na verdade, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,

O. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua actuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer, de forma efectiva, os seus direitos.

P. O que a AT não pode fazer é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.

Q. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão administrativa, pois – tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida –, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.º, 169.º, 189.º, 190.º, 196.º, 200.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.

R. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efectuada, o mero acto informativo que atesta a existência de uma decisão administrativa previamente tomada e não notificada ou fundamentada.

S. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do CPPT.

T. Nos termos do artigo 276.º do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são susceptíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.

U. No presente caso, sendo o acto sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios...

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