Acórdão nº 03378/10.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-03-17

Ano2022
Número Acordão03378/10.4BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Recurso de sentença que julgou procedente a impugnação contra as liquidações de IVA, IRC e juros compensatórios.

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada procedente a impugnação judicial intentada por A... (com os demais sinais dos autos, contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2005, 2006 e ao 1º, 2º e 3º trimestres de 2007, no valor de € 83.153,25 e de IRC relativas aos exercícios de 2005 e 2006 no valor de € 14.058,50 (apensação aos presentes autos do processo 3379/10.2BEPRT), inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alega, em síntese, que:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A..., com o NIF (...), contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2005, 2006 e ao 1º, 2º e 3º trimestres de 2007, no valor de € 83.153,25.
B. Sendo que, por despacho judicial foi determinada a apensação aos presentes autos do Processo de Impugnação n.º 3379/10.2BEPRT, o qual, tem por objeto as liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2005 e 2006 no valor de € 14.058,50, emitidas na sequência das correções à matéria tributável resultantes de inspeção tributária realizada à sociedade “A---, Lda”, da qual figura o Impugnante como seu legal representante, sendo os fundamentos de tal impugnação coincidentes com os da presente.
C. Constituindo as liquidações impugnadas (de IVA e de IRC para os anos considerados), o montante global de € 97.211,75.
D. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto entende que a decisão proferida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito.
E. A sentença do Tribunal a quo dá como provado, que a sociedade devedora originária, “A---, Lda”, cessou atividade perante a Administração Tributária, reportando a cessação a 31/12/2004. Todavia, considerou como factos não provados, que em finais de 2004, a sociedade “A---, Lda” tenha entregue as instalações ao proprietário, deixando de ter funcionários, de comprar, vender, de contratar e de confecionar. Também na fundamentação de direito, defende que embora a sua declaração de cessação de atividade tenha sido apresentada em 27/03/2009, mas com efeitos reportados a 31/12/2004, o impugnante não logrou provar que a referida sociedade não teve mais qualquer atividade nos anos seguintes.
F. Para além disso, não considerou provado que as faturas que deram origem às liquidações impugnadas nunca foram pagas. No entanto, na fundamentação de direito, apoiando-se em sentença proferida pelo 2º Juízo Criminal de Matosinhos sob o n.º 617/10.5TABCL, no âmbito da qual, se decidiu não ter ficado provado que as faturas ora em causa foram emitidas pelo Impugnante e que os cheques emitidos pelas sociedades a que se reportam essas faturas jamais foram recebidos pela “A---”, ou pelo impugnante, decidiu pela ilegalidade das liquidações.
G. Ora, se a sentença do tribunal a quo reconhece que efetivamente não resulta provado que a sociedade alvo das liquidações em causa, não deixou de exercer atividade nos anos após 2004, e que não resulta igualmente provado que as faturas em causa nunca foram pagas, não se poderá compreender em face disso, a sua decisão na qual conclui pela ilegalidade dessas liquidações, resultando claramente uma contradição entre a sua fundamentação de facto e de direito com a decisão final, o que constitui nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 125º do CPPT e no artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 2º al. e) do primeiro diploma referido.
H. Quanto à fundamentação de direito da douta sentença e mais concretamente ao facto de, por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos, se ter decidido no âmbito do Processo n.º 617/10.5TABCL, pela absolvição do Impugnante e da sociedade executada “A---, Lda”, do crime de Abuso de Confiança Fiscal na forma continuada, tendo sido dado como provado que nenhuma das faturas em causa foi de facto emitida pelo Impugnante, e que os cheques emitidos para pagamento dessas faturas, nunca foram recebidos por aquele ou pela sociedade executada, considera a Fazenda Pública que tal documento sustentando na sentença proferida pelo tribunal criminal, não constitui prova da falta dos pressupostos de facto quanto às liquidações impugnadas.
I. Na verdade, a decisão que tenha sido proferida em processo criminal sobre matéria de facto conexa, total ou parcialmente, com a que está em causa na presente impugnação, não determina que aquela seja relevada tal qual na impugnação sub judice e com a mesma valoração, depreciando assim a prova recolhida no âmbito do procedimento inspetivo, assim como, a produzida neste processo judicial tributário.
J. Isto porque, os elementos típicos da responsabilidade criminal, incluindo os respeitantes a crimes tributários, não são coincidentes com os pressupostos de incidência tributária, estes últimos, por força da sua natureza, menos exigentes do que aqueles. De facto, enquanto que no processo crime que correu termos no Tribunal Judicial de Matosinhos, estava em causa a eventual prática pelo arguido, aqui impugnante, de ilícito criminal fiscal, no caso dos autos, o que se encontra em discussão, são atos tributários de liquidação relativos à sociedade “A---, Lda”, por ter sido comprovado em sede de inspeção a essa empresa, com base em indícios objetivos, sólidos e bastantes, que as faturas emitidas em nome da referida sociedade, correspondem a vendas de bens e a prestações de serviços que foram de facto efetuados, em nome daquela.
K. Por outro lado, não se pode ignorar que enquanto que no processo criminal as dúvidas que nele subsistam sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, dado o princípio que norteia o processo penal de presunção da inocência, tal já não sucede no processo judicial de impugnação, no qual, existindo elementos probatórios suficientes que corroborem o juízo alcançado pelos serviços de inspeção e que, consequentemente, conduzam ao lançamento das liquidações impugnadas, a prova neste caso, deverá ser livremente valorada, nos termos do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC, aplicável ex vi o artigo 2º al. e) do CPPT.
L. Sendo certo que, é ao impugnante que incumbe o ónus de provar os factos constitutivos daquilo que defende, nos termos do disposto no artigo 74º n.º 1 da LGT.
M. Ora, a sentença recorrida, fundamentou a sua decisão socorrendo-se do disposto no artigo 624º n.º 1 do CPC, no entanto, a este propósito, não podemos olvidar o facto de o caso julgado ocorrido em decisão penal absolutória, ter incidência na responsabilidade civil, por via do disposto no mencionado artigo do CPC, mas já não na responsabilidade tributária, a qual, configura uma relação jurídica de direito público e não de direito privado, como é o caso das ações civis.
N. Assim se defendeu, designadamente, nos Acórdãos do STA de 16/02/2005, no âmbito do Processo n.º 08/05 e de 08/10/2014, no âmbito do Processo n.º 01930/13,
O. assim como, nomeadamente, nos Acórdãos do TCAN de 17/03/2005 (processos n.º 00134/04 e n.º 00108/04), e, mais recentemente, de 20/04/2017, no âmbito do Processo n.º 00145/10.9BEPNF.
P. No entanto, sem prescindir, nem conceder do que até ao momento se argumentou, a verdade é que, se em relação aos factos levados a julgamento em processo crime, foi examinada a concreta atuação do impugnante e da sociedade executada, atendendo à prova nele produzida, segundo critérios e exigências próprios da verificação de responsabilidade criminal, na presente impugnação, não foi produzida prova que infirme que as faturas nas quais foi liquidado o IVA correspondente, não foram emitidas com referência a atividade produtiva levada a cabo por intermédio de meios materiais e humanos da sociedade “A---, Lda”, seja sob a direção do impugnante, seja sob a direção de terceiro.
Q. Até porque, se tais faturas foram emitidas com base em atividade produtiva da sociedade executada, embora sem a intervenção do impugnante, necessária ou não, esta circunstância se comprovada, não coloca em causa de forma alguma a legalidade das liquidações resultantes da ação inspetiva àquela efetuada, mas apenas, eventualmente, em local e momento próprios, a responsabilidade do impugnante pelas respetivas dívidas em cobrança coerciva.
R. Razão pela qual, se considera que a sentença proferida em processo criminal fiscal, da qual se suportou o tribunal a quo para proferir a decisão que agora se discute, sem embargo do princípio da livre apreciação da prova, não constitui força probatória tendente à formulação de um juízo afirmativo por parte do Tribunal Tributário de que as liquidações impugnadas estão feridas por erro nos pressupostos de facto.
S. Acresce que, não podemos negar que a própria prova testemunhal oferecida pelo impugnante nesta sede, vem corroborar que a sociedade executada teve a materialidade subjacente à atividade desenvolvida pelas pessoas e máquinas que compunham a sua capacidade produtiva nos anos em causa,
T. de igual modo, também em sede de sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Matosinhos, no âmbito do processo crime n.º 617/10.5TABCL, resulta corroborado o exercício de atividade pela sociedade executada, nos anos aqui em causa.
U. Resultando prova inequívoca dos depoimentos prestados, quer em sede da presente impugnação, quer em sede de processo crime, que a sociedade executada “A---, Lda”, continuou de facto a exercer atividade, nos anos considerados.
V. Relativamente ao RIT que esteve na origem das liquidações em discussão, do mesmo resulta que, no âmbito dessa ação de inspeção, foi detetado que durante os exercícios compreendidos entre 2005 e 2007, a sociedade “A---”, emitiu...

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