Acórdão nº 03110/09.5BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12-10-2022

Data de Julgamento12 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão03110/09.5BCLSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A............, SA, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Tributário de Lisboa, acção administrativa especial, contra o Ministério das Finanças, impugnando o Despacho n.º 102/2008 – XVII, proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que indeferiu o pedido de autorização de transmissão de prejuízos fiscais acumulados pela sociedade incorporada, pedindo, a final, que a acção fosse julgada procedente, por provada, e anulada a decisão impugnada, condenando-se a Administração Fiscal a praticar o acto administrativo de aceitação do requerimento e respectivo deferimento com base no preenchimento dos respectivos pressupostos legais previstos no artigo 69.º do Código do IRC.


2 – Por decisão sumária de 27 de Novembro de 2008, o Tribunal Tributário de Lisboa declarou-se incompetente em razão da hierarquia para o conhecimento da acção, determinando a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.

3 – Por acórdão de 11 de Novembro de 2021, o TCA Sul julgou procedente a acção administrativa especial, anulou o acto impugnado e condenou a Entidade Demandada a praticar o acto decisório de deferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, dando por verificados os pressupostos do artigo 69.º do CIRC, sem prejuízo da fixação de um plano específico de dedução desses prejuízos nos termos do disposto no n.º 4 daquele artigo.


3 – Inconformada com aquela decisão, a Fazenda Pública recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
«[…]
I. Ao ter deliberado anular o despacho n.º 102/2008-XVII, de 14 de Janeiro de 2008, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e condenado o mesmo à prática do acto decisório de deferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, por verificação dos pressupostos legais contidos no art. 69º do CIRC, sem prejuízo da fixação de um plano específico de dedução desses prejuízos, o, aliás, douto Acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 69º do CIRC, na redacção à data aplicável aos factos, bem como, dos art.s 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA, motivo pelo qual não se pode manter.

Quanto ao segmento decisório de saber se é sindicável pelo Tribunal o juízo da Administração Fiscal quanto à existência de razões económicas válidas:

II. O Acórdão ora recorrido considerou, contrariamente ao que a entidade demandada havia invocado, que a questão de saber se a operação de fusão foi efectuada por razões económicas válidas podia ser sindicada pelo Tribunal remetendo nesta questão para o já deliberado no Acórdão do STA de 27.11.2013, proferido no processo nº 01159/09.

III. Ora, embora o Acórdão ora recorrido tenha remetido para a jurisprudência constante do Acórdão de 27.11.13, também é certo que o mesmo STA também já entendeu, cfr., entre outros, Acórdão da 2ª Sec., do STA, de 12/07/06, proc. nº 1003/05, que “saber se houve “razões económicas válidas” ou se a fusão “se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva” é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie” e que, “este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal”.

IV. Assim, contrariamente ao entendido pelo Acórdão recorrido, também parte da jurisprudência vem entendendo que, o saber se a operação de fusão realizada foi efectuada por razões económicas válidas envolve juízos de valor inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT, uma vez que estamos no campo da chamada discricionariedade técnica.

V. Deste modo, não só o juízo emitido pela AT, de considerar que a operação não foi efectuada por razões económicas válidas, não é, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, sindicável pelo Tribunal, como também, porque o acto que a A. pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, cfr. art. 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA.

VI. Donde, devendo os conceitos de “razões económicas válidas” e o de “se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva”, definir-se como indeterminados e cujo preenchimento cabe à Administração, a valoração que foi feita no despacho impugnado no que concerne à ausência de “razões económicas válidas” necessárias ao deferimento do pedido de dedução de prejuízos, releva de considerações de interesse público, pelo que, o juízo a esse respeito formulado escapa à fiscalização dos tribunais, só podendo os mesmos controlar o acto administrativo por existência de erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.

VII. Ora, lido o Acórdão ora recorrido, constata-se que o mesmo entendeu apreciar da bondade do acto impugnado, da validade substancial tecendo considerações sobre o contexto jurídico-económico em que a operação decorreu, mais dando todo o relevo ao estudo junto pela então A. e aos documentos que apenas juntou em sede de acção Administrativa (docs 3, 4 e 5 juntos com a PI do proc origem nº 748/08.1BELRS).

VIII. O Douto Acórdão também teceu considerações técnicas sobre o juízo efectuado pela AT quanto ao conceito de capital social, capitais próprios e prestações acessórias que no seu entender serão susceptíveis de serem equiparadas a capitais próprios, considerações estas que foram muito para além da indagação sobre a existência do erro grosseiro ou da desadequação ao fim legal.

IX. Termos pelos quais, quanto ao 1º segmento decisório do Acórdão ora recorrido há que concluir que o mesmo não só fez uma errada interpretação do nº 2 do então art. 69º do CIRC, como também, extravasou dos poderes que a lei processual lhe confere nos artigos 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA, tendo-se substituído, sem que para tanto detivesse competências, à AT, na apreciação e valoração do que são razões económicas válidas.

X. Pelo que, o Acórdão recorrido, neste segmento, não se pode manter devendo ser, desde logo, revogado e ser mantido o acto impugnado.

Quanto ao segmento decisório de saber se, no caso em concreto, a fusão foi realizada por razões económicas válidas:

XI. O acto de fusão tem de envolver não só o interesse económico das entidades envolvidas na fusão, mas também deve revestir-se de interesse público e não pode ter como objectivo a diminuição da carga tributária, por parte da sociedade incorporante.

XII. Ora, na análise da operação de fusão por incorporação em que a então A., ora recorrida, é parte e, na apreciação do interesse económico da mesma, a AT considerou que o contributo fornecido pela sociedade incorporada, que tinha um passivo superior ao activo e que apenas tinham prejuízos fiscais para transmitir, não podia deixar de sobrecarregar a incorporante no seu objectivo de reorganização e de viragem de resultados futuros.

XIII. Donde, salvo o devido respeito, acórdão recorrido analisou menos bem os factos e aplicou e interpretou também deficientemente as normas aplicáveis, ao interpretar como fez os documentos juntos pela Autora (apenas com a PI da presente acção), e daí concluir, que as prestações acessórias constituíam capitais próprios, e equiparando-os ao capital social da Incorporada.

XIV. Ora, quanto aos eventuais recursos a obter por via de prestações acessórias voluntárias que o douto Tribunal recorrido qualifica como integrando fundos próprios de base (o que, como se referiu, só agora foi invocado pela A., aquando da interposição da presente acção, quando o devia ter sido em sede do direito de audição que lhe foi facultado), não é líquido que assim seja, face até às declarações do próprio Banco de Portugal que só os consideram como "susceptíveis de integrar os fundos próprios de base dessa instituição".

XV. Diga-se desde já, que a declaração entregue no Banco de Portugal apresentada na Acção Administrativa Especial, apenas comprova o cumprimento da obrigação declarativa dos reportes. O que não significa a certificação substancial das mesmas.

XVI. Deste modo, é um facto que a B............ estava em situação económica difícil e possuía um património líquido negativo, donde o seu valor era menor que zero e o remanescente da sua extinção em nada contribuiu para o património da nova empresa.

XVII. Pelo que, face ao invocado, ainda que a ora recorrida pretenda que a eliminação de estruturas é razão económica válida, assume toda a legitimidade e adequação ao fim legal a posição da AT que concluiu, com base nos motivos atrás referidos, que não ficou demonstrado que a operação em causa tivesse efeitos positivos na estrutura da ora recorrida, pelo contrário, os resultados positivos ao longo do período projectado decorrem exclusivamente, ou quase exclusivamente, da contribuição da incorporante. Ou seja, não existe, nas palavras do Ac. do STA, de 5/07/06, interesse sacrificado - perda da receita fiscal -, proporcional ao interesse salvaguardado - ganhos macro-económicos obtidos com a fusão.

XVIII. Como já se disse, para a AT é evidente que atendendo aos documentos e Estudo que lhe foram apresentados pela A. e tendo considerado que não havia nele quaisquer outras razões válidas, para além das vantagens inerentes a uma operação de fusão, então, ponderados os interesses em causa, o que tinha maior peso eram as vantagens fiscais que a A. obteria com a operação em causa.

XIX. O que também...

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