Acórdão nº 03205/22.0T8MAI.P1.S1 de Tribunal dos Conflitos, 2023-01-31

Data de Julgamento31 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão03205/22.0T8MAI.P1.S1
ÓrgãoTribunal dos Conflitos - (CONFLITOS)

Acordam, no Tribunal dos Conflitos:

1. Em 26 de Outubro de 2017, Herança Jacente de AA, representada pela cabeça-de-casal BB, por sua vez representada voluntariamente por CC, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma acção administrativa contra DD, formulando os seguintes pedidos:
Que seja “declarada e reconhecida à Autora a titularidade da concessão perpétua do direito real administrativo de uso privativo do jazigo localizado na Secção ..., sepultura n.º ..., com 3,00 metros de comprimento por 2,60 metros de largura, a confrontar a norte com o jazigo n.º ... do sector "...", a sul com o jazigo n.º ... do Sector, a nascente com propriedade privada e a poente com rua ... da Freguesia ..., ..., devidamente descrito no artigo 1.º da presente peça processual.
Mais se requer a V. Exa que a Ré seja condenada a reconhecer o direito da Autora à concessão perpétua do direito real administrativo de uso privativo do jazigo identificado no parágrafo anterior e, consequentemente, ser a mesma condenada a abster-se da prática de qualquer acto que atente com aquele direito de concessão e a devolver à Autora quaisquer chaves que detenha que permitam o acesso às urnas.
Invocou, como causa de pedir, a aquisição por sucessão, até à concessão a EE, “pela Junta de Freguesia ...”, em ... de Fevereiro de 1873, do “terreno (…), in perpetuum e de forma transmissível aos herdeiros do concessionário” e, quanto ao pedido de condenação na abstenção da prática de actos que perturbem a concessão, diversos actos que atribui à demandada e que, segundo alegou, impedem o acesso às urnas e o exercício dos direitos de concessionária.
Junta o alvará n.º ...16, com data de 17 de Junho de 2016, que titula a concessão, pela Junta de Freguesia ..., do “direito ao uso, na aplicação a que é destinado e com sujeição às leis e regulamentos de polícia, de um espaço (jazigo) no cemitério n.º ..., na Secção ..., sepultura n.º ... (…). Que o dito seja considerado para todo o sempre como propriedade da concessionária, e assim transmissível aos seus legítimos herdeiros” (doc. ...) e o “título de concessão de terreno a favor de FF”, de ... de Fevereiro de 1873, “in perpetuum (…), para jazigo de família”, “transmissível aos herdeiros” (doc. ...).
Conclui o articulado (artigo 80.º) afirmando que “Pelos factos alegados, facilmente se demonstra inequivocamente o direito da herança A. à utilização do jazigo, o qual já foi concedido à família da herança A. em 1873 e renovada em 2016”.
A ação veio a ser distribuída com o n.º 2443/17.....
Citada, a ré contestou, excepcionando a incapacidade legal da cabeça-de-casal BB, impugnando os factos alegados pela autora e afirmando, por entre o mais, que o jazigo foi comprado pelo seu bisavô (que, tal como outros familiares que identifica, foi sepultado no referido jazigo em 1921) e que, juntamente com sua irmã, “são titulares legais do direito de concessão do terreno ocupado pelo jazigo”. Impugna os documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição, sustentando, quanto ao n.º 2, que o terreno a que se refere “não corresponde ao jazigo em causa nos autos (…), uma vez que não identifica e nem descreve o terreno ali objecto de concessão”” e, quanto ao n.º 1, “porque é elaborado e emitido com base na falsidade”.
A autora replicou, pronunciando-se pela improcedência da exceção invocada, e peticionou a condenação da ré por litigância de má-fé.
Por despacho de 18 de Fevereiro de 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto convidou as partes a pronunciarem-se sobre a verificação da excepção dilatória de incompetência, em razão da matéria, da jurisdição administrativa para a apreciação da causa.
A autora pronunciou-se no sentido da competência material dos Tribunais Administrativos para conhecer da causa, requerendo, caso assim não se entenda, a remessa dos autos para a secção de competência genérica do Juízo Local Cível da Maia.
Por despacho saneador-sentença de 23 de Março de 2022, considerando tratar-se de uma acção da competência dos Tribunais Judiciais, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto absolveu a ré da instância, por incompetência absoluta.
Para tanto, e em suma, o Tribunal observou que que está em causa uma ação possessória, cujo principal intuito é o reconhecimento do direito à propriedade do jazigo, bem como a condenação da ré a abster-se de actos de esbulho de ou outros que dificultem o exercício do seu direito.
Salientou que não está em causa qualquer questão referente ao objeto da concessão administrativa (o terreno de implantação do jazigo), mas sim o próprio jazigo implantado no terreno do cemitério e a sua propriedade (enquanto bem imóvel).
Concluiu que entre as partes não existe qualquer relação jurídico-administrativa, tal como prevista no art. 4.º, n.º 1, al. a), do ETAF, mas, tão só, uma relação jurídica privada.
Notificada, a autora requereu a remessa dos autos para o Juízo Local Cível da Maia, o que veio a ser deferido por despacho de 7 de Junho de 2022 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Remetidos os autos, que ali passaram a correr com o n.º 3205/22.0T8MAI, o Juízo Local Cível da Maia – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por despacho de 23 de Junho de 2022, convidou as partes a pronunciarem-se sobre a competência material do Tribunal.
A autora requereu a remessa dos autos para o Tribunal competente para dirimir o conflito.
Por sentença de 11 de Outubro de 2022, o Juízo Local Cível da Maia – Juiz ... absolveu novamente a ré da instância, por entender que cabe aos Tribunais Administrativos o julgamento da causa.
Para tanto, concluiu que “Em face do pedido deduzido e da respectiva causa de pedir afigura-se-nos, ao contrário do decidido, não estarmos perante uma acção possessória que tem por intuito o reconhecimento do direito de propriedade sobre o referido jazigo, mas sim uma acção que visa defender a perturbação do direito de gozo sobre o referido jazigo legitimado pela concessão do direito real administrativo que deriva do alvará emitido por entidade pública. Estamos, assim, perante um conflito entre dois particulares relativo a uma relação jurídica administrativa qual seja o gozo de um direito real administrativo sobre um terreno pertencente à Junta de Freguesia e por esta cedido a um concessionário.”.
Mais determinou a remessa dos autos, após trânsito, ao Tribunal dos...

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