Acórdão nº 0308/22.4BECTB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04-04-2024

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0308/22.4BECTB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I - PEDIDO DE RECTIFICAÇÃO E REFORMA DE ACÓRDÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO, junto deste Supremo Tribunal Administrativo, notificado do acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, veio pedir a sua rectificação e reforma. Pediu a rectificação do acórdão por este não fazer referência à existência de parecer do MP, oportunamente apresentado e notificado às partes. Pediu a reforma do acórdão por este ter aplicado uma norma jurídica inaplicável, mais concretamente, por ter aplicado o regime do art.72º, n.º 3 do Código de Contratos Públicos, na sua versão mais recente, mas não aplicável ao caso dos autos. Mais entende que, de acordo com o regime jurídico aplicável deve manter-se a decisão do TCA Norte que excluiu a proposta das recorrentes.

A B... SA veio igualmente pedir a reforma do acórdão por erro na determinação da norma aplicável (art. 72º, 3 do Código dos Contrato Públicos), pois ao caso dos autos era aplicável a versão desse mesmo artigo na redacção do Decreto-Lei 111-B/2017, de 31 de Agosto, de onde resulta que deve manter-se o acórdão recorrido na parte em que excluiu a proposta das recorrentes.

O MUNICÍPIO DO FUNDÃO veio igualmente pedir a reforma do acórdão com idêntica fundamentação e finalidade.

As recorrentes, A... SA e C... UNIPESSOAL LDA responderam às pretensões acima referidas pugnando pelo seu indeferimento ou, caso se entenda ser de reformar o acórdão que seja mantido a decisão proferida ao abrigo do art. 72º, 3 do Código dos Contratos Públicos

Vejamos.

Proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional (art. 613º, 1 do CPC). É, todavia, lícita a correcção de erros materiais e a reforma da decisão, desde que verificados os respectivos pressupostos (n.º 2 do mesmo artigo). A reforma da decisão que não admite recurso é possível desde que (i) por manifesto lapso do juiz (ii) “tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável” – art. 616º, 2, a) do CPC.

No presente caso, é evidente o manifesto lapso na indicação da norma aplicável, uma vez que o art. 72º, 3 do CCP, com a redacção aplicada no acórdão, resulta do DL n.º 78/2022, de 07 de Novembro. Ora, nos termos do art. 9.º desse mesmo diploma legal, o mesmo só é aplicável “(…) aos procedimentos de formação de contratos públicos que se iniciem após a sua data de entrada em vigor e aos contratos celebrados ao abrigo desses procedimentos, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 27.º da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, no que respeita às alterações ao artigo 370.º do CCP(…)”. O procedimento em causa neste processo iniciou-se antes da entrada em vigor daquela redacção, tendo o respectivo anúncio sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia 2022/S 125-355028,de 1 de Julho de 2022.

Também é evidente o lapso material relativo à falta de referência ao parecer do Ex.ma Procuradora - Geral Adjunto, devendo o relatório do acórdão ser corrigido nessa partes.

Impõe-se, assim, deferir o pedido de rectificação e de reforma o que implica a elaboração de novo acórdão sem os apontados erros, e respectivas consequências jurídicas. Quanto às demais questões decididas no acórdão, por se ter esgotado o poder jurisdicional, não é lícita qualquer alteração da decisão já tomada.




II – ACÓRDÃO CORRIGIDO E REFORMADO.



1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A. e C..., L.D.A., vêm, nos termos do art. 150º do CPTA, recorrer, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Julho de 2023, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Castelo Branco, a qual julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA por si intentada contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, indicando como contra-interessadas as seguintes entidades: B..., S.A., D.., LDA., E..., S.A., F..., S.A., G..., S.A. e H..., S.A.1.2. Na referida acção as Autoras impugnaram judicialmente a deliberação, de 17/11/2022, da CÂMARA MUNICIPAL DO FUNDÃO que adjudicou à referida "B..." o concurso público internacional n.º ...22, denominado "Aquisição de Serviços de Recolha e Transporte a Destino Final Adequado de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) do Concelho do Fundão", bem como a condenação da entidade demandada a excluir a proposta apresentada por esta contra-interessada, adjudicando-lhes o contrato ou, subsidiariamente, que seja anulado o procedimento a partir do Relatório Preliminar, nomeando-se um novo júri.1.3. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição do Município do Fundão e das Contra-interessadas dos pedidos, bem como julgou verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir arguida e, em consequência, absolver a Entidade Demandada e as Contra-interessadas da instância quanto ao pedido de anulação do ato deliberativo de 17.11.2022, na parte em que admitiu e adjudicou a proposta da Contra-interessada B..., S.A.1.3. Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, este concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a falta de interesse em agir e, em substituição, julgou improcedente o pedido de condenação da entidade demandada a proferir ato administrativo no qual determine a exclusão da proposta da contra-interessada B... e a adjudicação do contrato às AA, mantendo o julgamento de total improcedência da acção.1.4. Deste aresto foi interposto o presente recurso de revista, tendo as Autoras concluído:
- A decisão do TCAS quanto ao fundamento de exclusão da proposta do Recorrente contraria a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal de Contas, do Tribunal de Justiça da União Europeia, o DL nº 111-B/2017, de 31 de Agosto, quer quanto à alteração que plasmada no nº 3 do artigo 72º do CCP, quer quanto às profundas inovações através dele introduzidas no CCP, na procura da simplificação, desburocratização e flexibilização dos procedimentos de formação dos contratos públicos, com vista ao aumento da eficiência da despesa pública e à promoção de um melhor e mais fácil acesso a tais contratos por parte dos operadores económicos - diploma que recuperou a possibilidade de sanação da preterição de formalidades não essenciais pelas propostas apresentadas, evitando exclusões despropositadas e prejudiciais para o interesse público.
- A decisão proferida pelo TCAS quanto a esta questão viola o disposto no nº 3 do artigo 72º do CCP, introduzido pelo citado DL nº 111-B/2017, que impõe ao júri o dever de solicitar aos candidatos que procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas causadas por preterição das formalidades não essenciais, como seria o caso, o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe, em caso de dúvida, que se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão da proposta; viola também os princípios da prossecução do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, consagrados nos artigos 4º e 6º a 10º do CPA, e contraria a jurisprudência uniforme do STA nesta matéria, claramente espelhada, entre outros, nos doutos Acórdãos de 22/5/2015, de 9/7/2020, 19/11/2020 e 29/4/2021, proferidos, respectivamente, nos Processos nºs 0542/15, 00357/18.7TEFUN, 0185/19.2BEPDL e 0188/20.4BELLE (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
- A admissão do presente recurso revela-se importante pela necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial administrativo, sendo manifesta a importância fundamental da questão, decorrente da sua relevância jurídica e social, e a necessidade da sua admissão para uma melhor aplicação do direito, quanto a ambas as questões objeto do recurso.
- O presente recurso tem por objecto apenas duas questões, a primeira respeitante à proposta das Recorrentes, que o júri excluiu invocando diversas causas, decisão que a 1ª instância manteve integralmente, e a 2ª instância sufragou apenas parcialmente, mantendo a exclusão, mas apenas com base numa das causas invocadas pelo júri, e a segunda referente à proposta da contra-interessada “B...”, cuja proposta as Recorrentes consideram dever ser excluída, mas que o não foi, porquanto o júri entendeu que a situação invocada constitui erro de escrita, que oficiosamente supriu.
1ª QUESTÃO:
DA EXCLUSÃO DO “AGRUPAMENTO A...”, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 146º, Nº 2, AL. E) DO CCP, POR INCUMPRIMENTO DOS N.ºs 4 E 5 DO ARTIGO 57º DO MESMO CÓDIGO
- A sentença proferida em 1ª instância e o Acórdão recorrido, na esteira da proposta do júri e subsequente decisão do Réu Município, manteve a decisão de exclusão da proposta das Recorrentes, por considerar que ocorre violação do disposto no nº 4 do artigo 57º do CCP, que exige a assinatura de todos os documentos de instrução da proposta pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar e que a consequência de tal incumprimento é a exclusão da proposta, ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 2, al. e), do mesmo código, e não o convite ao concorrente para vir sanar tal vício.
– Resulta dos autos que com a proposta das Recorrentes foi junta procuração, lavrada em 9/12/2013, no Cartório Notarial da Notária AA...., no Fundão, pela qual BB...., na qualidade de único sócio e gerente da Sociedade “C..., UNIPESSOAL, LDA”, confere a CC....., entre outros, os necessários poderes para, em nome da sua representada:
“(…)
h) Celebrar contratos, acordos e outros atos comerciais, no contexto das atividades correntes da sociedade e no âmbito do seu objeto;
i) Representar a sociedade mandante junto das Repartições de Finanças, Câmaras Municipais (…), requerendo e assinando tudo o que for necessário para os indicados fins; (…)
m) Subscrever, celebrar ou apresentar propostas para execução de obras, em concursos e/ou adjudicações, sejam públicas ou privadas, assinar e ou...

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