Acórdão nº 032/23.0YFLSB de Tribunal dos Conflitos, 27-09-2023
Data de Julgamento | 27 Setembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 032/23.0YFLSB |
Órgão | Tribunal dos Conflitos |
1. Em 28 de Março de 2016, AA propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma ação administrativa na forma de processo comum, contra o Estado Português e o Ministério da Justiça, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 300,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e de € 10.000, a título de danos não patrimoniais, “por erro judiciário no arresto dos bens do requerente no processo de venda judicial de bens perdidos a favor do Estado, que corria termos no ... Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira com o n.º de processo 783/05.1...”, acrescidas de custas, procuradoria condigna e demais encargos legais.
Tal ação veio a ser distribuída com o n.º de processo 716/16.0...
Os réus contestaram, suscitando a incompetência material do tribunal; o autor respondeu.
Por despacho saneador de 4 de Janeiro de 2018, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou-se absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção, afirmando a competência dos Tribunais comuns.
Sustentou, em suma, que, fundando-se a pretensão indemnizatória formulada pelo autor numa atuação, alegadamente negligente, do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, decorrente, entre outras, da decisão de arresto dos bens do autor, a competência para a apreciação da causa está arredada dos tribunais administrativos e fiscais, por via do art. 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF.
Nessa decorrência, a requerimento do autor, o processo foi remetido para o Juízo Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e distribuído ao Juiz ..., passando a correr sob o número 12819/18.1...
Por despacho de 6 de Junho de 2018, aquele Juiz ... julgou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da ação, determinando a remessa dos autos, após trânsito, ao Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira, por ser o territorialmente competente.
Remetidos os autos, o Juiz ... do Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, por despacho de 4 de Setembro de 2018, atribuindo a competência à jurisdição administrativa e fiscal, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação e absolveu os réus da instância.
Para tanto alegou, em suma, não estar em causa a função de julgar, mas antes questões que se prendem com o desempenho da administração judiciária, cuja análise cabe no âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF.
Por despacho de 31 de Janeiro de 2019, foi indeferido o requerimento de remessa dos autos para o Tribunal dos Conflitos.
Em 26 de Junho de 2023, o autor requereu ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a resolução do conflito negativo de jurisdição,
2. Remetido o processo ao Tribunal dos Conflitos, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que se seguissem os termos previstos na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro.
Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, nada disseram.
Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 91/2019, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser atribuída competência para conhecer da presente ação aos tribunais judiciais, porque “se bem entendemos a jurisprudência do Tribunal de Conflitos, importa sublinhar que, para atribuir competência a uma determinada jurisdição, é imprescindível que, na petição, sejam articulados factos que permitam, primo conspecto, fundamentar a imputação de responsabilidade às entidades demandadas, não bastando, para tal, a mera invocação “oca de factos” dessa mesma responsabilização.
Ora, in casu e de acordo com a petição apresentada, parece-nos que, salvo melhor opinião, os danos invocados pelo Requerente decorreram do decretamento de arresto da sua pensão e, colateralmente, da adjudicação do veículo referenciado.
Termos em que se conclui dever ser decidido o presente conflito através da atribuição de jurisdição aos Tribunais Judiciais- Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira – para conhecer o objecto da referida ação..
Notificado do referido parecer do Ministério Público, o autor nada disse.
3. Cumpre, assim, definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio em causa caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.
Os factos relevantes constam do relatório.
Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar o pedido do autor, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Como este Tribunal tem repetidamente recordado, esta forma de delimitação obriga a começar por verificar se a presente acção tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), sendo certo que, segundo a al. f) do nº 1 deste artigo 4º, cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal julgar os litígios respeitantes a “responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (…)”.
A redacção actual dos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, todavia, resulta da alteração legislativa trazida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro (que entrou em vigor no dia 11/11/2019 – art. 6.º da Lei n.º 114/2019), sendo portanto posterior à data da propositura da presente acção.
À data da propositura da acção, a redacção deste n.º 1, resultante do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, era a seguinte: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste...
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