Acórdão nº 03285/11.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-06-07

Ano2023
Número Acordão03285/11.3BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. AA, identificado nos autos, interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida contra o despacho de 14/07/2011 do Diretor-Geral dos Impostos, que, ao abrigo do n.º 7 do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), autorizou a aplicação das disposições anti-abuso para efeitos de determinação do rendimento tributável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2007, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«1) Prevê o n.º 2 do art. 38º da LGT a, designada pela doutrina, “elisão fiscal”, com recurso a meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas;
2) Como se conclui da parte final do n.º 2 do art. 38.º da LGT, a cláusula geral anti-abuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por actos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária;
3) Acresce que aquele preceito tem a natureza de norma excepcional (diríamos, até, absolutamente excepcional), o que resulta do facto de a aplicação da cláusula geral anti-abuso permitir que a tributação seja efetuada por aplicação de outras regras que não as normas gerais que a lei prevê para o negócio efetivamente praticado, e, mais importante do que isso, constituir um desvio ao princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de previsibilidade da lei fiscal aplicável, que é um princípio basilar do direito fiscal;
4) Por outro lado, com a sua aplicação não pode pretender coarctar-se a liberdade de gestão fiscal, a qual é norteada pelo princípio da neutralidade fiscal e restringida quando a mesma se baseia em esquema abusivo (o que, no caso, manifestamente não se verificou);
5) Daí decorre que na apreciação da legitimidade da aplicação daquela cláusula, o intérprete se tem de abster de quaisquer juízos sobre, nomeadamente, se, por exemplo, a economia fiscal lograda é ou não justificada ou aceitável ou se a concreta situação fere ou não uma suposta igualdade horizontal entre os contribuintes. O julgador tem apenas o dever de verificar se, no caso concreto, estão ou não, indubitavelmente, presentes cada um dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso e tal análise, tal interpretação, tem de ser que ser feita de forma restritiva (face ao carácter excepcional da norma);
6) Como se diz no Ac. TCA Sul – Proc. 04255/10, de 15-02-2011 nenhuma censura pode ser feita ao planeamento ou gestão fiscal que procure a minimização dos impostos a pagar de modo legítimo e lícito; “pelo que dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei”;
7) Não pode aceitar-se o princípio da realidade económica como cânone hermenêutico (desconsiderando-se as formas jurídicas externas), o que “levaria à mais completa arbitrariedade, bastando a qualquer funcionário da administração afirmar uma certa realidade económica, a ocultar uma necessidade financeira, para fixar o imposto que melhor entender, com desprezo das normas jurídicas aplicáveis”;
8) No caso sub judice, ainda que se tenham por assentes todos os factos tidos por provados na sentença em crise, não se vislumbra onde possa apontar-se a astúcia ou ardil utilizados pelo recorrente para iludir o sistema tributário, como nela se conclui;
9) Em que circunstâncias pode concluir-se que uma banal transformação de sociedade e aquisição de participações sociais pode constituir um abuso de formas jurídicas, por ser a mesma insólita ou imprópria?
10) Com diz Saldanha Sanches, “consideremos, por exemplo, o que sucede com as tributações das mais-valias: se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais;
11) Sendo o mesmo entendimento integralmente subscrito nos Acórdãos do TCA Norte de 28-09-2017-Proc. 01188/11.0BEPRT e de 18-10-2018-Proc. 00917/13.3BEPRT.
12) Acresce que o fundamento, constante do RIT, para a aplicação da cláusula anti-abuso pela AT, reside no facto de, por virtude da operação efectuada, o recorrente se ter furtado a um rendimento colectável de 1.600.000,00 €, o que é falso na medida em que apena estaria em causa o valor de 495.433,95 €;
13) Circunstância que, pese embora seja expressamente aceite pela Mma. Juiz a quo não retira daí quaisquer consequências. Diz-se a pag. 11 de forma taxativa: “é verdade que como referencia o A., o montante sobre o qual recairia a taxa de 10% não ascenderia a €1.600.000,00 na decorrência do que para o efeito resultou da norma transitória do artigo 5º do Decreto-lei n.º 442-A788, de 30.11, conjugado com n.º 1 do artigo 10º, alínea a) do n.º 6 do artigo 43º e n.º 4 do artigo 72º. Todos do CIRS, mas sim sobre o montante de €495.433,95, aliás, como decorre do procedimento inspectivo realizado e coligo da factualidade assente, ponto 18
14) Em suma, ainda que a transformação da sociedade em sociedade anónima, cuja acções o recorrente alienou, tivesse sido motivada por razões exclusivamente fiscais (o que, de todo o modo, não foi o caso) não pode deixar de se aceitar fiscalmente tal transformação com todas as suas implicações legais e fiscais;
15) Por não estarem previstos no caso sub judice os pressupostos para a aplicação da cláusula geral anti-abuso, a sentença recorrida tem que necessariamente ser revogada;
16) Foi efectuada uma incorrecta aplicação do disposto nos art. 38º, n.º 2 da LGT e art. 63º, n.º 2 do CPPT.»

1.2. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.3. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer nos seguintes termos:
«(...)
A AT entendeu que as operações descritas no sobredito enquadramento, nomeadamente o facto de terem sido adquiridas quotas da sociedade, por parte dos filhos dos sócios BB e CC, por contrato de cessação de cotas, a transformação da sociedade em forma em sociedade anónima, e por a sociedade, agora anónima ter adquirido a totalidade das oitenta mil ações de valor nominal 5,00€ cada, relativas à posição acionista do Recorrente, visaram essencialmente evitar que as mais-valias realizadas pelo ora Recorrente, na transmissão dessas participações fossem efetivamente tributadas em sede de IRS, pois, com estas transformações societárias procurou-se a não tributação destas transmissões, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10° do CIRS.

E assim sendo, a AT, na convicção de que as operações realizadas, no seu conjunto, são abusivas, recorreu a normas anti abuso que lhe permitiram contrariar os efeitos fiscais normais da transformação da forma societária desconsiderando, para efeitos fiscais, a referida transformação da forma jurídica das sociedades, ao abrigo do disposto no art.º 38°, n.º 2 da LGT.
A AT, considerou, atenta a factualidade apurada, que as operações levadas a cabo, foram manifestamente artificiais e abusivas, permitindo obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei, é, no entanto, desconforme com o seu espírito, e visando, primordialmente, a obtenção duma mais-valia não sujeita a tributação.
Com referência à norma supra apontada, importa discutir o que poderá ser entendido como sendo um “meio artificioso ou fraudulento” ou um “abuso de formas jurídicas”, na medida em que se tratam de conceitos indeterminados, nem sempre fáceis de enquadrar num cenário de planeamento fiscal, sendo que neste domínio a jurisprudência comunitária já se pronunciou sobre o conceito de meio artificioso ou fraudulento aquando da decisão do caso Cadbury-Schweppes (Processo C-196/04 de 12/09/2006) n.ºs 67-68), verificando-se que na asserção do TJCE, o conceito de meios artificiosos ou fraudulentos que nos é dado pelo legislador português traduz-se no uso de “expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação do Estado-membro em causa”.
Ora, como podemos ver, o Recorrente nem sequer se esforçou em colocar em crise a factualidade apurada nos autos (e tanto assim, que interpor recurso para este tribunal e não para o TCA), cabe notar que este elemento se refere ao segmento da norma que aponta para a prática de atos ou a celebração de negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de vantagem fiscal, sendo que as referências a este respeito no acto tributário em sindicância cingem-se à falta de correspondência da operação de transformação com a sua verdadeira substância económica, não espelhando aquela os objetivos invocados em ordem à sua realização, ou seja, o que se pretendeu foi essencialmente evitar que as mais-valias realizadas pelo Recorrente, na transmissão dessas participações fossem efetivamente tributadas em sede de IRS.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.»

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A sociedade A..., Lda. foi constituída em 15.09.1988 para o exercício da actividade de industria de construção civil e empreitadas de obras públicas, tendo como sócios AA, CC, BB e DD em proporção igual de 25% cada, tendo os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT