Acórdão nº 03032/13.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-01-12

Ano2022
Número Acordão03032/13.5BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 8 de junho de 2021, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada por A…………, S.A., …, visando despacho de indeferimento parcial de reclamação graciosa, do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2009.
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «

A. Nos autos em referência, a douta sentença decidiu julgar a presente impugnação procedente, anulando-se o despacho impugnado.

B. Para fundamentar as conclusões alcançadas, estriba-se a douta sentença recorrida na seguinte argumentação, que aqui se sintetiza:

…não se acompanha o entendimento da AT, pois dispondo o artigo 62°, n.º 2 do CIRC, na redação vigente, que “sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria colectável é a respectiva importância ilíquida do imposto retido na fonte", no caso em apreço o imposto retido diz respeito ao Fundo e não ao Impugnante, pelo que o valor a incluir como rendimento na sua esfera é apenas o valor efetivamente pago pelo Fundo.

De facto, o artigo 22.º pretende, em suma, tributar o respetivo fundo, isentando os participantes, sendo designado como “regime de tributação à entrada, isenção à saída”. Assim, estatuindo o art.º 22.º que a tributação é feita exclusivamente na esfera do fundo, os rendimentos a declarar não poderão incluir o imposto suportado por uma entidade terceira, in casu, o fundo.

C. Entende a Fazenda Pública que o douto tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelas razões que passa a elencar.

Ora,

D. Tendo em conta o artigo 22.º do EBF (à data dos factos), no que respeita às pessoas coletivas, aos sujeitos passivos singulares com atividade comercial, industrial ou agrícola e aos estabelecimentos estáveis em território nacional, os rendimentos pagos pelos fundos não beneficiavam de isenção, mas os impostos por eles pagos podiam ser deduzidos pelos sujeitos passivos a título de pagamento por conta.

E. Assim, face aos objetivos que presidiram ao mecanismo de tributação vertido no art. 22.º do EBF, óbvio é que a “tese” da sentença ora recorrida vem adulterar totalmente os propósitos prosseguidos com aquele regime legal.

F. De facto, se os argumentos da sentença estivessem correctos, estaríamos perante a cedência de redução de tributação aos participantes no fundo face aos investidores diretos em mercado de capital, os quais teriam de incluir o valor dos rendimentos brutos de natureza financeira recebidos, nos termos do art. 20.º, n.º 1, c) do CIRC e arts. 67.º e 94º, n.º 1 c) do mesmo diploma.

G. Mas o mesmo não sucederia com os titulares de unidades de participação que apenas seriam tributados pelos rendimentos líquidos, e teriam ainda a possibilidade de dedução de um imposto que não teria incidido sobre os seus proveitos e que fora suportado por terceiro.

H. O duplo benefício é evidente e acabaria por constituir um indevido estímulo à participação nos fundos, arruinando, de uma vez por todas, a desejada neutralidade.

I. Essa solução determinaria também uma redução da receita fiscal uma vez que a imputação do imposto pago pelo fundo na esfera do participante, desacompanhado da respetiva relevação como proveito, implica, em substância, que o rendimento respetivo não é tributado nem na esfera do fundo nem na esfera do titular da participação.

J. Face ao exposto, naturalmente se conclui que a interpretação do art.º 22.º do EBF, em função dos seus elementos histórico e teleológico, não consente a apreciação concretizada na sentença ora recorrida. Pelo contrário, todo o mecanismo estabelecido nessa norma implica uma clara relação entre os rendimentos do fundo e os dos participantes e entre a tributação de uns e outros, de forma a garantir a neutralidade da tributação.

K. De igual modo, o elemento sistemático não avaliza o entendimento da sentença.

L. Na verdade, quando o n.º 3 do art.º 22.º do EBF se refere ao pagamento por conta, alude a um conceito vertido e estabilizado no nosso ordenamento jurídico-fiscal, designadamente no art.º 33.º da LGT.

M. O pagamento por conta é uma entrega pecuniária antecipada efetuada no período de formação do facto tributário por conta do imposto devido a final, pelo que pressupõe obviamente um facto tributário, ainda que em fase de constituição, bem como uma tributação final incidente sobre o rendimento decorrente esse facto.

N. Inexistem quaisquer razões que permitam concluir que o legislador teve em conta uma noção diversa do pagamento por conta, noção essa que prescindiria da existência de um facto tributário na esfera do seu titular e da consequente tributação do rendimento ocasionado por esse facto.

O. Pois, ao permitir a imputação do imposto pago pelo fundo na esfera do participante, o legislador simplesmente reconhece o seguinte:

P. Que o rendimento pago ao participante pelo fundo mostra-se reduzido do imposto pago pelo próprio fundo, isto é, que o rendimento devido ao participante é maior do que o que lhe foi entregue;

Q. Que essa tributação, porque corresponde a uma ablação do rendimento devido ao participante, deve ser considerada no cálculo do IRC que este tenha a pagar sobre todos os rendimentos auferidos, designadamente aquele que lhe foi deduzido pelo fundo no momento do pagamento.

R. Assim sendo, atento o disposto, à data, no art.º 62º, n.º 2, do Código do IRC, o rendimento a considerar/englobar na determinação do Lucro Tributável do participante será o rendimento bruto, ou seja, a importância ilíquida do imposto retido na fonte, ainda que esta retenção tenha sido efetuada na esfera do Fundo.

S. Ou seja, os rendimentos dos fundos concorrem, na totalidade, como proveito que são, para a formação do Lucro Tributável, sendo o benefício consubstanciado na dedução à coleta do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1, do art.º 22º, do EBF, à data.

T. A não ser assim, seria totalmente incompreensível que a própria sociedade gestora de fundos “B………… Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimentos, SA” indicasse, em sede da declaração mencionada no ponto A) dos factos provados, o valor de rendimentos ilíquidos pagos à impugnante, pelo que, tal declaração valida a “tese” da AT de que o rendimento sujeito a tributação é o rendimento bruto e não o líquido.

U. Em suma, o art.º 22.º do EBF (à data dos factos), ao contrário do referido na sentença, não prevê qualquer isenção dos rendimentos provenientes do Fundo para pessoas colectivas titulares de unidades de participação, nem prevê uma separação estrita entre os rendimentos destes e os do Fundo, uma vez que admite que os impostos pagos pelo Fundo são dedutíveis por aqueles a título de pagamento por conta.

V. Destarte, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença ora recorrida enferma em grave ERRO DE DIREITO APLICÁVEL, pelo que deverá ser revogada

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»


*

A sociedade recorrida (rda) formalizou contra-alegações e concluiu: «

(a) Nem o Código do IRS, nem o Código do IRC prescrevem que o montante de imposto retido aos fundos de investimento ou por eles apurado autonomamente - que, nos termos do disposto nos números 2, 3 e 7 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, tem a natureza de imposto por conta na esfera dos participantes, os quais, obrigatoriamente (e como é o caso do Recorrido) ou, apenas por opção, procedam ao englobamento dos rendimentos que lhes são atribuídos -, seja acrescido para efeitos da determinação do rendimento sujeito a imposto;

(b) Tomando como exemplo o domínio do IRS, a remissão operada (cf. o número 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e o artigo 78.º do Código do IRS) determina literalmente que o “imposto por conta” consiste numa dedução à coleta, conferindo direito ao reembolso da diferença eventualmente apurada, sendo que o artigo 22.º daquele código apenas previa, no número 6, a consideração dos rendimentos que dão direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional pelas respetivas importâncias ilíquidas;

(c) O artigo 62.º do Código do IRC limita-se a prever a consideração dos rendimentos que dão direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional e dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte pelos respetivos montantes ilíquidos de imposto (estrangeiro ou retido na fonte), não sendo efetuada qualquer menção ao imposto retido a (ou pelos) fundos de investimento;

(d) Os rendimentos relevantes no caso concretamente em apreço não se enquadram em qualquer daquelas categorias, por (i) não conferirem direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional, (ii) nem estarem sujeitos a retenção na fonte, o que resulta expressamente do disposto nos números 3 e 7 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

(e) A intenção do legislador, embora imperfeitamente expressa na lei, é a de permitir a dedução do montante apurado também em IRC, pretendendo-se ainda que em qualquer dos referidos domínios (IRS ou IRC), a dedução não fique limitada ao valor da coleta, pelo que da mesma pode resultar um valor a reembolsar;

(f) Nem em sede de IRS, nem em sede de IRC, se encontra expressamente prevista a obrigação de acrescer o valor em análise para efeitos da determinação do rendimento coletável, como pretende impor a Recorrente;

(g) No caso sub judice, coloca-se a questão de saber qual a natureza da ligação entre os rendimentos das unidades de participação e o montante do imposto suportado pelo fundo, que se cristaliza na...

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