Acórdão nº 03054/15.1BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-01-12

Ano2022
Número Acordão03054/15.1BESNT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 22-06-2021, que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida por “A………….” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a decisão de reclamação graciosa deduzida na sequência do acto de líquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas («IRC») n.º 2007 2310358320, referente ao período de 2006.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

a) A Fazenda Pública não se conforma com o sentenciado na parte que decidiu considerar ilegal o ajustamento ao benefício fiscal da criação de emprego no caso de trabalhadores admitidos por contrato de trabalho a tempo parcial.

b) O sentenciado, nesta parte, viola os princípios da unidade do sistema jurídico, da igualdade e da proporcionalidade.

c) É incongruente e sem justificação racional e objetiva estabelecer um benefício fiscal igual, quando existem circunstâncias factuais diferentes nos seus pressupostos, ou seja, sem atender que criar um posto de trabalho a tempo inteiro é diferente de se criar um posto de trabalho a tempo parcial.

d) A criação de um posto de trabalho a tempo inteiro não contribui na exata proporção para a satisfação dos objetivos pretendidos com a atribuição deste benefício fiscal, quando comparado com a criação um posto de trabalho a tempo parcial, porque a criação deste último contribui muito menos para os interesses públicos extrafiscais relevantes que foram considerados superiores aos da própria tributação e que permitem a atribuição do benefício fiscal (art. 2º n.º 1 do EBF), bem como contribui muito menos para a política pública de incentivo ao emprego estável e duradouro (circunstâncias em que a lei foi elaborada).

e) O ajustamento fiscal do benefício fiscal deve ser considerado válido, dado que somente com a aplicação dessa restrição é que é atingido o objetivo prosseguido, pois a Recorrida continua a auferir da vantagem social decorrente do benefício fiscal, e por outro lado, a restrição é proporcional ao objetivo visado.

f) Somente desta forma é possível prevenir abusos no direito à dedução majorada por parte dos sujeitos passivos.

g) O ajustamento efetuado não comporta uma discriminação carecida de justificação material, objetiva e racional, ou não fundada em interesse público relevante, dado que somente com a sua adoção é verificável a relação de proporcionalidade com a vantagem social que se associa ao posto de trabalho a tempo parcial criado, sob pena de se criar um enviesamento do montante do benefício, em favor da contratação de trabalhadores a tempo parcial e em detrimento da contratação de trabalhadores a tempo completo, efeito que, certamente, contraria os objetivos prosseguidos com a aplicação do benefício da criação de emprego.

h) O art. 17º do EBF para efeitos majoração ou de encargo admitido tem por base o “salário mínimo nacional mais elevado” (art. 17º n.º 2 do EBF), ou a “retribuição mínima mensal garantida” (art. 17º n.º 3 do EBF, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006), a qual tem como pressuposto o trabalho a tempo inteiro, correspondente a 40 (quarenta) horas semanais, pelo que estando em causa um contrato de trabalho que tenha uma duração inferior, em regra para metade 20 (vinte) horas semanais, a que corresponderá logicamente um salário inferior à retribuição mínima mensal garantida, tendo por base as regras de cálculo da retribuição hora, o limite do benefício fiscal tem de ser ajustado, sob pena de ser atribuído um benefício fiscal injustificado, desproporcional e não coerente, e em consequência feita uma interpretação da lei que não garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência.

i) Atentas as razões alegadas e concluídas, afigura-se que o sentenciado, na parte de que se recorre sofre de erro de julgamento, e deve ser revogado.

j) Nos termos do art. 6º n.º 7 do RCP deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda os € 275.000, atendendo que, embora a questão em apreciação não seja de complexidade menor, a sua conduta não se afigura merecedora de censura, na medida em que pugna no recurso, de modo fundamentado, pela posição adotada, em conformidade com o direito aplicável, e sem utilizar qualquer meio que possa ser reputado de inútil, desadequado ou dilatório, além de não se afigura que venham a ser apresentados articulados ou alegações prolixas.


III. Pedido:

Requer-se doutamente a este Venerando Tribunal que considere o presente recurso procedente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda € 275.000,00.
Visando a useira e acostumada justiça.”

A Recorrida “A……………..” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

A) O Recurso apresentado pela Fazenda Pública carece de qualquer fundamento factual ou legal.

B) O artigo 17.º, n.º 1, do EBF deixa claro que a majoração dos encargos por posto de trabalho e a sua consideração como gasto depende, somente, da “criação líquida de postos de trabalho” para “jovens” ou “desempregados de longa duração” que sejam “admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”.

C) Em momento algum o legislador faz referência, direta ou indireta, à necessidade do posto de trabalho ser criado a tempo completo.

D) No sentido supra, atente-se na decisão proferida pelo tribunal arbitral tributário (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), no acórdão n.º 212/2013-T, de 26 de fevereiro de 2014, publicado em www.caad.org.pt/, no qual concluiu que “a redução da majoração nas situações de trabalho a tempo parcial não encontra o mínimo de correspondência verbal que permita adotar essa interpretação e não se vêem razões que inequivocamente a possam justificar, nem se vislumbra qualquer outra norma que leve a concluir que o legislador não tinha intenção de incentivar também a criação de postos de trabalho a tempo parcial” (sublinhado nosso),

E) Pelo que “a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de extravasar do sentido literal da norma, está desconforme com o espírito da lei”.

F) No mesmo sentido, vide sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no processo de impugnação judicial n.º 95/16.5BESNT.

G) A sentença em apreço, objeto de recurso pela Fazenda Pública para o Supremo Tribunal Administrativo, viu esta instância denegar provimento ao mesmo.

H) Na referida decisão conclui-se que “tal redução não resulta da lei, sendo que o montante considerado como dedutível se reporta a um montante máximo anual por posto de trabalho (de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida), não estabelecendo a lei qualquer redução por efeito de contrato de trabalho a tempo parcial, já que o que releva é os montantes dos encargos assumidos pela entidade patronal com os trabalhadores admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”.

I) No âmbito do referido Recurso apresentado, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo que “(…) dos normativos do artigo 19.º, n.ºs 1 e 3 do EBF resulta que, para usufruir do benefício a lei apenas exige a criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato de trabalho sem termo, jovens e desempregados de longa duração, sendo apenas esses os critérios (e não outros) estabelecidos pelo legislador.”.

J) No mesmo sentido vejam-se os acórdãos n.º 57/2017-T, de 25 de agosto de 2017, n.º 68/2017-T, de 5 de janeiro de 2018, e n.º 495/2017-T, de 28 de maio de 2018, publicados em www.caad.org.pt/.

K) Com efeito, a aplicação do citado benefício fiscal depende do preenchimento dos seguintes pressupostos: primeiro, a existência de criação líquida de postos de trabalho; segundo, relativamente a trabalhadores com idade não superior a 30 anos; e, terceiro, os trabalhadores devem ter sido admitidos por contrato de trabalho sem termo.

L) Resulta amplamente fundamentado nos autos, douta apreciação do Tribunal, que todos os pressupostos supra enunciados ficaram provados pelo que o direito da Recorrida se encontra validado.

M) Caberia à Fazenda Pública provar o enquadramento legal do ajustamento do limite máximo de majoração anual, na proporção da redução do período normal de trabalho. Sucede que, percorrida a contestação apresentada pela Fazenda Pública, não se encontra invocado um único argumento nesse sentido.


*****

NESTES TERMOS E NO MELHOR DE DIREITO AO CASO APLICÁVEL QUE V.EXAS, COLENDOS CONSELHEIROS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO CONFIRMANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA A SENTENÇA RECORRIDA.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida na parte que decidiu considerar ilegal o ajustamento ao benefício fiscal da criação de emprego no caso de trabalhadores admitidos por contrato de trabalho a tempo parcial.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

a) Em 30-07-2007, a Impugnante, «A……………. », apresentou declaração modelo 22 de IRC, referente ao período de 2006, onde declarou, no campo 234 do quadro 07, um valor de €2.617.519,03, referente ao benefício fiscal de criação de emprego (provado por documento, de fls. 25 a 30 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos, e, no que se...

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